A redescoberta da árvore de cacau responsável pelo ‘Rolex dos chocolates’
Viajar para o cânion do rio Marañón, no norte do Peru, é como voltar no tempo. A paisagem montanhosa é repleta de casas de tijolos de barro. A eletricidade, que chegou a essa região há apenas três anos, está disponível apenas em algumas moradias, e o fornecimento de energia pode ser instável. Funciona só cinco dias por semana, e você nunca sabe quais cinco dias serão esses. Com poucas estradas pavimentadas, os moradores dessa região remota dependem de mulas e bicicletas para o transporte.
O fato de o cânion do rio Marañón ter permanecido relativamente intocado pelo homem foi uma bênção, uma vez que foi aqui que a árvore que produz uma das variedades de cacau mais raras do mundo floresceu.
Este cacaueiro é nativo da selva amazônica e tem a honra de ser a variedade mais antiga do fruto — sua existência remonta há pelo menos 5,3 mil anos. Entre os séculos 17 e 19, o chamado cacau puro nacional foi amplamente cultivado no Equador, onde suas cobiçadas vagens ajudaram a abastecer o então maior fornecedor de cacau do mundo.
Até que aconteceu uma tragédia: uma praga se espalhou pelas lavouras de cacau do Equador, dizimando a espécie, que era altamente vulnerável. Por meio do cruzamento com variedades mais fortes de cacaueiros, os agricultores conseguiram impedir a propagação da praga, mas as novas árvores fruto do cruzamento não eram capazes de produzir grãos com mesma qualidade do puro nacional.
No início do século 20, especialistas declararam extinta esta variedade de cacaueiro, e acreditava-se que seu delicioso fruto estivesse perdido para sempre.
Até recentemente.
Em 2007, dois americanos, Dan Pearson e seu enteado Brian Horsley, forneciam equipamentos e alimentos para empresas de mineração nos arredores do cânion do rio Marañón, perto da fronteira com o Equador, quando se depararam com uma árvore de aparência estranha, com vagens do tamanho de uma bola de futebol americano crescendo do seu tronco.
Intrigados, sem saber do que se tratava, eles enviaram várias amostras da espécie ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) em busca de uma resposta. Para surpresa de todos, as amostras eram de cacaueiro puro nacional.
Localizado entre os picos dos Andes, o rio Marañón (que por acaso é a cabeceira do rio Amazonas) esculpiu o cânion de mesmo nome, criando uma barreira natural que salvou um pequeno grupo de cacaueiros puro nacional da praga. Ninguém conseguia acreditar que aqueles dois homens haviam encontrado o cacau que há muito tempo dava-se como extinto.
“Quando eles ligaram com os resultados dos testes genéticos em mãos e perguntaram: ‘Você está sentado?’, eu sabia que havia encontrado algo especial”, conta Pearson.
Os cacaueiros são nativos da Floresta Amazônica, que se estende por grande parte do Peru moderno. Mas, diferentemente dos maias e astecas, que fermentavam, assavam e moíam o cacau para fazer uma bebida amarga usada em rituais religiosos, acredita-se que os incas, no Peru, não eram grandes consumidores do fruto.
Os missionários espanhóis do século 16 achavam a bebida maia asquerosa, mas quando adicionaram açúcar a ela, ao chegar na Espanha, o chocolate se tornou uma febre no mundo todo, fazendo nascer uma indústria global — que, nos séculos seguintes, seria dominada pelo chocolate produzido com o grão puro nacional.
Isso porque, enquanto a maioria das vagens de cacau contém apenas grãos roxos, o cacaueiro puro nacional também produz grãos brancos, conhecidos por seu sabor frutado e floral, sem ser amargo.
Por terem sobrevivido isoladamente por um século, os cacaueiros do cânion do rio Marañón desenvolveram uma mutação genética que os levou a produzir vagens com uma proporção significativamente maior de grãos brancos do que as árvores que haviam sido cultivadas no Equador séculos antes.
A (re)descoberta dessa espécie foi o começo da jornada de Pearson e Horsley no mundo do chocolate. O cacaueiro com que se deparam ainda permanece de pé na propriedade de um fazendeiro local chamado Don Fortunato.
Usando mudas do que agora chamam de “árvore mãe”, os dois fundaram a empresa Marañón Chocolate e começaram a multiplicar a população de cacaueiros puro nacional no cânion. Em parceria com agricultores locais como Fortunato, Pearson e Horsley aprenderam a cuidar das árvores no viveiro, além de fermentar e secar os preciosos grãos de cacau depois de colhidos.
Após terem dominado devidamente essas etapas, Pearson viajou para a Suíça com o objetivo de transformar os grãos do cacaueiro em um chocolate exclusivo por meio de um acordo com um renomado fabricante. Esse chocolatier, que Pearson prefere não citar o nome, havia sido recomendado por Franz Ziegler, chef de confeitaria aclamado mundialmente, e seu colega Paul Edwards, da Chef Rubber, empresa dedicada à culinária.
“Em nossos 50 anos somados trabalhando com chocolate, nunca provamos um sabor como este”, disseram Zeigler e Edwards em uma declaração conjunta em 2011, quando o chocolate foi apresentado no Instituto de Educação Culinária (ICE, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
“Tivemos que ver com nossos próprios olhos, então, viajamos para o Peru, conhecemos as famílias das fazendas, vimos as árvores, os grãos brancos, o teste genético e depois observamos o processamento pós-colheita que eles desenvolveram. Vimos o passado e o futuro do chocolate.”
Hoje, Pearson e Horsley continuam cultivando os cacaueiros e colhendo os grãos de acordo com a tradição local, um processo que os visitantes podem presenciar entre meados de janeiro e início de junho.
Durante a temporada de colheita, mais de 400 agricultores que fornecem grãos para a Marañón Chocolate se levantam ao amanhecer para tirar manualmente as vagens das árvores, usando longas varas de bambu com lâminas curvas nas pontas.
As vagens são mantidas fechadas até Pearson ou Horsley chegarem para inspecioná-las e garantir que contenham a proporção correta de grãos brancos. Os grãos são então extraídos à mão, e eles compram na mesma hora dos agricultores, pagando um valor quase 50% acima do preço de mercado local para apoiá-los.
Os grãos colhidos são transportados até a unidade de processamento da Marañón Chocolate, a poucos quilômetros das fazendas, primeiro por burros e depois por motocicletas. Eles são secos e fermentados antes de serem enviados para o fabricante de chocolate na Suíça.
Lá, os grãos são processados mais uma vez em uma antiga máquina de conchagem (que permite misturar e arejar o chocolate líquido) de 1879 para produzir o produto final: Fortunato Nº 4. O produto, que tem a assinatura da Marañón Chocolate, recebeu esse nome em homenagem ao fazendeiro Don Fortunato, e porque foi a quarta amostra genética enviada para teste que foi confirmada como sendo do lendário cacau.
Especialistas em chocolate do mundo todo elogiaram o Fortunato Nº 4 por seu sabor encorpado, textura suave e por não amargar. O chef de confeitaria suíço Roger Von Rotz o descreveu como “o Rolex dos chocolates”, enquanto o chef peruano Gastón Acurio declarou: “Acabei de experimentar o melhor chocolate que já comi em toda a minha vida”.
A venda do Fortunato Nº 4 é limitada a fabricantes de chocolate finos, que o transformam em criações voltadas ao consumidor e disponibilizam para venda na internet ou em lojas físicas locais.
Você pode comprar o chocolate fabricado com cacau puro nacional a partir de fornecedores como Moonstruck Chocolate Company, nos Estados Unidos, House of Anvers, na Austrália, e Solkiki Chocolatemaker, no Reino Unido.
Ser o berço do chocolate mais raro do mundo enche de orgulho a comunidade do cânion do rio Marañón. Graças aos grãos de cacau exclusivos, sua importância cresceu internacionalmente, sobretudo após o reconhecimento de chocolatiers de renome mundial.
Don Fortunato, que cobra royalties pelas vendas do Fortunato Nº 4, é um homem feliz. Isso me ajudou financeiramente e me tornou famoso”, diz ele com um sorriso orgulhoso no rosto.
Até hoje, ele cuida do cacaueiro puro nacional em sua propriedade, vigiando a “mãe” do chocolate que renasceu das cinzas.