Há mais de 2 mil anos, o galho de uma importante árvore foi cortado sob ordens de Ashoka, o Grande, imperador da Índia.
Diz-se que foi embaixo dessa mesma árvore que Buda alcançou a iluminação – Ashoka deu status de realeza ao galho e o plantou em um vaso de ouro.
Essa história, baseada no poema épico Maja-vansha (“A grande linhagem”, em tradução livre), fala da espécie de figueira que os cientistas chamam de Ficus religiosa.
Mas ela não é a única que existe. Há mais de 750 tipos de figueira – e nenhuma outra planta influenciou tanto a imaginação no transcorrer da história.
Raízes aéreas
A maioria das espécies da Ficus enterra suas raízes abaixo da superfície, mas algumas preferem mostrá-las ao público.
Um exemplo são as figueiras estranguladoras, plantas extraordinárias que crescem a partir de sementes soltas por aves e outros animais no topo das árvores.
Em seguida, elas lançam suas raízes aéreas, que vão se tornando cada vez mais grossas até cobrirem a árvore que lhes serviu como anfitriã.
Algumas vezes, elas se tornam uma espécie de parasita, chegando a um tamanho tão grande que chegam a matar a árvore que invadiram.
Dois países têm as figueiras estranguladoras em seu brasão.
Um deles é a Indonésia, onde a árvore simboliza a unidade dentro da diversidade – suas raízes despontando para fora representam as inúmeras ilhas que compõem a nação.
O outro é Barbados, que deve seu nome à imagem que o explorador português Pedro a Campos viu quando seu barco chegou à ilha, em 1536.
A embarcação passou por muitas figueiras estranguladoras que cresciam ao longo da costa, do tipo chamado Ficus citrifolia.
Era uma massa de raízes marrons e avermelhadas saindo dos galhos das árvores, como grandes mechas de pelos emaranhados – e foi por isso que Campos chamou a ilha de Barbados.
Testemunha da história
Mas as figueiras estranguladoras já haviam conquistado a mente humana havia muito tempo.
Budistas, hindus e jainistas têm venerado essa árvore por mais de dois milênios.
Ela também aparece nos hinos de guerra cantados pela civilização védica há 3,5 mil anos. E, 1,,5 mil anos antes, apareceu na mitologia e na arte da civilização do Vale do Indo.
Estão presentes ainda em histórias de ficção, folclore e ritos de fertilidade.
A mais notória é a figueira-de-bengala (Ficus benghalensis), uma árvore tão grande que de longe parece um pequeno bosque.
Dizem que uma figueira-de-bengala do Estado de Uttar Pradesh, na Índia, é imortal. Outra, mais ao sul, teria florescido no lugar onde uma mulher desesperada se jogou na pira funerária do marido, morrendo queimada – essa árvore, em Andhra Pradesh, pode abrigar 20 mil pessoas.
Alimento indispensável
Os primeiros europeus a desfrutarem da sombra de uma figueira-de-bengala foi Alexandre, o Grande e seus soldados, que chegaram à Índia em 326 a.C.
As histórias dessa árvore logo chegaram ao filósofo grego Teofrasto, o fundador da botânica moderna.
Teofrasto estava estudando a figueira comestível, Ficus carica, e notou pequenos insetos que entravam e saíam dos figos.
Mais de 2 mil anos se passaram até que os cientistas se deram conta de que cada espécie de figo tem seus próprias vespas polinizadoras.
Cada espécie de vespa de figueira só pode colocar seus ovos nas flores de seus figos correspondentes, uma relação que começou há mais de 80 milhões de anos e mudou o mundo.
As espécies da árvore devem produzir figos durante o ano inteiro para garantir que suas vespas polinizadoras sobrevivam, o que é uma ótima notícia para os animais que comem a fruta, já que eles teriam dificuldade para encontrar comida em todo o período.
Dessa forma, os figos sustentam mais animais do que qualquer outro tipo de fruta.
Há mais de 1,2 mil espécies que comem figos, incluindo um décimo de todas as aves do mundo, quase todos os morcegos que se alimentam de frutas e dezenas de tipos de primatas.
Por isso, ecologistas acreditam que, se essa fruta desaparecesse, todo o resto entraria em colapso.
Acredita-se ainda que presença de figos maduros durante todo o ano teria ajudado a sustentar nossos primeiros antepassados.
Além disso, o alimento estaria relacionado ao desenvolvimento de cérebros maiores nos nossos antecessores.
Há até uma teoria sugerindo que as nossas mãos evoluíram como ferramentas para avaliar quais figos são mais macios e, portanto, doces e ricos em energia.
Domesticadas
As espécies de figueira estavam entre as primeiras plantas domesticadas, há vários milhares de anos.
Os egípcios antigos dominaram uma espécie chamada Ficus sycomorus, cujas vespas polinizadoras estavam extintas ou nunca haviam chegado ali, o que os impedia de produzir figos maduros.
Mas graças à sorte ou à engenharia, os agricultores desenvolveram um método para enganar a árvore e amadurecer seus figos: tirar um pedaço delas com uma faca.
Em pouco tempo, os figos viraram a base da agricultura egípcia – eles até treinaram macacos para subir nas árvores e cortá-las.
Os faraós levavam figos secos às suas tumbas para alimentar suas almas durante a viagem à outra vida. Além disso, acreditavam que a deusa Hathor surgiria de uma figueira mítica para dar as boas-vindas ao paraíso.
O rei Nabucodonosor 2º plantou várias Ficus carica nos jardins suspensos da Babilônia. O rei Salomão, de Israel, homenageou-as com músicas. Os gregos e romanos antigos diziam que os figos eram um presente dos céus.
Sua atração talvez se deva a outra característica crucial. Além de ser doce e saborosa, a fruta contém fibras, vitaminas e minerais.
Um exemplo famoso do poder dos figos é descrito na Bíblia.
Ezequiel, rei de Judá, estava à beira da morte com uma praga de furúnculos, mas conseguiu se recuperar depois que suas servas aplicaram uma espécie de pomada feita com figos picados na sua pele.
Medicamentos desenvolvidos durante milênios utilizaram não apenas o fruto, mas também sua casca, folhas, raízes e o látex que desprende dela.
Ruínas escondidas
As figueiras não apenas ajudaram civilizações, mas também testemunharam seu declínio e até ajudaram a ocultar suas ruínas.
As grandes cidades da civilização do Vale do Indo se multiplicaram entre 3300 e 1500 a.C. e desapareceram até 1827, quando um desertor da Companhia das Índias Orientais chamado Charles Masson as encontrou.
Na época, árvores estranguladoras gigantescas dominavam a paisagem – as ruínas saíam de misteriosos montes delas.
O colapso dessa civilização se deve a uma prolongada seca, o mesmo que aconteceu nas pirâmides maias de Tikal, na Guatemala.
Na ilha de Krakatoa, na Indonésia, a vida foi extinta em 1883, logo após a erupção de um vulcão. Os figos foram excelentes veículos para estimular a formação de áreas arborizadas novamente.
Com base nisso, os cientistas estão replicando esse efeito nos trópicos, plantando figueiras para acelerar a regeneração da floresta tropical em áreas que perderam árvores devido ao desmatamento.
Arma contra mudanças climáticas
A capacidade de regenerar a vegetação não é o único elemento que permite às figueiras ajudar no combate às mudanças climáticas.
No noroeste da Índia, as pessoas estimulam as raízes a cruzarem os rios, formando pontes naturais para serem usadas nas temporadas de chuvas, que frequentemente deixam vários mortos.
Na Etiópia, as árvores ajudam os agricultores a cultivar durante a seca, proporcionado sombra vital às plantações e abrigo para as cabras, algo que também poderia ser aplicado em outros lugares com condições extremas.
A longa história de 80 milhões de anos das figueiras é uma lembrança de que somos os últimos a povoar a Terra. E de que, sem dúvidas, nosso futuro estará mais seguro se incluirmos essas árvores nos nossos planos.