A morte de Anna Lehnkering, aos 24 anos, em 1940, não teve muito destaque, nem mesmo décadas depois.
Apesar de o certificado de óbito registrar que ela teria sido vítima de peritonite, um tipo de inflamação no peritônio, Anna – que sonhava em ser enfermeira – morreu intoxicada com gás.
Ela foi uma das milhares de pessoas mortas pelos nazistas durante o projeto “Aktion T4”, que tinha como alvo doentes e pessoas com deficiências físicas e mentais – considerados como indignos pelos nazistas.
Entre janeiro de 1940 e agosto de 1941, cerca de 70 mil foram mortos em seis lugares diferentes do território controlado pela Alemanha.
Tratava-se, na verdade, de uma espécie de teste para o Holocausto.
“Era uma espécie de assassinato em massa que continuaria nos campos de extermínio nazistas”, disse o parlamentar Norbert Lammert durante uma cerimônia que marcou o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, na última sexta-feira.
Já são 75 anos desde a Conferência de Wannsee, que discutiu a implementação da chamada solução final para a questão judaica, mas neste ano a cerimônia prestou uma homenagem especial àqueles que já vinham sendo assassinados em câmaras de gás antes da decisão.
Mortos de fome
Na época da Conferência de Wannsee, os nazistas já não estavam mais asfixiando os doentes e as pessoas com deficiência. Mas o clamor público que forçou o fim dessa prática em 1941 não foi suficiente para impedir milhões de mortes nos quatro anos seguintes.
Muitas pessoas com doenças mentais e problemas de saúde eram deixadas para morrer de fome, por abandono ou por overdoses deliberadas, enquanto seus gritos por ajuda eram ignorados.
Três anos depois da morte de Anna Lehnkering, Ernst Putzki escreveu para sua mãe descrevendo as condições desumanas na instituição onde ele estava sendo mantido em Weilmuenster, no oeste da Alemanha.
“A morte por fome nos persegue, e ninguém sabe quem será o próximo”, escreveu.
“Antes, as pessoas aqui eram mortas mais rapidamente, e os corpos eram levados para serem queimados durante a madrugada. Mas eles enfrentavam resistência dos moradores locais.”
“Então, agora, simplesmente nos deixam morrer de fome.”
A carta, que nunca chegou à mãe de Putzki, foi lida em voz alta pelo ator Sebastian Urbanski, que tem síndrome de Down, durante a cerimônia na sexta-feira.
Ernst ainda sobreviveu por dois anos e morreu em janeiro de 1945 de pneumonia, segundo a certidão de óbito.
Vítimas esquecidas
Pessoas como Lehnkering e Putzki são frequentemente consideradas como vítimas esquecidas do nazismo, que matou mais de seis milhões de pessoas – a maior parte judeus, mas também prisioneiros políticos e outros – nos campos de concentração.
A sobrinha de Lehnkering, Sigrid Falkenstein, não fazia ideia que sua tia estava entre as 300 mil pessoas doentes e com deficiência que foram mortas pelos nazistas até que o nome dela apareceu na lista, em 2003.
“Na família, nunca falamos sobre minha tia”, disse ela à agência de notícias Deutsche Welle.
“Agora eu sei que muitas famílias estiveram e ainda estão presas em um ciclo vicioso de repressão, silêncio e tabu. Por muito tempo, as vítimas, os familiares e os sobreviventes foram estigmatizados tanto na Alemanha Oriental como na Ocidental.”
Sigrid estava determinada a não deixar sua tia ser esquecida e cuidadosamente descobriu a história da vida dela para garantir que ninguém esqueceria quem era Anna, e por que ela morreu.
Na sexta-feira, todas as vítimas tiveram seus nomes mencionados.
Segundo Lammert, é apenas através dessas histórias que “é possível realmente compreender o mal que foi feito a estas pessoas inocentes” – e as contando “restabelecemos a dignidade dessas vítimas”.
Fonte: BBC Brasil