Aos 98 anos, integrante da Resistência Francesa rompe silêncio sobre execução de nazistas: ‘Cavaram as próprias covas’

Edmond Réveil gesticulando enquanto dá entrevista, sentado em sala
Edmond Réveil, hoje com 98 anos, guardou segredo sobre execução em massa por 75 anos, até mesmo da família

Escavações devem começar em breve com o objetivo de encontrar os corpos de até 40 soldados alemães que foram executados pela Resistência Francesa em junho de 1944.

O plano surgiu depois que, recentemente, um ex-combatente da Resistência quebrou oito décadas de silêncio para revelar como os soldados alemães foram mortos em uma floresta perto de Meymac, no centro da França.

Edmond Réveil, 98 anos, é o último sobrevivente da unidade local do grupo de resistência FTP (Francs et Tireurs Partisans) e testemunhou pessoalmente a execução em massa em um local chamado Le Vert.

Em um depoimento gravado, Réveil descreveu como seu destacamento de 30 combatentes escoltava prisioneiros nazistas quando veio a ordem para matá-los.

O comandante do destacamento, cujo codinome era Hannibal, “chorou feito criança quando recebeu a ordem”, lembrou Réveil.

“Mas havia disciplina na Resistência.”

“Ele pediu que voluntários cumprissem a ordem. Todo combatente tinha alguém para matar. Mas alguns de nós — e eu fui um deles — dissemos que não íamos fazer parte disso.”

“Era um dia terrivelmente quente. Nós fizemos eles cavarem suas próprias covas. Eles foram mortos e jogamos cal sobre eles. Lembro que cheirava a sangue. Nunca mais falamos sobre isso.”

Réveil, cujo codinome na guerra era Papillon (Borboleta), manteve o segredo por 75 anos, até mesmo de sua família.

Então, inesperadamente, em 2019, ele se levantou no final de uma reunião local da Associação Nacional de Veteranos e anunciou que tinha algo a dizer.

O prefeito de Meymac, Philippe Brugere, disse à BBC que foi como se um peso tivesse sido tirado da mente de Réveil.

“Ao longo dos anos, ele teve muitas oportunidades de contar a história, e nunca o fez. Mas ele foi a última testemunha [sobrevivente]. Foi um fardo para ele. Ele sabia que, se não falasse, ninguém jamais saberia.”

Antes que as autoridades locais pudessem tomar outras medidas, no entanto, veio a pandemia de covid-19.

Apenas algumas semanas atrás, o caso foi reaberto, e a história foi divulgada no jornal local La Montagne nesta terça-feira (16/05).

Historiadores franceses e alemães confirmaram a coerência dos eventos descritos por Réveil.

Pouco depois do Dia D, que ocorreu em 6 de junho de 1944, os combatentes da Resistência realizaram uma espécie de levante em Tulle, capital do departamento de Corrèze, durante o qual entre 50 e 60 soldados nazistas foram presos.

Mas, em 9 de junho, os alemães retaliaram o aprisionamento com o enforcamento público de 99 reféns.

Lago rodeado por árvores em dia ensolarado
A área onde os soldados nazistas foram mortos

‘Contra a violência’

Não muito longe dali, em 10 de junho, a divisão nazista SS Das Reich massacrou 643 pessoas na vila de Oradour-sur-Glane.

Réveil havia participado do levante de Tulle e depois se juntou ao grupo de escolta que se dirigia para o leste.

“Nenhum dos grupos da Resistência queria nada [com os prisioneiros]. Não sabíamos o que fazer com eles”, lembrou.

A certa altura, alguns dos prisioneiros — aqueles que vieram de países como a Polônia e a Tchecoslováquia — foram separados dos demais. Então, cerca de 50 deles que chegaram a Meymac em 12 de junho.

“Se um prisioneiro quisesse fazer xixi, ele precisava ser vigiado por dois de nós. Não tínhamos nada planejado quanto à alimentação. Estávamos sob as ordens de um centro de comando aliado em Saint-Fréjoux, e foram eles que deram a ordem para matá-los.”

Entre os prisioneiros, estava uma francesa que havia colaborado com a Gestapo (polícia secreta nazista). Nenhum dos combatentes da Resistência queria atirar nela, então eles sortearam para decidir quem faria isso e ela foi morta.

Nas próximas semanas, oficiais da Comissão Alemã de Sepulturas de Guerra (VDK) devem ir a Meymac. A primeira tarefa deles será usar um radar de penetração no solo para saber o local exato das covas.

Historiadores locais disseram que 11 corpos alemães foram exumados de Le Vert em 1967, mas as escavações pararam e nenhum registro foi mantido sobre o local exato em que isso ocorreu. Uma vez que o caso é muito sensível e, àquela altura, apenas 23 anos haviam passado desde a execução dos soldados nazistas, a operação foi envolta em segredo.

No entanto, um morador da região que era criança em 1967 lembra-se de ter visto as escavações e deu uma indicação aproximada de onde podem estar as covas de cerca de 40 soldados.

Réveil, que posteriormente se tornou ferroviário, está “um tanto impressionado com a demanda da mídia”, disse Brugère.

“Ele é um senhor muito gentil. Ele era contra a violência e, na Resistência, nunca disparou um tiro.”

“Tudo o que ele quer agora é que os soldados mortos sejam lembrados e que suas famílias sejam informadas de onde seus corpos estão. E que talvez um pequeno memorial seja erguido no local.”

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