Antes entrosados, jogadores e carnaval parecem cada vez mais afastados

Zico no desfile da Beija-Flor, em 1998 -
Zico no desfile da Beija-Flor, em 1998 – Foto: Marco Antonio Cavalcanti/24.02.1998
Rafael Oliveira

A mais nova atração do futebol do Rio, Keisuke Honda recebeu convites para acompanhar o desfile das escolas de samba in loco. Mas recusou todos. A notícia repercutiu positivamente entre os torcedores do Botafogo, que exaltaram o seu profissionalismo. É tudo muito diferente do que se via nos anos 1990, em que seria pouco provável um jogador ser malvisto por cair na folia – seria possível até criticar Honda pela “desfeita”.

Durante décadas, futebol, samba e carnaval caminharam lado a lado, a ponto de jogadores serem presença constante na Marquês de Sapucaí e até em blocos de rua. Nas arquibancadas do Maracanã, o sucessos do carnaval ditavam o ritmo. Hoje, o ritmo perdeu a preferência das torcidas e os atletas vão, no máximo, aos camarotes.

Uma série de mudanças nas últimas duas décadas podem ter levado a esse distanciamento. A principal delas talvez esteja na evolução do futebol enquanto mercado. Com cifras mais volumosas do que no século passado, o jogo exigiu dos atletas um compromisso maior com o preparo físico e passou a ter um calendário mais encorpado.

Jogadores de futebol no Bloco das Piranhas na década de 70 -
Jogadores de futebol no Bloco das Piranhas na década de 70 – Foto: Eurico Dantas/Arquivo O Globo/1097

— Você não tinha nem treino. Parávamos no sábado e só voltávamos na quarta-feira de cinzas. Os preparadores até passavam algumas orientações, mas liberavam a gente para brincar muito, pois isso mantinha o corpo em atividade. Só pediam para moderar na bebida. Aí era mais difícil — lembra Edu Coimbra, ídolo do América que, ao lado do irmão Zico, criou o bloco Juventude de Quintino, com o qual faziam barulho pelas ruas do bairro suburbano e colecionavam vitórias nos concursos do Pontal Praia Country Clube, em Vargem Grande, nos 1970.

O cenário relatada por Edu é impensável hoje. A quarta de cinzas deixou de ser reapresentação pós-carnaval e virou, para muitos, dia de jogo. O Fluminense, estreará na Copa do Brasil contra o Moto Club, em São Luís. E o Flamengo decidirá o título da Recopa Sul-americana contra o Independiente del Valle, no Maracanã — depois de ter feito a final da Taça Guanabara neste sábado.

Em 1995, no desfile do Salgueiro, Edmundo, agora comentarista, mostra samba no pé -
Em 1995, no desfile do Salgueiro, Edmundo, agora comentarista, mostra samba no pé – Foto: Julio Cesar Guimarães/26.02.1995

— O carnaval é uma data cultural do povo brasileiro. Eu tenho que perceber isso. Nós, em Portugal, temos um dia. Vocês, uma semana. Mas no futebol, quando se enquadra o carnaval, temos que olhar primeiro para a responsabilidade profissional. Em razão do segundo jogo da Recopa, este Carnaval vai ter que deixar de existir — comentou o técnico no último fim de semana, antes do 2 a 2 no jogo de ida com os equatoriano.

Mudança de perfil

Mas responsabilizar apenas a profissionalização do futebol é simplificar o olhar sobre o fenômeno. O próprios atletas passaram por transformações. Se a geração de Zico, Roberto Dinamite, Moisés e Perivaldo era ligada a de sambistas como João Nogueira e Roberto Ribeiro, hoje a afinidade é maior com artistas de outros segmentos. Até a religião virou fator de influencia.

—Você tinha um jogador como o Alcir Portela, que era importante na comissão de frente da Imperatriz e nas rodas do Cacique de Ramos. Você tinha o Bloco das Piranhas de Madureira, com a presença de vários jogadores de futebol — cita o historiador Luiz Antônio Simas. — Hoje, eles têm uma ligação maior com o mercado agro, onde quem impera é o sertanejo. E acho importante dizer que há um recorte evangélico muito grande, no qual é forte o discurso com viés de demonização do carnaval e da cultura afro.

Zico, à direita, e seu irmão Edu Coimbra, à esquerda, no Bloco Juventude, em Quintino, na década de 70 -
Zico, à direita, e seu irmão Edu Coimbra, à esquerda, no Bloco Juventude, em Quintino, na década de 70 – Foto: Arquivo O Globo

Jerônimo Barreto tem 49 anos de carnaval, sendo 42 na Beija-Flor, pela qual ganhou um Estandarte de Ouro na categoria personalidade em 1988. Além disso, são 39 de Fluminense. Gegê, como é mais conhecido, se acostumou a esbarrar com futebolistas na Sapucaí.

Em 1986, ano da Copa do México, viu o Fluminense tricampeão carioca ser atração do desfile da Beija-Flor. Em 2002, levou toda a comissão técnica de Oswaldo de Oliveira — além de jogadores como o volante Roberto Brum, o atacante e hoje comentarista Caio Ribeiro e o zagueiro Régis — para desfilar pela nilopolitana.

— Hoje eles querem camarote — conta. — O jogador se cuida mais. Ele até vai lá, vê duas escolas para dar moral a quem o convidou para o camarote e depois “rala peito”.

Os jogadores do Fluminense no desfile da Beija-Flor, em 1996 -
Os jogadores do Fluminense no desfile da Beija-Flor, em 1996 – Foto: Acervo Flu/Memória

A ascensão e o enfraquecimento da relação entre futebol e carnaval pode ser resumida pelo bloco das piranhas de Madureira. Criado no início dos anos 1970 pelo zagueiro Moisés (1948-2008), levou jogadores à Zona Norte até meados dos anos 1990. Diante do desinteresse das gerações seguintes, ele passou o comando para a banda do bairro. E a presença de atletas evaporou.

— Foram 25 anos com as mesmas pessoas saindo no bloco. Quando começamos tínhamos 20 e poucos anos. Já estávamos cinquentões, bois cansados. Não aguentávamos mais — resume o ex-atacante Dé: — Agora tudo mudou mesmo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *