A saga de Henrietta Wood, que processou o homem que a forçou à escravidão – e venceu
A afro-americana já havia recebido sua alforria quando foi escravizada novamente, e não estava disposta a aceitar aquela situação calada
Apesar de viver em meio à realidade altamente preconceituosa dos Estados Unidos do século 19, Henrietta Wood nunca deixou de perseguir o que acreditava ser seu por direito. Ela passou pela escravidão mais de uma vez: nasceu escravizada, recebeu sua alforria, e então foi novamente escravizada após um sequestro.
Determinada, porém, Henrietta não desistiu de lutar até conseguir ser uma mulher livre novamente. Foi além: abriu um processo contra o homem que a sequestrou e pediu uma indenização à altura.
A trajetória inspiradora de Wood foi redescoberta décadas depois por David Blackman, seu tataraneto, que um dia descobriu os documentos legais de sua antepassada em meio aos pertences de sua mãe recém-falecida. O caso foi relatado em uma reportagem recente do The Washington Post.
Vida de luta
Henrietta nasceu em uma fazenda no estado de Kentucky. Seu primeiro proprietário faleceu quando ela era adolescente, de forma que a afro-americana passou para as mãos de um comerciante chamado Henry Forsyth, que a agredia frequentemente.
Após alguns anos sendo obrigada a aguentar o abuso, a escravizada foi vendida novamente, indo parar com a família que seria responsável por conceder a sua alforria, os Cirode. O documento foi assinado pela esposa, Jane Cirode, que fugiu para outra cidade provavelmente para não precisar pagar as dívidas do marido.
A partir de então, a afro-americana passou a exercer a função de empregada doméstica, ganhando seus primeiros salários. De acordo com a própria Wood, que falaria a respeito de sua trajetória durante o tribunal em que pediria a indenização, aquele período da sua vida podia ser caracterizado pelo “doce sabor da liberdade”.
Infelizmente, a vida de mulher livre foi interrompida abruptamente cinco anos mais tarde por um sequestro que tinha o objetivo de forçá-la à escravidão novamente. Os coordenadores do rapto foram parentes de sua antiga proprietária: a filha e o genro de Jane Cirode, que não aprovaram a decisão da senhora de libertar a escravizada.
Era o ano de 1853, e na época não era incomum que escravizados alforriados sofressem esses sequestros, uma vez que apenas alguns estados norte-americanos tinham abolido a escravidão, enquanto em outros a prática desumana ainda era constitucionalizada.
Henrietta foi raptada por três homens, com o chefe do grupo sendo o vice-xerife Zebulon Ward. Posteriormente, inclusive, ele diria em tribunal que a afro-americana já estava escravizada quando ele a comprou.
Processo judicial
Henrietta procurou o tribunal para conseguir se livrar de sua situação injusta. Foi apenas em 1870 que a afro-americana conseguiu entrar com uma ação contra Zebulon Ward, um dos principais responsáveis pela sua captura. Em 1879, ela venceu o processo, 26 anos depois de seu rapto.
“Eu semeei o algodão, capinei o algodão e colhi o algodão. Eu trabalhei sob os supervisores mais cruéis e fui açoitado e açoitado até que pensei que deveria morrer”, comentou a mulher a respeito dessa segunda época de escravidão, segundo repercutido pelo The Washington Post.
Inicialmente, Wood pediu 20 mil dólares de Ward, todavia, após uma série de percalços, incluindo o assassinato de seu advogado, recebeu 2,5 mil. Embora muito menor que o pedido inicial, o dinheiro ajudou a recomeçar sua vida.
Vale dizer ainda que o filho da afro-americana, chamado Arthur Simms, tornou-se um dos primeiros negros a formarem-se pela Northwestern University, uma faculdade de direito estadunidense.