Os brasileiros consomem mais agrotóxicos a cada ano. De acordo com o dossiê anual da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em 2014 cada habitante ingeriu sete litros, em média – dois litros a mais que em 2013. Segundo especialistas, os produtores rurais se aproveitam da fiscalização insuficiente e utilizam o produto de forma descontrolada. A pedido do Diario, o laboratório de agrotóxicos e contaminantes do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) analisou duas amostras do alimento mais contaminado em 2014, de acordo com as pesquisas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – o pimentão. Os resultados foram preocupantes.
Dez pimentões foram coletados em uma barraca na feira livre do Cordeiro, e outros 10 em uma loja de frutas e verduras. Ambos apresentaram substâncias perigosas à saúde.
Nos pimentões da feira, foram encontrados quatro agrotóxicos proibidos pela Anvisa. Nos da frutaria, sete. As substâncias podem causar de dor de cabeça a câncer. Cliente da loja, Nicolle Torres, 43, ficou surpresa com o resultado. “E agora? Vou ter que plantar minhas verduras em casa?.”
A Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro), órgão estadual responsável por fiscalizar a venda, aplicação e transporte, conta com 68 fiscais para monitorar todo o estado, e oito para o Recife.
Por limitações financeiras, o órgão analisa apenas 15 amostras mensais de 12 alimentos diferentes recolhidos na Ceasa. A análise de cada amostra tem custo médio de R$ 250. Em caso de violações, o produtor é rastreado e multado em até R$ 5 mil. Caso não pague ou não se adeque, sua plantação pode ser destruída. Este ano, foram oito produtores autuados até maio. A Adagro avaliou que o repolho é o alimento produzido em Pernambuco com mais contaminação – com 60% das amostras.
Registros
Segundo o DataSus, 34.147 intoxicações por agrotóxicos foram registradas de 2007 a 2014 no país. É comum, no entanto, que as doenças não ocorram a curto prazo, o que dificulta a associação entre causa e sintomas. São facilmente detectáveis apenas intoxicações nas lavouras. A Organização Mundial de Saúde estima que, para caso notificado, haja 50 ignorados.
Para a doutora em clínica médica e uma das autoras do dossiê, outra causa de subnotificação é a falta de capacitação dos médicos. “Não há disciplina de toxicologia nas faculdades. Nas consultas os pacientes não são perguntados sobre o assunto. Dessa forma, não há como descobrir a razão do sintoma”, avaliou.
Fórmulas caseiras e perigosas
Em Pernambuco, os agrotóxicos são intensamente usados em culturas como café, soja, milho e cana-de-açúcar, além de horticulturas e estufas. A venda clandestina, um trabalho ilegal “de formiguinha”, é apontado como um grande complicador do combate a essa ameaça à saúde dos brasileiros.
Com os pequenos produtores, o problema é que eles muitas vezes inventam as fórmulas de seus agrotóxicos e exageram na quantidade. Já os grandes plantadores têm a tendência de utilizar defensivos padrão, segundo explica a doutora em clínica médica e uma das autoras do dossiê Abrasco, Lia Giraldo.
Para ser autorizado a vender agrotóxicos, é preciso preencher diversos requisitos da Adagro, que estão sempre em atualização. Atualmente, 222 estabelecimentos têm registro e são fiscalizados trimestralmente.
O grande desafio, no entanto, são os informais que comercializam o produto ilegalmentem sobretudo em armazéns de construção e lojas de piscinas. “Em 2015 foram apreendidas oito toneladas de substâncias vendidas dessa forma, metade na região de Sairé”, contou o chefe de inspeção vegetal do órgão, Sílvio Valença. Esse tipo de agrotóxico não consta em pesquisas como a da Abrasco, que calcula a quantidade consumida pelo brasileiro anualmente.
Ôrganicos, a única alternativa
Vistos como alternativa para fugir dos perigos dos agrotóxicos, os alimentos orgânicos não são fiscalizados nas feiras especializadas. A Adagro contrata o Itep para analisar alimentos de vendedores que são denunciados. Os que descumprem as regras podem ser expulsos das feiras quando descobertos. No Recife, há cerca de 20 feiras, com dias e horários variados.
Com base nas análises, a Adagro afirma que 82% dos produtos vendidos nas feiras orgânicas e que foram alvos de denúncias não apresentavam violações, o que, para a Adagro, coloca esses itens em um patamar mais seguro.
A empresária Ana Beatriz de Lima, 56, frequenta quase semanalmente a feira do Rosarinho, que funciona às quintas-feiras. Desde 1992, quando teve problemas hormonais, Ana procura por alimentos sem agrotóxicos no cardápio. “Compro tudo que preciso e estoco. Lavo da maneira correta, na água com bicarbonato.” Normalmente os orgânicos são mais caros e menores. Os produtores precisam respeitar os períodos de colheita, sem apressá-las com as substâncias tóxicas.
Certificações
Boa parte das análises de agrotóxicos de todo o país vem sendo realizada no Itep. O órgão faz testes a pedido da Anvisa, dos ministérios públicos estaduais e das vigilâncias sanitárias. Exportadores também contratam o Instituto para obter certificados que permitam a entrada de seus produtos em outros países. Anualmente, são cerca de oito mil procedimentos realizados pelo instituto. Ainda assim, o esforço não é suficiente para deter as violações.
“Os consumidores precisam enxergar as certificações de regularidade de frutas e verduras como um valor agregado ao produto e exigi-las nos pontos de compra. Isso faria com que as lojas os exigissem e a fiscalização seria mais valorizada, teria mais investimentos. Poderia-se fazer um trabalho mais completo”, sugeriu a doutora em saúde coletiva Adélia Araújo, diretora do Labtox.
Para ela, a maioria dos produtores também não compreende as certificações como uma forma de agregar valor às mercadorias. “Um produtor de mamões da Paraíba foi denunciado e nos contratou para investigar suas violações. Depois que regularizou a utilização dos agrotóxicos, começou a exportar as frutas e aumentou muito o negócio. No exterior, os alimentos só entram com certificação”, explica.