Arena Fonte Nova vira ‘grande catedral’: milhares de baianos celebram Santa Dulce

População deixou estádio de futebol praticamente lotado para celebração em homensagem à Santa Dulce dos Pobres

População deixou estádio de futebol praticamente lotado para celebração em homensagem à Santa Dulce dos Pobres Foto: Felipe Iruatã
Gustavo Maia

Palco de partidas de futebol e shows de música, a Arena Fonte Nova, em Salvador, se converteu em uma “grande catedral”, como definiu um mestre de cerimônias do evento, na tarde deste domingo para sediar a celebração pela canonização da freira baiana Irmã Dulce. Uma semana depois de ela se tornar a Santa Dulce dos Pobres, com a canonização no Vaticano, 43 mil admiradores da religiosa praticamente lotaram o estádio de futebol para o evento que culminou em uma missa, iniciada por volta das 17h e conduzida pelo arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger.

Os três anéis da arena, reformada para a Copa do Mundo de 2014, estavam quase totalmente tomados. A tarde foi repleta de música católica e homenagens à santa. A principal delas foi a espetáculo “Império de Amor”, que levou ao palco 650 atores para contar a história de irmã Dulce.

Imagens da santa foram reproduzidas no altar

Imagens da santa foram reproduzidas no altar Foto: Felipe Iruatã

A cena que levantou a plateia simulou a criação do hospital a partir de um galinheiro do convento onde ela vivia e que deu origem às Obras Sociais Irmã Dulce, na capital baiana. Atores levaram adereços representando os animais, que deram lugar a enfermos. Vestida de freira, a cantora de axé Margareth Menezes entoou o refrão de uma música animada: “A resposta veio ligeiro, vamos cuidar desse povo no galinheiro”.

Na sequência da ação, a religiosa foi questionada onde estavam as galinhas e respondeu que estavam “cacarejando sinfonias na barriga dos pobres”, o que despertou gargalhadas no estádio.

padre Antônio Maria, que chegou a se encontrar com a religiosa algumas vezes, fez a plateia vibrar ao cantar “Nossa Senhora”, de Roberto Carlos. O cantor e acordeonista cearente Waldonys executou outra canção do Rei: “Como é grande o meu amor por você.” Outra música entoada na celebração dizia que “lá vai Irmã Dulce com sua missão, se fecha uma porta, ela abre um portão”.

Antes de celebrar a “missa santa”, dom Murilo Krieger declarou a jornalistas que o espatáculo lhe tocou por demonstrar a obra que Irmã Dulce deixou é viva. Fazem parte do grupo que se apresentou 550 crianças e adolescentes do Centro Educacional Santo Antônio (CESA), núcleo de educação das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), além de idosos.

— É uma obra viva, onde cada pessoa é uma pedrinha nesse mosaico de amor que forma o rosto de Jesus Cristo — declarou.

Segundo o religioso, a mensagem principal da celebração é de amor, porque a vida da freira pode ser resumida na palavra servir, que é uma das expressões mais fortes do sentimento.

— E eu tenho certeza de que cada um de nós vai sair daqui mais comprometido pensando que não pode ficar indiferente, que também tem que fazer sua parte. Porque, afinal, Irmã Dulce passou, mas ela deixou muitas Dulces aqui, porque deixou muitos pobres, que continuam precisando da nossa atenção e do nosso carinho — disse Krieger.

Uma imagem de grandes dimensões da santa foi erguida sobre o palco enquanto imagens de arquivo eram exibidas em seis telões. Nas arquibancadas, os participantes da celebração causaram grande efeito visual ao abanar lenços brancos com o rosto da baiana, que foram entregues nas entradas do estádio. Com o anoitecer, os fiéis usaram os próprios celulares para fazer uma festa de luzes nas arquibancadas.

Turismo religioso

Adversários políticos, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), prestigiaram o evento deste domingo. Os dois se sentaram na primeira fila da “catedral” montada na Fonte Nova, mas em extremos. Ambos estiveram também na canonização da religiosa no Vaticano.

Costa exaltou a sensação de orgulho “dessa mulher e agora santa extraordinária, que com certeza ilumina a alma e o espírito dos baianos, dos brasileiros e de todas as pessoas do mundo inteiro que querem cuidar de gente, que querem fazer bem ao próximo”.

— Ela é uma lição, um ensinamento ao longo da sua vida e após a vida de como dar amor, carinho, afeto, cuidado, afeição às outras pessoas, principalmente se dedicando ao longo da sua existência a quem mais precisa. É uma inspiração de fé não só de pessoas católicas, mas de pessoas de outras religiões. Se inspiração não vem necessariamente pela religião, virá pelo seu exemplo de vida, pela sua dedicação — declarou o governador.

Questionado sobre a ausência do presidente Jair Bolsonaro, que cancelou a viagem a Salvador para antecipar a ida ao Japão, o governador disse achar que ninguém tem obrigação de prestar homenagem nem de ter fé.

— Eu acho que fé se faz por crença e por convicção — comentou Costa, opositor de Bolsonaro.

ACM Neto ecoou a mensagem de sincretismo e disse ter visto no evento uma comunhão de pessoas de diversas religiões, que reconhecem a importância de Irmã Dulce para a nossa terra e para a nossa fé.

— Eu, particularmente, agradeço a Deus a oportunidade de ser prefeito de Salvador num momento como esse. Realmente é algo que toca no meu coração Eu tenho certeza que essa primeira missa celebrada em homenagem à Santa Dulce entra para a história de Salvador e reforça ainda mais a importância da religiosidade e da fé do povo baiano — disse.

Ele comentou ainda a amizade da religiosa do avô, o ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007, e disse que ele com certeza estaria vibrando no evento, por ter ajudo das Obras Sociais da baiana. O prefeito também enfatizou o plano de desenvolver a estratégia do turismo religioso na cidade, para receber mais turistas, romeiros, peregrinos.

Ansiedade na fila

Os portões da Arena Fonte Nova só abriram ao meio-dia, mas a aposentada Dizia Souza, 71 anos, chegou ao local seis horas antes. Tudo por Irmã Dulce, a freira baiana canonizada há uma semana no Vaticano como Santa Dulce dos Pobres.

— Cheguei antes de o sol nascer — contou Dizia, que caminha com o auxílio de um andador por conta de uma artrose, com um sorriso no rosto.

Sob um sol escaldante — ao meio-dia fazia 28ºC, com 75% de umidade relativa do ar —, Dizia explicava que o esforço se deve ao tamanho da benfeitoria que a baiana “fez na Terra”.

— Estamos aqui para reverenciar nossa primeira santa. Em todo lugar que ela passou, plantou a semente do bem — declarou.

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