A tragédia e a desconfiança

Opinião

As tragédias provocadas pelo clima não acontecem de hoje no Brasil, mas se agravaram bastante nos últimos anos. A que se abate no Rio Grande do Sul é de torar o coração pelo meio. A chuva é um dos milagres da natureza, mas quando exagerada, sem controle, causa estragos insuportáveis, deixa muita gente desabrigada e, o pior, tira a vida dos que moram mais próximos aos rios.

No Rio Grande do Sul, muitos não sabem onde vão dormir nem hoje nem nos dias seguintes; não sabem o que vão comer nem o que farão pela frente. Apenas uma certeza: ao bater o cadeado de sua casa em estado de desabamento, ao abandoná-la, quem assim o fez não está saindo para uma viagem de férias, mas para uma viagem sem volta à casa que foi o seu lar.

Para muitos, em especial crianças que não estão, ainda, conscientes da dimensão do desastre natural que as deixou desamparadas, a mudança é como uma de sessão de terror da tarde na TV. O presidente Lula prometeu ajudar o RS sem burocracia. A dinheirama é uma montanha, mais de R$ 4 bilhões. A sensação é a de que o Estado foi, literalmente, destruído, vítima de um furacão e que precisa ser reconstruído.

E é aí onde mora o perigo, onde está o X da questão. Fiquei com os dois pés atrás, ontem, ao ler as declarações do presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski. Embora solidário com a dor das milhares de famílias gaúchas, ele colocou uma dúvida: será que o Governo Federal vai ajudar mesmo, para valer, ou está apenas blefando diante da pressão da mídia ante o terror das águas?

“Infelizmente, ao longo dos últimos anos, são inúmeros os municípios que foram impactados por desastres e nunca conseguiram se reconstruir por falta de apoio financeiro. De 2013 a 2023, 94% dos municípios registraram ao menos um decreto de anormalidade em decorrência de desastres”, afirmou o dirigente da instituição.

Segundo ele, só entre os dias 29 abril e 5 de maio, as tempestades que assolam o Rio Grande do Sul já causaram mais de R$ 559,8 milhões em prejuízos financeiros. “Esse montante, porém, se refere apenas aos danos já levantados e disponibilizados por 19 municípios dentre os 170 que registraram seus decretos no sistema de Defesa Civil nacional”, destacou.

Ziulkoski tem razão no que diz. O ciclone que atingiu o Rio Grande em setembro do ano passado levou à morte de 51 pessoas e causou mais de R$ 3 bilhões em prejuízos financeiros. Desse total, segundo ele, o governo federal prometeu o montante de R$ 741 milhões, mas repassou apenas R$ 81 milhões, o que representa 11% em relação ao prometido, sendo que parte desse recurso ainda se refere a repasses indiretos.

Governo farrapa – Para o presidente da CNM, as ações de resposta durante o desastre e as obras de recuperação de um município após o desastre requer apoio federal imediato e que atenda às demandas da população. Para evidenciar a dimensão dos prejuízos municipais e comparar com os valores pagos pela União para os 117 municípios do Rio Grande do Sul de setembro de 2023 até final de abril, a CNM destaca que o valor efetivamente repassado não seria suficiente para recuperar os danos causados, por exemplo, apenas no município de Muçum em relação ao desastre de 2023.

A ajuda que não veio – Com apenas cinco mil habitantes, o orçamento municipal de Muçum para executar todos os serviços locais é de R$ 32 milhões. “No entanto, apenas em setembro de 2023, o prejuízo foi estimado em R$ 231 milhões. Os cidadãos dos municípios afetados estão cansados de receber visitas de autoridades federais e estaduais, prometendo apoio e recursos, como agora se realiza, mas sem ver efetivadas ações concretas de reconstrução e prevenção de novos desastres”, disse Ziulkoski.

Não pagou nem a metade – Em 2023, segundo a CNM, os desastres afetaram 37,3 milhões de pessoas em todo Brasil, sendo 258 mortos, 126.345 desabrigados e 717.934 desalojados. Além disso, os desastres causaram R$ 105,4 bilhões de prejuízos no País. Neste mesmo ano, o governo federal autorizou R$ 1,4 bilhão para ser investido em gestão de riscos e desastres aos municípios para ações de proteção e Defesa Civil, porém, só pagou R$ 545 milhões, correspondendo a 39% do valor autorizado.

Prorrogação de prazos – “A CNM está articulando diretamente com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil no sentido de requerer o reconhecimento federal em rito sumário (imediato) de todos os decretos municipais de situação de emergência e ou estado de calamidade pública, além de solicitar a prorrogação de prazos, a exemplo de prestação de contas, aos Municípios afetados”, acrescentou Ziulkoski.

Bandidos tiram proveito – A polícia do Rio Grande do Sul registrou furtos e assaltos a mão armada em bairros da capital atingidos pelas chuvas e enchentes. Segundo relatos, os assaltantes estão usando motos aquáticas e se aproveitam da escuridão da cidade, que teve o fornecimento de energia elétrica suspenso. No domingo passado, dois homens tentaram assaltar um barco de resgate que estava com desabrigados, em Canoas. Porém, dentro do barco havia dois policiais, que prenderam os assaltantes. As informações são da coluna True Crime, do jornalista Ulisses Campbell, de O Globo.

Por: Magno Martins

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