Armamento comprado pelo estado vira objeto de destruição na mão de criminosos

Controlar o desvio de armamento da Polícia Militar ainda é um desafio devido a precariedade na fiscalização

ADRIANA CRUZ

Controlar o desvio de armamento da Polícia Militar ainda é um desafio. O alerta vermelho sobre o extravio, furto e roubo de armas das reservas de material bélico da corporação acendeu com força total em junho de 2011. Naquele mês, relatório pormenorizado, ao qual O DIA teve acesso, sobre 36 das 56 unidades da corporação mostra que os desfalques nos depósitos de armamento chegavam a 457 armas, entre elas 72 fuzis e 155 pistolas, 466 munições e 1.719 carregadores. As informações, no entanto, só se transformaram em Inquérito Policial-Militar (IPM) em abril de 2013 e ainda não foram plenamente processadas pela Corregedoria da PM. O episódio revela a falta de controle da força policial com um dos maiores paióis de armas do Rio.

Foto: Arte O Dia

A precariedade na fiscalização e as consequências do que isso pode acarretar ganharam marcas de sangue em 11 de agosto de 2011. A juíza Patrícia Acioli foi assassinada com 21 tiros quando chegava à sua casa, na Região Oceânica de Niterói, um crime cometido por policiais militares. Parte da munição usada na execução — e encontrada no local do crime — era desviada das reservas da corporação pelo cabo Sérgio Costa Júnior, réu confesso da emboscada à magistrada.

Em junho de 2014, Júnior foi condenado na Auditoria da Justiça Militar a três anos de detenção pelo desvio da munição. Em 1º de setembro, no entanto, a maioria dos desembargadores da 6ª Câmara Criminal decidiu absolvê-lo por ter utilizado as balas de um lote desviado da corporação. Isso porque entenderam que a condenação a 18 anos de prisão pela morte de Patrícia, um fato mais grave, permitiria a liberação do furto.

Levantamento feito pelo DIA nas investigações sobre desvios de armas constata a ineficiência nos mecanismos da corporação para impedir o sumiço de armamento. Em 17 de janeiro de 2012, o então cabo Edvan Mendes Lima retirou uma pistola ponto 40, com dois carregadores e 22 munições, da chamada Reserva Única de Material Bélico (Rumb) do 4º BPM (São Cristovão), Zona Norte. Porém, ele foi excluído da corporação em janeiro de 2013. A PM só recuperou a arma e munições em novembro do ano passado — ou seja, quase dois anos depois da exclusão do militar dos quadros da corporação. A busca e apreensão foi feita na casa do ex-militar, na Zona Oeste.

À MERCÊ DE CRIMINOSOS 

Também no 4º BPM, que abastece de armamento a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Mangueira, em outubro do ano passado, foi identificado o desaparecimento de 89 carregadores de pistola calibre 40. Foram ouvidos dois oficiais e um praça. Em agosto, o tenente-coronel Rogério Quemento Lobasso entendeu que havia indícios de crime militar. O caso foi remetido ao Ministério Publico que atua Junto à Auditoria de Justiça Militar.

O fácil acesso dos paióis da PM é outro ponto fraco no esquema de controle da corporação. Em outubro do ano passado, um carro de cor escura entrou sem resistência no Batalhão de Choque. Os criminosos roubaram 23 pistolas da corporação e cinco armas que estavam com os policiais que guardavam o local. Agora, os investigadores estão avaliando as imagens captadas por câmeras da unidade. O objetivo da perícia é identificar a placa do veículo dos bandidos.

PROJETO PARA CONTROLAR ARMAS

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, aponta falhas no controle das fronteiras pelo Exército, o que facilita a chegada de armas de guerra, como fuzis, às mãos de criminosos nos morros da cidade. A mesma argumentação foi constante entre os governadores e autoridades de segurança desde o início dos anos 1980. Mas a Polícia Militar também tem deixado falhas no dever de casa, com raros processos para identificar e punir os responsáveis.

Para o criminalista Luiz Flávio Gomes, os desvios dos paióis da PM são graves. “Uma arma ou munição comprada pelo Estado é para defender e preservar vidas, e não desaparecer para destruir vidas”, enfatiza. Ele ressalta que o maior problema é a falta de controle. “É muito precário e com isso pode incrementar os crimes. É preciso providências com eficiência.”

Se os cortes do Orçamento não impedirem, o secretário Beltrame espera anunciar em breve um projeto de tecnologia para aumentar a fiscalização sobre a entrada e saída de armas e munições das unidades da Polícia Militar. Ele quer construir uma sala com um grande painel de controle biométrico do arsenal. O policial de plantão poderá então ir ao computador, entrar no sistema e assim confirmar que está de plantão e as armas, disponíveis.

“Ele, então, pega o armamento e ganha um recibo, que tem que devolver ao fim do seu plantão. Hoje tudo isso é feito num livro, que é vulnerável, sensível a rasuras, adulteração, como arrancar uma página. Acredito que é preciso fazer este controle de estoque como acontece em qualquer loja ou magazine. Isso é prioridade”, explicou o secretário.

FRAUDE NA RETIRADA DE ARMAMENTO

O relatório de 2011 aponta que no Batalhão de Operações Especiais (Bope), a tropa de Elite da PM, foram roubadas, extraviadas ou furtadas 44 armas. Do número há armamento pesado, como 17 carabinas Colt M-4, versão mais antiga do fuzil AR-15. Além de cinco fuzis calibre 7,62 e 556, também usados por traficantes de drogas.

Outra artimanha comum que resulta no desaparecimento de armas é a de PMs usarem o nome de outros colegas de farda para conseguir retirar o equipamento das reservas, o que pode caracterizar crime militar. Há investigações em andamento sobre esse modelo de fraude.

Procurada, a assessoria de imprensa da PM informou que a corregedoria da corporação abriu procedimento para apurar extravio, furto e roubo de armas. O procedimento, segundo o órgão, agora encontra-se no Ministério Público que atua Junto à Auditoria da Justiça Militar.

Fonte: O Dia

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