As transformações no Brasil com a chegada da Família Imperial
A simples presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro já promovia o desenvolvimento do Brasil
Era um miserê de dar dó o Brasil que a família real conheceu em janeiro de 1808, ao desembarcar em Salvador. Subdesenvolvida e sem a mínima infra-estrutura, a colônia não tinha mudado muito desde que as primeiras feitorias foram instaladas, no século 16. O território era imenso, mas sem cuidados. Daqui, Portugal tirava quase todo o seu sustento.
Mesmo para a corte parasita e cheia de corruptos que dom João trouxe a tiracolo, o Brasil não parecia digno de se tornar a sede da monarquia portuguesa. Era preciso mudar o estado das coisas, e rápido.
Afinal, o príncipe regente tinha chegado para ficar, não tinha a menor ideia de quando poderia voltar à Europa. Suas prioridades ao pisar na colônia só poderiam ser as óbvias: criar condições de vida para a corte e mecanismos que permitissem governar todo o império a partir de sua nova capital, o Rio de Janeiro.
Fim do pacto
Logo de cara, uma semana depois de desembarcar em Salvador, dom João abriu os portos brasileiros às nações amigas. Era o fim do Pacto Colonial – o Brasil estava liberado para manter comércio com outros países, sem a interferência portuguesa.
Em março de 1808, já instalado no Rio de Janeiro, o príncipe regente liberaria também a criação de fábricas, proibida desde 1785. Quatro anos mais tarde, uma pequena siderúrgica já estava funcionando na colônia.
Em 1820, outra seria inaugurada. “Era um embrião de indústria, que enfrentava a competição de produtos baratos que vinham da Inglaterra. Mas foi o primeiro passo”, diz Renato Marcondes, historiador.
Dom João também deu um jeito na Justiça brasileira. Depois de 300 anos com um sistema judiciário bastante limitado, foi instalada na colônia a Casa de Suplicação – uma espécie de Supremo Tribunal do império, instância mais alta da Justiça portuguesa. Dali em diante, qualquer disputa judicial, por mais poderosos que fossem os envolvidos, poderia ser resolvida na própria colônia.
Outra invenção importante do príncipe regente foi o Banco do Brasil. Essa, porém, não deu tão certo quanto as outras, pelo menos em seus primeiros anos de vida. Embora tenha lançado por aqui as fundações de um sistema financeiro, o banco era fraco e ninguém acreditava muito nele.
Funcionava apenas como gerenciador de depósitos e, principalmente, como casa da moeda. O dinheiro emitido não tinha lastro. Prestava-se, sobretudo, a financiar os gastos do governo e da corte.
A instituição era tão desacreditada, que tudo custava mais caro se o pagamento fosse em dinheiro. Quando dom João voltou para Portugal, em 1821, levando toda a grana dos cofres, o Banco do Brasil simplesmente quebrou.
Simples presença
Se dom João não tivesse fugido para cá, o Brasil poderia ter se desintegrado, como aconteceu com a América espanhola. Hoje, talvez não fosse um, mas vários países. Quando pisou em território brasileiro, o príncipe regente encontrou um amontoado de capitanias isoladas umas das outras. Isso não interessava à coroa portuguesa.
“A família real dependia, para sobreviver, da manutenção do território brasileiro unificado, já que tinha perdido Portugal para Napoleão”, diz a historiadora Luciana Lopes.
Para garantir o controle sobre as capitanias, dom João saiu construindo estradas a torto e a direito. Resultado: o comércio entre regiões distantes aumentou e os laços entre as populações começaram a se estreitar.
Ainda que nada tivesse feito pela economia brasileira, a simples presença da corte no Rio de Janeiro já promovia o desenvolvimento de toda a colônia. O aumento da demanda por todo tipo de insumo, provocada pelos 15 mil portugueses que subitamente se instalaram na cidade, fazia o comércio girar como nunca.
“A necessidade de alimentos levou a um crescimento muito grande na produção em várias regiões”, diz Marcondes. “No ano de 1806, o Vale do Paraíba, em São Paulo, enviou 7,7 mil cabeças de gado para o abate no Rio de Janeiro. Em 1810, esse número havia saltado para 13,5 mil cabeças.”
A abertura de estradas, que também era proibida até a chegada da corte, agora estava autorizada. Aquelas que já existiam foram melhoradas. Mas eram poucas. A nova sede do império precisava de mais. Elas foram abertas principalmente nas regiões que hoje correspondem a Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
E isso tem tudo a ver com o fato de, hoje, a região Sudeste ser a mais desenvolvida do país. “Antes, abrir estradas era proibido porque a Coroa temia o contrabando de ouro e diamantes”, explica a professora Luciana Lopes.
O desafio de abastecer a capital do império fez florescer o comércio de cabotagem, que estimulou o desenvolvimento de várias cidades costeiras. Produtos de lugares distantes – como charque do Rio Grande do Sul e madeira da Bahia – chegavam ao Rio de Janeiro pelo mar.
“A vinda da família real não foi exatamente o início do desenvolvimento econômico, pois já havia alguma atividade na colônia”, diz Luciana. “Mas funcionou como um grande catalisador, acelerando as transformações.” Esse desenvolvimento acelerado da colônia acabaria se revelando um tiro no pé de dom João. Em pouco tempo, o Brasil começaria a sentir-se totalmente preparado para se aventurar numa “carreira solo”.
Tráfico de escravos
Contudo, é necessário ressaltar a questão do tráfico de escravos. De 1808 a 1821, algo entre 440 mil e 500 mil escravos foram trazidos da África ocidental para cá – número maior que o de qualquer outro período da escravidão. Enquanto isso, a maioria dos países europeus ‘proibia’ o tráfico, incluindo a Inglaterra, grande aliada de Portugal.
Embora dissesse o contrário aos britânicos, dom João nunca pensou em abolir a escravidão. Nem poderia. Afinal, toda a economia da colônia estava baseada no trabalho escravo. Acabar com ele provavelmente significaria decretar a falência do Brasil. Mas havia interesses particulares da corte envolvidos na história.
E foi diante do desumano estado dos escravizados que a elite brasileira enriquecia e comprava títulos de nobreza. A venda de títulos garantia uma boa renda a dom João. E ainda agradava à elite, cujo apoio era fundamental para o príncipe regente.