As cidades que levaram turistas a desenvolver surtos psicóticos
Jules Montague
Oliver McAfee deveria voltar para casa a tempo para o Natal de 2017. Mas o jardineiro de 29 anos, natural de Dromore, na Irlanda do Norte, desapareceu.
McAfee andava de bicicleta pela Trilha Nacional de Israel, perto da cidade de Mitzpe Ramon, antes de desaparecer. Sua bicicleta e sua barraca foram encontradas dois meses depois na cratera Ramon, na parte sul de Israel. Desde então, visitantes já encontraram alguns de seus pertences, como carteira, chaves e tablet ao longo da trilha.
A imprensa rapidamente levantou a possibilidade de o viajante ter sido afetado pela Síndrome de Jerusalém – um estado psicótico (ou uma ruptura com a realidade), muitas vezes ligado a experiências religiosas. Aqueles que sofrem desse mal ficam paranoicos, vendo e ouvindo coisas que não existem. Tornam-se possuídos e obcecados. E, às vezes, desaparecem.
Na virada do milênio, os médicos do Centro de Saúde Mental Kfer Shaul de Israel relataram ter recebido cerca de 100 turistas por ano com a síndrome (40 dos quais precisavam de internação hospitalar), mais comumente cristãos, mas também alguns judeus e um número menor de muçulmanos. A síndrome de Jerusalém era uma forma de psicose, escreveram na revista científica British Journal of Psychiatry, em uma cidade que “evoca a sensação do sagrado, do histórico e do celestial”.
Muitos já apresentavam um distúrbio de saúde mental, como esquizofrenia ou transtorno bipolar, que os levaram a embarcar em seu delírio de missão sagrada. Os médicos citaram o caso de um turista americano com esquizofrenia que começou a treinar com pesos em casa e se identificou cada vez mais com o personagem bíblico Sansão. Ele viajou para Israel, obcecado em mover os gigantes blocos de pedra do Muro das Lamentações. Interceptado pela polícia, o homem foi internado no hospital, tratado com medicamentos antipsicóticos e levado de volta para casa acompanhado de seu pai.
Mas outros desenvolveram psicose em Jerusalém sem ter um histórico de doença mental. Era um número relativamente pequeno – 42 dos 470 turistas admitidos em 13 anos -, mas os casos foram tão dramáticos quanto inesperados.
Essas pessoas ficaram obcecadas com a limpeza e a pureza logo após sua chegada à cidade, tomando inúmeros banhos e duchas e cortando compulsivamente as unhas dos pés e das mãos. Elas se vestiam com uma toga branca, muitas vezes feita a partir da roupa de cama do hotel. Faziam sermões, gritavam salmos e cantavam hinos religiosos nas ruas ou em um dos lugares sagrados da cidade. Essa psicose geralmente perdura por cerca de uma semana. Ocasionalmente, eram tratadas com sedativos ou terapia – mas a cura definitiva era “distanciar-se fisicamente de Jerusalém e seus locais sagrados”.
Os autores sugerem que esses turistas (geralmente de “famílias ultrarreligiosas”) experimentam uma discrepância entre a imagem idealista que, subconscientemente, projetam de Jerusalém e a realidade concreta de uma cidade comercial movimentada, desencadeando a síndrome. Um escritor sugeriu que a cidade poderia ser um “terreno fértil para a ilusão em massa” , referindo-se a séculos de disputas territoriais entre as religiões com “atritos, tramas e pensamentos delirantes”. De fato, a síndrome de Jerusalém não é nova: relatos dela remontam à Idade Média.
Quanto à possibilidade de Oliver McAfee ter sucumbido à síndrome de Jerusalém, seu fascínio pela religião não era exatamente uma novidade; ele era conhecido como um cristão devoto. Mas logo após seu desaparecimento, seu irmão expressou preocupação com as fotos da câmera de Oliver: “A natureza delas é um pouco fora do normal e sugere que ele poderia estar fora de si. Uma das imagens mostrava muito lixo e detritos ao redor de seu acampamento e ele nunca foi assim”.
Em uma coletiva de imprensa alguns dias depois, depois de analisar mais provas, ele pareceu ter mudado de ideia, dizendo ter passado ” horas e horas examinando as fotos, lendo os diários e tudo relacionado a isso – para Oliver, essa era uma viagem normal”.
Investigadores descobriram passagens rasgadas da Bíblia colocadas debaixo de pedras onde ele desapareceu, escrituras feitas com sua caligrafia, referências escritas que ele fez a Jesus jejuando no deserto, e de acordo com um relatório da polícia, uma “capela” – uma área de areia, achatada por uma ferramenta de bicicleta, dentro de um círculo de pedras.
Uma página no Facebook (@helpusfindollie) foi criada após seu desaparecimento. Uma postagem diz: “Estive pensando ‘o que eu digo quando não há nada a dizer?’ O primeiro aniversário do desaparecimento de Oliver chegou e se foi; e, infelizmente, parece que as respostas ainda estão a milhões de quilômetros de distância”.
Assim como os médicos em Jerusalém podem ser mais propensos a diagnosticar a síndrome de Jerusalém, porque eles a veem com mais frequência, os psiquiatras em Florença encontram sintomas semelhantes sob circunstâncias diferentes. Parece que os visitantes são tão consumidos pela magnificência da arte e arquitetura da cidade que são ocasionalmente tomados por uma psicose.
Um artista de 72 anos que visitou a Ponte Vecchio ficou convencido em poucos minutos de que estava sendo monitorado por companhias aéreas internacionais e que seu quarto de hotel estava com problemas. Uma mulher de 40 anos acreditava que figuras dos afrescos da Capela Strozzi da Igreja de Santa Maria Novella apontavam para ela: “Parecia-me que eles estavam escrevendo sobre mim no jornal, falando sobre mim no rádio e me seguindo nas ruas.”
A psiquiatra florentina Graziella Magherini compilou casos de mais de 100 turistas que frequentaram o hospital Santa Maria Nuova entre 1977 e 1986, que experimentaram palpitações, sudorese, dor torácica, tontura e até alucinações, desorientação, sensação de alienação e perda de identidade. Alguns tentaram destruir obras de arte. Tudo isso foi resultado, diz Magherini, de “uma personalidade impressionável, o estresse das viagens e o encontro com uma cidade como Florença, assombrada por fantasmas dos grandes artistas, da morte e da perspectiva da história”. Era tudo grandioso demais, diz ela, para o turista sensível.
Ela batizou a condição de Síndrome de Stendhal, em referência ao autor francês que descreveu estar “absorvido pela contemplação da beleza sublime” e “tomado por uma feroz palpitação do coração”, ao sair da Basílica de Santa Croce durante uma visita em 1817. “A fonte da vida secou dentro de mim e eu andei com medo constante de cair no chão.”
Embora apenas dois ou três casos da chamada síndrome de Stendhal sejam registrados por ano nos dias de hoje, a Galeria Uffizi, em Florença, continua a ser palco de emergências médicas. Um homem teve uma convulsão enquanto olhava para a Primavera de Botticelli recentemente e outro visitante desmaiou com a Medusa de Caravaggio. Em entrevista ao jornal italiano Corriere Della Sera logo depois que um visitante teve um ataque cardíaco na frente de outro Botticelli (O Nascimento de Vênus), o diretor da galeria Uffizi disse: “Não vou ousar fazer um diagnóstico, mas sei que visitar um museu como o nosso, repleto de obras-primas, certamente constitui uma possível fonte de estresse emocional, psicológico e até mesmo físico”.
Por outro lado, às vezes uma cidade não corresponde às expectativas. A chamada Síndrome de Paris surgiu quando turistas japoneses desenvolveram psicose (mais de 63 pacientes foram descritos em um estudo de casos), quando aparentemente se deram conta de que Paris não era a cidade que imaginavam.
Impactados pela sisudez dos moradores locais e pela suposta escassez de vendedores de loja simpáticos, muitos entraram em colapso. “Nas lojas japonesas, o cliente é o rei”, explicou um representante de uma associação que ajuda famílias japonesas a se estabelecerem na França, “enquanto aqui os vendedores mal prestam atenção a eles”.
Mas essas síndromes são realmente restritas a Jerusalém, Florença ou Paris? Essas cidades merecem uma “advertência”?
Questões de saúde mental estão entre as principais causas de problemas de saúde entre os turistas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a “emergência psiquiátrica” é uma das razões médicas mais comuns para resgates por ambulâncias aéreas. Especificamente, a psicose aguda é responsável por até um quinto de todos os problemas de saúde mental dos viajantes – e a maioria deles não está em frente à Igreja da Natividade, em Belém, ou ao Muro das Lamentações, em Jerusalém.
Os turistas são afetados de várias maneiras. Desidratação, insônia e jetlag estão entre os fatores que contribuem para a psicose de viagem, juntamente com a ingestão de pílulas para dormir ou de álcool durante um voo ou, em alguns casos, drogas como o cloridrato de Mefloquina (um medicamento antimalária). A prevalência do medo de voar varia de 2,5% a 6,5%, e a ansiedade aguda entre os turistas é de cerca de 60%. Acrescente a isso o estresse da segurança aeroportuária, longas filas fora dos museus, barreiras linguísticas e diferenças culturais, e talvez uma peregrinação religiosa ou cultural intensamente pessoal e há muito esperada, e a tempestade perfeita se forma.
Em muitos casos graves, é provável que os viajantes tivessem uma condição psiquiátrica não diagnosticada ou uma predisposição à psicose muito antes de visitarem a Galeria Uffizi de Florença ou a Galleria dell’Accademia. Mais da metade das pessoas hospitalizadas citadas no estudo de Magherini havia recebido auxílio psiquiátrico.
Em um estudo publicado pela revista científica British Journal of Psychiatry, especialistas sugerem que “Jerusalém não deveria ser considerada um fator patogênico, uma vez que a idealização mórbida dos turistas afetados começou em outro lugar”.
Em janeiro deste ano, a família de McAfee fez um novo apelo para marcar um ano desde que solicitou ajuda das autoridades pela primeira vez para buscar seu paradeiro.