Os nomes das filhas, Elaine e Érica. As primeiras palavras pronunciadas pelo funcionário aposentado do IBGE Renato Duarte Pinheiro, de 61 anos, brotaram de sua boca, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto. Era o reencontro com sua voz, calada desde que passara por uma cirurgia que extirpou um câncer de laringe e, com ele, suas cordas vocais. Foram dois meses e 18 dias em silêncio, sem dizer às filhas como as ama. Até que, na semana passada, o implante de uma prótese permitiu pai e filhas conversarem, à beira do leito, numa enfermaria do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB).
Renato foi um dos seis pacientes da unidade a receber a prótese fonatória no último dia 23. O hospital, que já havia testado o procedimento em dois pacientes há cerca de um ano e meio, teve o projeto aprovado pela direção e, a partir de agora, passa a oferecer a prótese a pacientes que retiram a laringe — só na unidade, são cerca de 60 ao ano. Antes, apenas o Instituto Nacional de Câncer (Inca) oferecia o procedimento na rede pública do Rio.
Na última quarta-feira, os seis pacientes do HFB passaram pela primeira consulta com fonoaudiólogos para testar a nova voz e aprender a rotina de cuidados.
— Sempre fui muito falante e pretendo continuar sendo. Voltar a falar é uma grande melhora de vida para mim. Vou poder conversar muito com meus netos — diz Renato, emocionado.
Ao seu lado, a filha Elaine da Motta, de 39 anos, não segura as lágrimas ao ouvir o pai:
—É uma emoção ouvi-lo me chamar de filha novamente.
Para o cirurgião da equipe de cabeça e pescoço do HFB Paulo Pires de Mello, a prótese representa uma grande melhora na qualidade de vida do paciente que passa pela cirurgia de laringectomia total:
— Esse tratamento é indicado para casos avançados de câncer de laringe, e 70% dos pacientes chegam nesse estágio da doença.
O médico explica que a prótese pode ser implantada no momento da retirada da laringe ou meses após a cirurgia. Para isso, alguns aspectos são analisados, como a estrutura do esôfago após o tratamento do câncer.
— Não serão todos os pacientes que poderão se beneficiar da prótese. Estamos em processo de avaliação para selecionar os pacientes que poderão recebê-la. Esperamos implantar mais 30 próteses até o fim do ano — diz Mello, que comemora a inauguração das novas instalações do serviço de Cabeça e Pescoço do HFB prevista para o mês que vem.
Rouquidão é um sinal de alerta
A maioria dos pacientes com câncer de laringe fuma ou já fumou. O consumo de bebida alcoólica é outro fator de risco. Segundo estimativas do Inca, a doença deve afetar 6.300 homens e 990 mulheres, este ano, no país.
— Rouquidão por mais de duas semanas deve ser investigada, principalmente em paciente que fuma ou já fumou — alerta o fonoaudiólogo da equipe do HFB Flavio Luis Coutinho.
Para a chefe do serviço de Cabeça e Pescoço do HFB, Luzia Abrão El Hadj, a inclusão da prótese na rotina de atendimento significa reintegrar o paciente à vida social.
— Passamos a oferecer um tratamento de ponta, o mais moderno oferecido no mundo. É a melhor forma de reabilitar a voz no paciente laringectomizado total em menor espaço de tempo. Com isso, o paciente é reintegrado à vida social, melhorando a qualidade de vida dele — avalia a médica.
Miguel Moura Backer, de 50 anos, usa sua prótese fonatória, implantada há um ano e quatro meses no HFB, para dizer exatamente isso a plenos pulmões.
— Eu era gerente de supermercado, e a voz era minha ferramenta de trabalho. Achei que nunca mais falaria. Até que, há um ano e quatro meses, recebi a prótese e comecei uma nova vida. Ganhei qualidade de vida. Minha autoestima hoje é outra. A primeira coisa que disse foi: ‘A benção, mãe’. Ela ficou louca! O câncer não é o fim da vida.