A polêmica em torno da derrubada de estátuas de Cristóvão Colombo, generais e traficantes de escravos na América Latina
Marcia Carmo
Na semana passada, manifestantes colombianos usaram cordas para amarrar e derrubar a estátua de Cristovão Colombo em Barranquilla, na Colômbia. No ato, eles gritaram “Colombo, assassino” e ergueram a Wiphala, a bandeira dos povos indígenas que cada vez ganha mais espaço nas manifestações dos países da América Latina.
Em muitos lugares, estátuas do navegador e explorador genovês que liderou a expedição espanhola ao chamado Novo Mundo, em 1492, e de “outros” colonizadores, além de militares, perderam o encanto do passado e agora são alvos de indignação na região.
Em 2019, nas manifestações no Chile, a Wiphala e a bandeira Mapuche foram símbolos dos protestos que levaram à instauração da convenção constituinte que redigirá a primeira Carta Magna da democracia no país. Nas manifestações, estátua do general do Exército Manuel Baquedano (1823-1897) foi o ponto de concentração da insatisfação popular.
O monumento do militar e político chileno que participou das guerras do país, no século 19, foi retirado da praça, em março deste ano, para ser restaurado. A expectativa é que dificilmente será recolocado onde estava e também levava seu nome. A praça passou a ser identificada como ‘Plaza Dignidad’ (Praça Dignidade).
Hoje, vários países da região contam com iniciativas para retirar as figuras do período colonial e militar de seus pedestais públicos. O boliviano Sacha Llorenti, secretário-executivo da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América-Tratado de Comércio dos Povos (Alba-TCP), propôs, na semana passada, que as estátuas de Colombo e do também colonizador espanhol Alonso de Mendoza sejam retiradas de La Paz. A imagem de Alonso, como observou Llorenti, mostra o colonizador com espada e os indígenas em posição inferior.
O monumento de Colombo já tinha sido removido na Argentina. Quando era presidente, a atual vice-presidente Cristina Kirchner determinou, em 2013, que uma grua retirasse a estátua do pátio da Casa Rosada.
A imagem, que tinha sido presente da comunidade italiana em 1921 e que pesa mais de 600 quilos, agora está em uma pracinha de frente para o rio da Prata e de costas para a cidade de Buenos Aires. Muito menos visível do que nos jardins da Casa Rosada. Em seu lugar, foi erguida a estátua da militar de origem indígena e boliviana Juana Azurday (1780-1862).
O ato de Kirchner gerou forte polêmica no país na ocasião. Os que se opuseram à iniciativa acusaram a então presidente de tentar apagar a história. Já os favoráveis à retirada do monumento argumentaram se tratar de resgate da identidade.
Mas por que será que as estátuas de Colombo, de generais e colonizadores estão sendo derrubadas na América Latina?
A BBC News Brasil entrevistou historiadores, professores, analistas, ativistas deste movimento de varredura das estátuas e os argumentos foram díspares.
Falando de Caracas, na Venezuela, Sacha Llorenti, disse que as estátuas deveriam estar nos museus e não nas praças públicas. Segundo ele, nos museus, deveriam ser explicadas as consequências do colonialismo.
“Não defendo a retirada apenas de Colombo, mas dos conquistadores espanhóis. Devemos lembrar as consequências do colonialismo. Não é apagar a história, mas estas figuras não representam os valores das sociedades modernas. São sinônimos de exclusão, racismo e extermínio dos povos originários”, diz Llorenti.
Ele defende a ideia de que, em um país como a Bolívia, com maioria indígena, elas deveriam ser substituídas pelos que realmente simbolizam as raízes, lutas e trajetória bolivianas.
“Retirar as estátuas não resolverá os problemas, mas trata-se de um processo em que devemos insistir e o qual devemos defender para que exista uma democracia autêntica”, diz. Segundo ele, a Bolívia já iniciou este processo ao rever a história dos livros nas escolas.
Para Llorenti, que foi embaixador do país nas Nações Unidas e é próximo do ex-presidente Evo Morales, um dos erros é atribuir a Colombo a “descoberta da América”. “Ele não descobriu nada. Nossa região já existia”.
Constituinte chilena
Na opinião da atriz e fotógrafa chilena Susana Hidalgo, que tirou uma das fotos símbolos das manifestações no Chile, com a bandeira Mapuche em destaque, no caso do general Baquedano, o que houve foi mais do que a rejeição a uma estátua.
“Acho que surge uma reflexão nacional em torno de quem são os símbolos que, como monumentos, estão nos representando. O que está claro é que existe uma rejeição à toda representação militar e conquistadora. Hoje queremos imagens que nos representam, que nos incluam, que falem sobre a diversidade de um país”, diz Hidalgo.
Para ela, com o processo constitucional iniciado no país seria o momento de também se “debater os símbolos” que os representam.
Na sua visão, tanto o monumento a Baquedano como a constituição de 1980, da era do ditador Augusto Pinochet, “não representam” o Chile.
Com estes movimentos, a história, seus efeitos e simbolismos são motivos de debates na América Latina. O professor de Ciências Políticas da Universidade do Chile, Robert Funk, argumenta que existem ações de derrubada de estátuas que poderiam ser consideradas justas e injustas.
“Uma coisa é tirar estátuas de colonizadores que mataram indígenas. Mas existem outras que respondem ao lugar onde estão. No caso do general Baquedano, sua figura estava num lugar onde os manifestantes queriam marcar seu lugar geograficamente”, diz Funk.
Ele acha difícil que a estátua seja recolocada onde estava desde os anos 1920. Na sua opinião, as ideias e as morais mudam ao longo da história e a pergunta que deve ser feita, em sua visão, é como se constrói uma democracia “com regras que mudam”.
Para Funk, existem manifestantes que protestaram contra Baquedano, mas sem sequer conhecem a história do herói de guerra.
“Fúria iconoclasta”
O historiador argentino Hernán Confino lembra que a “fúria iconoclasta” não é novidade.
Ele recorda o Movimento Iconoclasta dos séculos 8 e 9 que pregava contra a adoração de ícones religiosos.
Confino argumenta que as estátuas e as datas históricas são como “vestígios do passado no presente”, uma das formas de construir a memória.
Mas como o presente muda as perguntas sobre o passado, o historiador propõe que as estátuas permaneçam onde estão, mas com explicações sobre o que e quem elas representam e com intervenções artísticas atuais.
“Não é suficiente tirar as estátuas que simbolizam opressão. Tirá-las não resolverá o racismo. Com isso não é suficiente. (para resolver os problemas da América Latina). Mas podemos intervir sobre nosso presente e que seja plural e que seja informado, explicando o que aconteceu”, defende.
Racismo e desigualdade
O professor Andrés Kozel, da Universidade Nacional San Martín (UNSAM), de Buenos Aires, observa que o movimento contrário aos símbolos do colonialismo começou no ‘quinto centenário’ da chegada de Colombo, no início dos anos 90. Desde então, tem crescido. Kozel diz que as reivindicações pelo reconhecimento da identidade dos indígenas e africanos são “justas”, e a derrubada de estátuas “compreensível”.
Mas ele ressalva: “Apesar de toda essa efervescência, a América Latina não está diminuindo sua desigualdade, seus níveis de violência e de discriminação, nem sua inserção subordinada na globalização. E isso levanta questões sobre os paradoxos desse processo”. O acadêmico questiona que novas formas políticas poderiam surgir.
“Algo mudou no Quinto Centenário com, por exemplo, a chegada de Evo à Presidência da Bolívia. E também a visibilidade dos mapuches. Mas a realidade de desigualdade latino-americana e tudo o que ela implica persistem”, assinala.