A mulher que salvou a Estátua da Liberdade
A Liberdade Iluminando o Mundo — para mencionar o nome oficial da estátua (em inglês, Liberty Enlightening the World) — é um dos principais ícones dos Estados Unidos e um símbolo da ideia de que o país é uma nação de imigrantes.
Localizada em Nova York e com altura de 93 metros, a mulher com túnica representa Libertas, a deusa romana da liberdade.
Com a mão direita, ela ergue uma tocha sobre a cabeça, que ostenta uma coroa. Na mão esquerda, ela segura uma tábua com a inscrição da data, em números romanos, de 4 de julho de 1776 — o dia em que os Estados Unidos adotaram sua Declaração de Independência.
Abaixo dos seus pés, uma corrente partida relembra a abolição da escravatura, no final da guerra civil dos Estados Unidos.
A estátua foi erguida no final do século 19 e, desde então, tornou-se o primeiro símbolo observado por milhões de imigrantes ao chegar a Nova York, com a esperança de encontrar uma nova vida.
E a própria estátua é imigrante: nasceu em Paris e chegou desmontada aos Estados Unidos, em 214 caixas separadas — um presente dos franceses para os americanos, demonstrando a amizade forjada nas revoluções dos dois países.
Sem recursos
No verão de 1885, a Estátua da Liberdade estava em Nova York dentro das caixas, esperando para ser montada.
Concebida pelo pensador e político Edouard de Laboulaye (1811-1883), ela foi projetada pelo escultor Frédéric Auguste Bartholdi (1834-1904) e construída sob a supervisão do engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923).
Os franceses arrecadaram o dinheiro necessário para custear a escultura com doações particulares, sem a participação do governo. Mas o acordo era que os Estados Unidos fornecessem o pedestal de granito sobre o qual seria erguida a estátua.
O custo do pedestal seria de US$ 250 mil — correspondentes, em valores de hoje, a cerca de US$ 7,5 milhões (ou cerca de R$ 36,5 milhões).
Um grupo denominado Comitê Americano da Estátua da Liberdade encarregou-se de arrecadar o dinheiro, mas ficou faltando mais de um terço do valor. E, sem poder contar com fundos municipais nem com o governo federal, Nova York esteve a ponto de perder a oportunidade de erguer a Dama da Liberdade.
Até que, quando as opções pareciam ter acabado, o renomado editor Joseph Pulitzer (1847-1911) decidiu lançar uma campanha no seu jornal, o The New York World.
A campanha arrecadou dinheiro entre mais de 160 mil doadores, incluindo crianças, empresários, varredores de ruas e políticos. Embora mais de 75% das doações fossem de menos de um dólar, ela foi um sucesso.
A estátua finalmente foi erguida na ilha de Bedloe (que, em 1956, teria seu nome alterado para ilha da Liberdade), que abrigava uma base militar abandonada em frente ao litoral de Nova Jersey.
O então presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland (1837-1908), presidiu a cerimônia de inauguração no dia 28 de outubro de 1886.
Segundo ele, “uma corrente de luz atravessará a escuridão da ignorância e a opressão do homem até que a Liberdade ilumine o mundo”.
Mas ele não mencionou a imigração. Somente vários anos depois, a Estátua da Liberdade se transformaria na “mãe dos exilados”, embora já fosse chamada desta forma no poema que seria a origem desta transformação.
‘O novo colosso’
Emma Lazarus (1849-1887) foi uma poetisa judia americana, nascida em Nova York. Seus antepassados haviam fugido de Portugal e da Espanha devido à Inquisição e chegaram aos Estados Unidos no século 18.
Em 1883, Lazarus recebeu o pedido para que escrevesse um poema para ajudar a arrecadar dinheiro para o pedestal da Estátua da Liberdade. Inicialmente, ela se negou, alegando que não escrevia poemas por solicitação.
Mas Lazarus estava muito envolvida na ajuda aos judeus que chegavam fugindo do antissemitismo. Foi por isso que uma amiga a convenceu a escrever, dizendo que ela o fizesse pelos refugiados, que veriam a estátua assim que chegassem aos Estados Unidos.
Assim nasceu o poema The New Colossus – ou O Novo Colosso, que, em um trecho, usa o termo a “Mãe dos Exilados” e diz que “brilham as boas-vindas para o mundo inteiro”.
O poema cumpriu com seu objetivo, mas logo caiu no esquecimento, à medida que a estátua perdia relevância nos seus primeiros anos de existência.
As dificuldades
O presente francês acabou sendo um tanto oneroso para os Estados Unidos.
O uso da ilha Bedloe para receber a estátua foi autorizado pelo presidente anterior, Ulysses S. Grant (1822-1885). Na época, ele especificou que a estátua seria um farol, o que lhe daria um propósito para justificar seu financiamento pelo governo.
Pouco depois da inauguração, o presidente Cleveland ordenou que a Estátua da Liberdade fosse “imediatamente colocada sob os cuidados e a supervisão da Junta do Farol e que, de agora em diante, essa Junta a manterá como um farol”.
A ideia era iluminá-la com algo relativamente novo — a luz elétrica. O plano do engenheiro responsável pelo projeto era colocar luzes não apenas na tocha, mas também nos pés, para cobri-la totalmente de luz à noite, o que teria grande impacto naquela época.
Mas a obra mostrou-se complicadíssima e muito cara. Os engenheiros nunca conseguiram iluminá-la suficientemente para que ela cumprisse qualquer propósito de forma adequada.
Para piorar a situação, o tempo demonstrou que a ilha de Bedloe ficava em uma posição muito terra adentro para que fosse uma boa posição para o farol.
E a estátua também não teve sucesso como atração recreativa nos seus primeiros tempos. Feita de cobre, sua coloração ainda era marrom-avermelhada. Ela só iria adquirir seu tom verde chamativo produzido pela oxidação em 1906.
À distância, quando a luz permitia, era possível admirá-la como monumento ou criticá-la como obra de arte, dependendo de quem a observasse. Mas visitá-la era um desastre.
Um editorial do jornal The New York Times detalhou seu estado de abandono em 1895: “uma situação lamentável” que deveria ser corrigida para evitar que a Estátua da Liberdade se tornasse motivo de “reprovação para uma nação e insulto para a outra”.
Atualmente, é difícil imaginar que a Estátua da Liberdade poderia não ter se tornado o símbolo que é hoje em dia. Mas ninguém pode dizer qual teria sido seu destino, não fosse a campanha para reviver a obra de Lazarus, 14 anos depois da morte da poetisa.
O novo propósito
A compositora Georgina Schuyler (1841-1923) foi também filantropa, patrocinadora de arte, ativista social, colunista e amiga de Lazarus. Foi ao acaso que ela teve contato, em 1901, com o poema O Novo Colosso.
Os versos deixaram claro que, embora o propósito original da estátua fosse simbolizar a liberdade, sua proximidade da ilha Ellis — na época, o local por onde entravam os imigrantes nos Estados Unidos — prestava-se à sua reinterpretação como símbolo de boas-vindas para os estrangeiros, como Lazarus havia descrito.
Schuyler imaginou que a melhor forma de homenagear a obra da amiga seria inscrever suas palavras no pedestal da estátua que a inspirou. Mas, segundo a revista do Instituto Smithsoniano, este não era o único projeto.
Progressista comprometida, Schuyler estava muito preocupada com o contínuo aumento do fervor contra judeus e imigrantes nas duas décadas anteriores, nos Estados Unidos. Ela previa que os problemas iriam se agravar.
Como membro de uma família política e interessada na preservação da história desde a adolescência, ela compreendia muito bem o poder de um monumento como plataforma para uma mensagem política permanente, segundo Elizabeth Stone, da Universidade Fordham, nos Estados Unidos.
E que lugar melhor poderia haver para o soneto de Lazarus do que uma estátua enorme que precisava de um propósito?
Foram dois anos até que ela conseguisse. Mas, no dia 5 de maio de 1903, uma placa com o poema gravado foi fixada ao pedestal da “Dama da Liberdade”, marcando o início da sua reimaginação, representando os Estados Unidos como um país acolhedor.
Foi um processo demorado, mas, com o tempo, tudo mudou — como escreveu o escritor nova-iorquino Paul Auster:
“A gigantesca efígie de Bartholdi foi concebida originalmente como monumento aos princípios do republicanismo internacional. Mas O Novo Colosso reinventou o propósito da estátua, transformando a Liberdade em uma mãe acolhedora, um símbolo de esperança para os marginalizados e oprimidos do mundo.”
O poema tornou-se um dos mais reproduzidos do mundo. Mas muitos lamentam que a realidade, em muitas ocasiões, não tenha estado à altura das palavras de Emma Lazarus.