Aluna da Ufba faz rifa para se manter em curso, mas perde dinheiro em golpe

Carolina Cerqueira
Batalhadora, Erica quer seguir nos estudos para poder se formarBatalhadora, Erica quer seguir nos estudos para poder se formar (Foto: Ana Lúcia Albuquerque/ CORREIO)

Erica estuda Medicina e usaria dinheiro para se manter em Salvador; agora, organiza uma vaquinha

Erica Maria Silva, 30 anos, entrou para a lista de vítimas do golpe do aluguel sofrido por estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e noticiado pelo CORREIO. O valor que perdeu, R$700, estava no montante que juntou de uma rifa feita, justamente, para conseguir se manter em Salvador e continuar o curso de Medicina. Ela é filha de mãe solo que trabalha como diarista, nasceu em Garanhuns, no agreste de Pernambuco, e estudou por 4 anos até, finalmente, conseguir a aprovação para o curso que sempre sonhou.

Ela foi aprovada na terceira chamada do Sisu de 2019.2. Chegou em Salvador no dia 14 de agosto e descobriu que a seleção para receber auxílio moradia pela Ufba ou conseguir uma vaga na residência universitária foi encerrada no dia anterior. Durante o semestre, se manteve com o valor da rescisão que recebeu do último emprego. Logo depois veio a pandemia, e as bolsas não foram mais ofertadas. Ela passou a contar apenas com os R$ 250 do auxílio permanência. Sem conseguir se manter, voltou para Pernambuco.

Ainda não foi divulgado edital para o auxílio moradia. Por isso, veio a ideia da rifa para conseguir, ao menos, três meses de aluguel e mais uma quantia para transporte e alimentação. “Mas mesmo assim é incerteza porque, com os cortes, a gente não sabe se vai ter auxílio moradia. E na residência nem sempre tem vaga para todo mundo”, coloca a estudante.

Ela diz que, se não fosse o golpe, teria alcançado a meta. Agora, para alcançar o valor desejado, Erica abriu uma vaquinha. Quem quiser e puder pode contribuir com qualquer valor através do Pix [email protected]. O telefone para contato da estudante é (84) 98143-3789.

O golpe
O golpe de que ela foi vítima se baseia no anúncio de um quarto em um apartamento no bairro da Graça, somente para mulheres, através da plataforma OLX. A pessoa que aplica o golpe leva a conversa para o aplicativo WhatsApp, cobra o valor do aluguel adiantado para garantir a vaga, recebe o dinheiro e some. Ao menos seis alunas da Ufba já foram vítimas do golpe e perderam valores entre R$ 250 e R$ 1.500.

A golpista não teve compaixão de Erica, que contou da rifa, dividiu suas dificuldades, mas a criminosa não se importou. “Eu fiquei realmente muito mal porque tem amigos meus e professores me ajudando. Senti muita vergonha de ter caído no golpe. Eu perdi R$ 500 e depois R$ 200. A minha mãe nem sabe desses R$ 200 porque eu fiquei com vergonha de contar”, desabafa.

Para Erica, a golpista se apresentou como Duda, uma enfermeira e disse que o apartamento ficava no Edifício Presidente, na Rua Euclides da Cunha, na Graça. Duda pediu pagamento adiantado e, Erica, sem ter como ver o apartamento por estar em Pernambuco, pagou.

“Eu sempre alugo quarto porque não tenho como pegar um apartamento sozinha. E das outras vezes eu paguei esse adiantamento e não tive problema. Eu me surpreendo por não ter percebido. Eu estava tão desesperada para alugar um quarto que não reparei que o valor estava muito barato porque o prédio era muito bom e o condomínio seria caro”, diz.

A luta por uma vaga
Erica estudou durante a vida toda em escola pública, aprendeu a ler antes dos 5 anos, pulou série e sempre foi boa aluna. Hoje, é a primeira da família a colocar os pés em uma universidade. “Minha avó não sabia ler nem escrever. Ela foi trabalhar como doméstica com 9 anos, e o patrão a engravidou quando ela tinha 13. Ela sempre me dizia: ‘Estude para ajudar sua mãe’. Aquilo virou um mantra para mim. Sou eu que vou para a faculdade, mas não é só por mim, é por toda a minha família”, destaca.

Ao concluir o Ensino Médio, Erica foi trabalhar como assistente de eletroencefalograma para um médico neurologista, patrão da mãe dela. “Foi aí que eu tive contato com a medicina e quis ser médica, mas para mim era algo tão distante que eu não dei muita bola para essa vontade. Na minha cidade nem existia o curso de Medicina”. Ela só começou a perseguir o sonho a partir do incentivo de um cunhado, que tinha acabado de se formar em Medicina.

A doença da avó (radiculomielite), que teve início em 2014, também contribuiu para o sonho. “Eu via o atendimento que minha avó tinha no hospital e aquilo me indignava, até diagnóstico errado ela teve. Eles não ligam muito para o paciente. Eu que corria atrás, ficava de olho. Eu aprendi a trocar fralda, dar banho, até fazia isso para as outras pacientes da ala porque, se fosse esperar pela enfermeira, minha avó ia ficar lá mofando. O meu desejo é proporcionar um atendimento melhor, com mais atenção do que o que minha avó teve”, afirma.

A partir daí, Erica passou pelo curso de Engenharia de Alimentos, em Pernambuco, e pelo curso de Engenharia Química, no Rio Grande do Norte. Vendeu bijuteria, deu aulas particulares, foi professora de Química, trabalhou como atendente de telemarketing. Tudo isso enquanto estudava para o Enem com a ajuda de cursinhos que conseguiu através de bolsa. “Eu saía de casa às 5h30 e chegava às 20h30. Ia fazer as coisas da casa, fazer comida e depois ia estudar, então eu ia dormir 2h, 3h da manhã”, conta. A rotina pesada a levou à ansiedade e depressão.

Aprovação
No segundo semestre de 2019, finalmente veio a tão sonhada aprovação. Mas as dificuldades não tiveram fim. Agora, indo para o quarto semestre, Erica tenta uma vaga para uma bolsa de pesquisa.

“O critério é o rendimento no curso. Eu tenho um rendimento bom, mas nunca vou ter um rendimento igual ao de pessoas que não precisam se preocupar com o que vão comer e como vão pagar as contas, por mais que eu me esforce. Além do meu esforço no curso existe o meu esforço na vida, mas, infelizmente, isso não conta na hora de conseguir a bolsa de pesquisa. Me sinto constantemente nadando contra a corrente, sem direito a descanso”, desabafa a estudante.

Erica diz que a maioria dos seus colegas tem boas condições. “São filhos de militares, filhos de médicos, de engenheiros. Lá eu tiro uns 10% que têm menos condição, uns dois que estão numa situação parecida com a minha. Fora que ainda é um curso de brancos. De 80 alunos na turma você tira uns 10 que são negros, mesmo isso sendo em Salvador, a cidade mais negra do país”, destaca.

A estudante afirma presenciar, diariamente, o preconceito contra os alunos cotistas, que é o seu caso. “Um professor já disse na sala de aula que ‘antigamente Medicina era coisa para quem realmente merecia e hoje em dia qualquer um é médico’. Eu já peguei um Uber vestida com a camisa do curso de Medicina, parei na porta da faculdade e o motorista perguntou se eu fazia Enfermagem. As pessoas duvidam o tempo todo da capacidade dos cotistas, é muito preconceito”, lamenta Erica.

Fonte: Correio

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