A trágica vida de Sayyida Salme, a princesa rebelde de Zanzibar
Uma dentre os 36 filhos do sultão de Zanzibar, na Tanzânia, Sayyida Salme cresceu tendo tudo, menos liberdade.
Mas, aos 22 anos, a princesa ficou grávida de um comerciante alemão fora do casamento, e a situação gerou um escândalo que a levou a fugir do país por medo de ser morta.
Sua história trágica a inspirou a escrever um livro, mas a história continuou pouco conhecida.
“Salme quebrou a tradição de educação das mulheres ao aprender a ler e escrever sozinha” diz à BBC Said el-gheithy, fundador e gerente do Museu Princesa Salme, em Zanzibar.
Ela é frequentemente creditamente como sendo a primeira mulher do leste africano a escrever um livro autobiográfico.
Poliglota, ela falava suaíli, arábe, turco e alemão.
“Mesmo na Alemanha, para onde ela acabou fugindo, desafiava a percepção das pessoas sobre a África e o Oriente”, afirma Gheithy. “Ela foi uma pioneira em termos de análises interculturais, e foi a primeira mulher a escrever suas observações sobre o modo de vida na Alemanha e no Zanzibar.”
“Ela era especialmente preocupada com o sofrimento de crianças pequenas com frio e fome na Europa, que ela trabalhou para combater.”
A vida do Zanzibar
Nascida em 1844 no Zanzibar, um arquipélago no oceano Índico que hoje é parte da Tanzânia, Sayyida Salme era filha do sultão Said Ibn Sultan Al Bu-Said e de uma das mulheres de seu harém.
Rebelde desde pequena, escrevia as letras do alfabeto arábe em ossos de camelo para aprender a escrever.
Seu irmão mais velho, Majid, herdou o trono depois da morte do pai em 1856, mas ele foi desafiado por outro filho do sultão, Barghash.
Como a maioria dos irmãos, Salme ficou do lado de Barghash e se tornou sua secretária. Aos 15 anos, escrevia cartas para líderes locais que decidiram seguir seu irmão rebelde.
Mas a insurreição de Barghash foi esmagada rapidamente, e Salme acabou se entregando e perdendo o apoio da maioria dos irmãos.
Fazendo amizade com europeus
Abandonada pelos irmãos e sentindo-se cada vez mais sozinha, começou a se aproximar de estrangeiros. A casa onde passou a morar era próxima a do jovem comerciante alemão Rudolph Heinrich Ruete.
Em pouco tempo, os dois se apaixonaram.
“O caso amoroso dos dois escandalizou tanto a família real quanto a companhia estrangeira de comércio no Zanzibar”, diz El Gheithy, do Museu Princesa Salme.
O casal acabou saindo da cidade, mas suas movimentações eram informadas ao sultão por empresas alemãs.
Fugindo do país
Quando o sultão Majid ouviu sobre os rumores envolvendo sua irmã, decidiu deixar seu carrasco de prontidão. Acalmado pela madrasta, ele ordenou então que Salme viajasse para a Arábia Saudita – sua gravidez já era visível.
“Ela era uma garota esperta. Havia ouvido histórias sobre mulheres em situações como a dela, que eram enviadas em viagens do tipo e acabavam no fundo do mar”, diz El-Gheity.
A jovem então fugiu para o Iêmen, onde deu à luz ao filho, que morreu logo depois.
Salme só juntaria ao amante alemão meses depois, quando se mudaram para a Alemanha e tiveram três filhos. Ao chegar ao país, mudou seu nome para Emily Ruete.
Logo enfrentaria uma nova tragédia: a morte de Rudolph em um acidente de bonde.
A garota então se viu sozinha e sem dinheiro com três crianças pequenas em um país estranho. Foi aí que escreveu sua autobiografia.
Ela morreu aos 80 anos, em 1924, e foi enterrada com uma pequena bolsa com areia de uma praia do Zanzibar, que ela sempre carregava consigo.
Descendentes americanos
“Eu fui à praia onde a princesa Salme foi vista pela última vez quando deixou o Zanzibar”, diz à BBC Michael Bauer Ruete, tataraneto de Salme. “Eu peguei uma garrafa e enchi com areia da praia.”
Hoje xerife aposentado, Michael mora na Flórida, nos EUA, com sua mulher e filhos.
A avó de Michael, Olga Ruete, era neta de Salme.
“Eu não sabia muito sobre a história de nossa família”, diz ele. “Minha avó sempre manteve tudo em segredo, mas depois que ela morreu eu descobri uma série de itens do Zanzibar, documentos sobre a família real, fotos antigas, baús cheios de coisas que eu nunca tinha visto.”
“Há alguns anos, eu soube sobre nosso parentes no Zanzibar. Nós fomos para a Inglaterra para encontrá-los, incluindo o último sultão do Zanzibar, Jamshid Khalifa”, conta Michael.
“Apesar de sua vida não ter sido fácil, Sayyida Salme é lembrada até hoje por causa de sua forte personalidade e as decisões difíceis e sacrifícios que teve que fazer”, diz seu descendente.