Por O Globo – O show que o cantor e compositor Johnny Hooker faria neste sábado (9) no Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói, pelo Festival ID:Rio 2024, foi cancelado pela prefeitura do município. A medida foi publicada em Diário Oficial na terça-feira (5) e surpreendeu a organização do evento, que chega à cidade nesta sexta-feira (8), com apresentação de Fernanda Abreu, às 19h. No domingo (10), é a vez de Toni Garrido, no mesmo horário, encerrando a programação no território niteroiense.
“Conforme decisão das autoridades locais e publicado no Diário Oficial nesta quarta-feira (7), foi com surpresa que o Festival ID:Rio ficou a par do cancelamento do show que o cantor Johnny Hooker faria no sábado (9). Como evento, nos coube buscar o diálogo com a gestão pública para compreender os motivos de tal atitude e, dessa forma, acatar a decisão tomada. O ID:Rio reafirma seu compromisso com a pluralidade, a liberdade de expressão e a energia criativa que move o estado do Rio de Janeiro e que é tão característico de seu povo”, disse, em nota, a organização do evento.
Questionada sobre o que motivou o cancelamento, a prefeitura de Niterói ainda não se pronunciou.
Cancelado outra vez
Em setembro do ano passado, Hooker também teve um show que faria em Boa Vista, em Roraima, cancelado pelo prefeito da cidade, Arthur Henrique (MDB). A decisão foi tomada após a repercussão de um vídeo em que o cantor dizia que Jesus é travesti, bicha e transexual. Políticos conservadores disseram que o artista desrespeitou o cristianismo e se posicionaram contra sua apresentação, e o prefeito cedeu à pressão. A declaração do cantor foi feita em 2018, quando ele se pronunciou contra o cancelamento de um espetáculo sobre Jesus em que a protagonista era trans.
O Festival ID:Rio 2024 tem como foco o setor de modas e contará com desfiles, shows, capacitação e palestras sobre empreendedorismo feminino e mercado criativo. Os visitantes poderão ainda desfrutar da presença de bares e restaurantes no local.
O evento começou no dia 1º de março, em Petrópolis. Para encerrar, na segunda-feira (11), aporta no Rio, mais precisamente na Biblioteca Parque Municipal, no Centro, com uma programação que inclui uma oficina de nova gastronomia sustentável, às 10h30.
Cantor se manifesta
Esta tarde, Johnny Hooker publicou uma nota em seu Instagram comentando o cancelamento do show e afirmando que, embora tenha ganhado todos os processos que a declaração sobre Jesus lhe rendeu, ainda é alvo dos conservadores. No caso de Niterói, ele atribuiu o cancelamento do show à pressão de parlamentares bolsonaristas sobre a prefeitura.
Eis a íntegra da nota:
“Para a surpresa de absolutamente ninguém, parlamentares que parecem não ter nada a propor ou fazer além de disseminar pânico moral se valeram de suas posições de poder para tentar prejudicar, mais uma vez, minha carreira e com isso se promoverem.
Muitos de vocês devem ter ficado sabendo que fui convidado para um evento em Niterói, o ID: Rio, que busca promover e valorizar, através da cultura, a diversidade sexual, de gênero e de raça no Brasil. Nós e os idealizadores do ID: Rio fomos surpreendidos por uma campanha, promovida por alguns políticos bolsonaristas, para o cancelamento do meu show, por meio de um vídeo editado e descontextualizado de uma fala minha de 2018, em que eu criticava a censura de uma peça de teatro.
Vale salientar que ganhei todos os processos relacionados a essa fala. Mesmo assim continuam de maneira sistemática as represálias e perseguições. Isso não nos espanta, afinal, mulheres, indígenas, negros e pessoas LGBTQIAP+* são os alvos prediletos e os primeiros bodes expiatórios dos promotores do pânico moral.
Nos últimos anos fomos condicionados a aceitar todos esses ataques contra as minorias e o que há de mais baixo na humanidade: fake news, milícias digitais, mercadores da fé, golpistas… Então eu vim aqui dar um recado: a gente não pode se acostumar com isso, não podemos achar que é normal, nem permitir que eles entrem em nossas mentes. Nós não vamos nos deixar intimidar.
Nós sabemos que extremistas têm medo da cultura, da arte e, no limite, das várias expressões de amor e, para que prosperem, dependem da censura, da intimidação e da eliminação de qualquer debate democrático. Dependem de espalhar ódio e pânico, através de campanhas de desinformação. Querem impor de forma violenta as próprias ideias sobre todos aqueles que pensam, se expressam e vivem de maneira diversa, coisa que atenta diretamente contra o Estado Democrático e Laico.
Os envolvidos no vídeo que culminou no cancelamento do show acabam, intencionalmente ou não, jogando água nesse moinho do desrespeito à diversidade cultural e à própria história da música brasileira, da qual tenho orgulho de ser uma pequena parte.
Sou um artista e trabalhador da cultura com mais de 20 anos de uma carreira amplamente reconhecida; atualmente minha obra possui mais de milhões de streams nas plataformas, singles de platina, de ouro, além de inúmeros prêmios, turnês nacionais e internacionais e participações nos maiores festivais. Trilhas sonoras em programas de televisão no Brasil e fora. São 20 anos de luta em que, ao contrário dos grupos políticos que me perseguem, NUNCA precisei me valer de recursos públicos para manter meu trabalho vivo e circulando. E é assim que vou continuar.
Gostaria de mandar todo meu carinho para o meu público de Niterói, que eu amo e espero poder reencontrar em breve, levando meu espetáculo com muito respeito, amor e liberdade! Tenho certeza que lotaremos qualquer espaço da cidade! Viva a Constituição Cidadã, viva o Estado Democrático e Laico. Não vamos desistir dele.
E como digo na minha música Estandarte: “da bandeira e cores que me regem, do sagrado e lei que me protegem, carrego o meu amor!”, escreveu.