A volta de 007

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Só faltou a famosa música-tema composta por Monty Norman para emoldurar a festa: diante do luxuoso hotel Dorchester, em Londres, o escritor William Boyd foi recepcionado na quarta-feira por sete aeromoças da British Airways que, diante de um comboio de antigos carros esportivos Jensen, portavam uma maleta transparente tipo 007, que exibia o conteúdo: o livro Solo, escrito por Boyd e que será lançado mundialmente hoje – no Brasil, sai pela Alfaguara.

Trata-se de uma inédita aventura de James Bond, o agente secreto mais conhecido do mundo, criado por Ian Fleming (1908-1964) e imortalizado na tela de cinema por uma fila de atores famosos, de Sean Connery a Daniel Craig. Nenhum dos detalhes era fortuito: é no hotel Dorchester que se inicia Solo, com Bond se recuperando da festa de seu 45.º aniversário. E o número de maletas indica a quantidade de cidades para as quais aqueles primeiros exemplares seriam enviados, localidades que possuem vínculo com Bond ou Boyd: Edimburgo, Amsterdã, Zurique, Nova Délhi, Los Angeles, Cidade do Cabo e Sydney.

“Foi uma tarefa arriscada, mas que me deu muito prazer em enfrentar”, disse Boyd ao Estado, em conversa por telefone. “Sou fã de James Bond desde adolescente, quando meu pai me apresentou aos livros de Ian Fleming.” Essa devoção facilitou aceitar o convite (“Respondi na hora”) como também manter uma fidelidade ao estilo de Fleming.

Boyd pertence agora ao seleto grupo de escritores convidados pelos detentores autorais da obra de Fleming. Mas, enquanto seus antecessores – Sebastian Faulks, que escreveu A Essência do Mal (Record) em 2008, e Jeffery Deaver, que publicou Carte Blanche em 2011 – seguiram a mesma linhas dos filmes e ambientaram suas histórias no presente, Boyd posicionou James Bond em 1969.

Ele explica: “Fleming escreveu 12 aventuras de Bond, entre 1953 e 1964, quando morreu. Um romance por ano. Reli todos os livros em ordem cronológica. Assim, percebi que James Bond é um homem daquela época, anos 1950 e 1960. E isso deveria ser respeitado”, argumenta. “Portanto, ao escrever uma nova aventura sobre o agente da rainha, eu jamais poderia incluir telefone celular, GPS e outras modernidades tecnológicas que marcam os filmes atuais – logicamente são interessantes, mas cada vez mais distantes do universo criado por Fleming, marcado pela Guerra Fria e suas implicações. Daí eu ter escolhido o ano de 1969, quando a sociedade estava mudando, o que afeta o comportamento do agente. É importante lembrar que hoje, quando se pensa em James Bond, os filmes é que são lembrados, não os livros de Fleming. Assim, retornar à literatura implica uma nova descoberta pois, se pensarmos em Daniel Craig em Skyfall, não temos ali o Bond criado por Fleming, mas uma variação atualizada do personagem, 50 anos depois.”

Feita a introdução, é possível degustar com mais facilidade a trama de Solo que, no Brasil, foi traduzido por Cássio de Arantes Leite. Como já foi dito, o romance começa com Bond curtindo uma ressaca da festa de seus 45 anos, em Londres. Apesar de marcado pelas incertezas de quem está atingindo a meia-idade, ele logo parte para a ação, enviado a uma missão em Zanzarim, fictício país africano degredado pela guerra civil e que faz lembrar a Nigéria dos anos 1960. De lá, Bond segue para Washington, onde finaliza seu trabalho.

A escolha da África não é fortuita: Boyd nasceu em Gana e passou parte de sua juventude no continente, o que lhe torna o ambiente familiar. “Eu sabia que estaria aprisionado a certas condições, pois trabalharia com alguns personagens já existentes e muito bem definidos, como M e sua secretária, a senhorita Moneypenny, assim como Felix Leiter, amigo de Bond que trabalha na CIA. Mas descobri também que há liberdade para criar outros que interagem com aqueles. Assim, posso dizer que Solo tem 15% de material de Fleming e 85% meus.”

Também diferentemente do agente secreto apresentado no cinema, o Bond do romance revela-se um homem maduro, experiente, mas sentindo as limitações físicas. “Ele já viveu bastante e não consegue mais correr tão rápido como quando tinha 25 anos. Ao mesmo tempo, tornou-se mais observador e percebe que os tempos mudaram. Isso me possibilitou mostrar seu lado mais sombrio, gostos e desgostos, seus complexos – ele se revela um homem mais perturbado e, por isso, chora com mais frequência.”

Boyd se apressa, porém, em não decepcionar o leitor com uma imagem tão fragilizada de um herói cujas façanhas fariam inveja ao Super-homem. Em Solo, estão presentes mulheres sexy, a boa comida e a conhecida predileção de Bond por uísque – ainda que Boyd ouse ao incluir, na trama, sua receita particular para um martini seco.

O escritor inglês também não abomina as versões cinematográficas de 007, ainda que seja mais fiel aos primeiros filmes. “Como roteirista, já trabalhei Daniel Craig, Percy Brosnan e Sean Connery e tenho de confessar que prefiro o agente interpretado por Connery, especialmente por ser o mais fiel ao original criado por Fleming.”

Como o famoso ator escocês, aos 83 anos, já não tem mais condições de interpretar o agente da rainha, Boyd não esconde que, em Solo, James Bond tem o perfil de Daniel Day-Lewis. Segundo o escritor, Fleming certa vez descreveu seu personagem como semelhante ao cantor e compositor americano Hoagy Carmichael. “E Day-Lewis me faz lembrar Carmichael. Então…”, brincou o escritor, em entrevista à agência de notícias AP. (Estadão)

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