‘Aos 12 anos, descobri que meu pai era um padre’

Sarah Thomas com um ano e meio
Sarah Thomas com um ano e meio / Foto: Sarah Thomas

Aos 12 anos, Sarah Thomas descobriu que seu pai, que ela não conhecia, era um padre. Passou anos tentando estabelecer relações com ele, sem sucesso – e tentando lidar com a rejeição. É uma história comum entre filhos de padres católicos, supostamente celibatários.

Sarah foi criada pela mãe, em um apartamento de classe baixa, em Londres. Apesar das dificuldades daquela época, as lembranças de Sarah são de uma infância feliz, com festas de aniversário, Natais e idas à igreja aos domingos.

Mas à medida que crescia, Sarah começou a reparar que sua família era diferente.

Por que, ao contrário da maioria de seus amigos, ela não podia passar um tempo com o seu pai? Sarah, aliás, nem sabia quem ele era.

Um dia, sua mãe lhe disse que seu pai era um professor universitário. “Mas, como eu era muito curiosa e desconfiada, sempre soube que tinha algo errado, que estava faltando alguma informação. Minha mãe tinha muito medo de revelar a identidade do meu pai.”

Sarah Thomas
Sarah Thomas sempre quis saber quem era seu pai

A revelação

Mas, em 1990, quando Sarah tinha 12 anos, sua mãe tomou coragem e revelou a verdade. Seu pai não era professor. Era sim um padre católico, que vivia e trabalhava em Londres.

“Eu pensei: isso é fantástico! Eu tenho certeza de que ele vai gostar de me conhecer”, lembra Sarah. Já sua mãe não estava tão certa disso.

Os pais de Sarah haviam se conhecido na Universidade de Londres, na década de 1970. Enquanto sua mãe estudava teologia, o pai se preparava para virar padre. Eles já estavam juntos havia dois anos, quando a mãe de Sarah engravidou.

“Ela estava apaixonada por ele. E pensava que ele também a amava”, fala Sarah. A expectativa de sua mãe era de que o namorado desistisse da batina e se casasse com ela. Mas o pai de Sarah ficou desconcertado quando soube da gravidez. Terminou o relacionamento e nunca mais falou a sós com a mãe de Sarah – apenas na presença de outro representante da igreja.

Após a notícia da gravidez, um padre mais experiente sugeriu à mãe de Sarah que ela se afastasse até que o bebê nascesse e, então, o desse para adoção. Mas ela se recusou a fazer isso. “Então, esse padre decidiu que o meu pai poderia assumir a batina desde que minha mãe e o bebê – eu, no caso – concordassem em manter sigilo”. Por isso, a mãe de Sarah não havia revelado nada sobre seu pai.

O pai de Sarah foi então ordenado padre quando ela tinha cerca de um mês de vida.

Mulher caminha em túnelPara Sarah, regras para padres católicos são muito confusas

O encontro tão esperado

Quando Sarah manifestou a vontade de se encontrar com seu pai, sua mãe começou a escrever para ele. Depois de dois anos, ele concordou em conhecer a menina.

“Na minha ingenuidade, por assistir a programas de televisão com reencontros de família, em que as pessoas corriam em direção umas às outras, chorando, e depois ficavam amigas para sempre – era isso que eu achava que iria ocorrer”, fala Sarah.

O pai padre levou um conselheiro católico para o encontro com Sarah, que tinha 14 anos na altura. A menina estava acompanhada do marido de uma de suas professoras. O arranjo do encontro deixou Sarah ainda mais desconfortável. “Eu cresci sem uma figura masculina. Então, eu não me sentia confortável entre homens e não sabia como agir entre eles”.

“Eu vou sempre me lembrar desse dia. Eu me senti tão desajeitada. Passei a maior parte do encontro apenas olhando para os meus joelhos”, recorda. “Eu praticamente não consegui falar nada, de tão nervosa que estava. Todas as perguntas que planejei fazer desapareceram”.

“Eu fui para o encontro pensando que nós seríamos melhores amigos, mas ele estava distante e frio”. A última coisa que o pai de Sarah falou para ela naquele dia foi que ele não poderia vê-la novamente pelos próximos quatro anos.

“Eu pensava que ele iria me amar. Então, quando nós realmente nos encontramos, o resultado foi que ele me disse nós não teríamos qualquer relação. Isso doeu”.

Mãos segurando um rosárioSarah troca cartas com o pai de vez em quando

Confidencialidade

Depois, Sarah descobriu que o pai enviava dinheiro para sua mãe, eventualmente. “Mas o dinheiro era acompanhado de cartas que reforçavam a necessidade de sigilo, dizendo coisas como ‘se você algum dia falar sobre isso ou identificar quem é o pai, o dinheiro vai deixar de chegar'”.

“A partir daí, descobri os acordos de confidencialidade que outras mães tiveram que assinar, no qual a Igreja se compromete a dar dinheiro a elas desde que fiquem caladas e a criança não conheça a identidade do pai”, conta.

Sarah, no entanto, procura ser compreensiva sobre a atitude do pai: “Para ser justa, meu pai acha que fez tudo o que pôde, o que estava ao alcance dele, por ser padre.”

“Mas acho que as regras para os padres não são claras, e a forma como eles os ensinam a tratar os filhos é muito confusa. Não há como conciliar ser sacerdote celibatário com um filho, simplesmente não funciona”, acrescenta.

Perto da morte

Quando tinha 20 anos, Sarah esteve à beira da morte. Escorregou em um passeio na montanha e caiu de uma grande altura em um piso de concreto. Após o acidente, sua mãe telefonou para o seu pai e disse: “Sarah pode morrer, venha aqui. Mas ele disse que não iria”.

Sarah teve três fraturas cranianas, sangramento interno na cabeça, um pulmão colapsado, trauma hepático e um braço quebrado. Apesar da tragédia, ela acredita que esse foi um ponto de virada na sua vida.

“Eu tive uma experiência de quase morte e percebi que eu não precisava ficar jogando esse jogo com o meu pai. Foi uma decisão dele de não fazer parte da minha vida. Eu não queria mais me sentir rejeitada”.

Começou então a estudar, viajar e trabalhar. Se casou e tem três filhos. Com eles, tem buscado ser o mais aberta o possível sobre o avô padre. “Contei para eles que o avô é padre, trabalha em Londres, não é uma pessoa ligada à família e coloca o trabalho em primeiro lugar”, diz ela.

Hoje em dia, ela troca cartas com o pai eventualmente, e ele costuma enviar dinheiro no aniversário dos netos.

“Mas quando alguém sempre coloca as próprias necessidades na frente das necessidades dos filhos, não te passa confiança. Você vai sempre se perguntar se ela não vai te machucar de novo”, desabafa.

Sarah Thomas em foto de 1984
Sarah foi criada pela mãe, que dizia que o pai era um professor universitário / Foto: Arquivo pessoal Sarah Thomas

Filhos de padres

Em 2015, Sarah encontrou a Coping International, uma organização de ajuda mútua para filhos de padres católicos. “Foi como ser atingida por um raio. Eu achava que eu era a única criança filha de padre no mundo”, se recorda.

Agora, ela está estudando sobre o assunto na Open University. “Quero mostrar que há milhares de filhos de padres ao redor do mundo e ninguém sabe nada sobre eles. Estão desamparados e à mercê dessa instituição (Igreja Católica) e isso não é certo”.

Depois disso, Sarah já conheceu cerca de 100 filhos de padres, de diferentes países, e acredita que existam muito mais. Todos têm experiências comuns. “O sigilo é algo corriqueiro – as pessoas falam que são encorajadas a mentir para manter seus pais em segredo”. Pagamentos feitos pela Igreja e crises de identidade entre os filhos também são frequentes.

Tendo sido criada como católica, Sarah não consegue entender porque é aceitável que seu pai, um homem que prega sobre a importância da família e de amar o próximo, se comporte de maneira contrária a esses preceitos na sua vida privada.

Um porta-voz da Conferência dos Bispos Católicos da Inglaterra e Wales afirmou: “Nessas circunstâncias, que são muito pessoais e particulares, todos os bispos da Inglaterra e Wales podem discernir sobre a melhor forma para um padre que seja pai de uma criança assumir suas responsabilidades. Estamos dispostos a nos encontrar com qualquer pessoa na diocese cujo pai seja um padre”.

Sarah acredita que a Igreja Católica, que proíbe padres de se casarem e terem relações sexuais – deveria tornar o celibato opcional.

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