Assessores de Bolsonaro presos por fraude no sistema de vacina estavam em Juiz de Fora no dia da facada
Sargento do Bope, Max dirigia o carro e o capitão do Exército Sergio Cordeiro era o principal segurança; Max mentiu ao falar do episódio que envolve Adélio
Dois assessores de Jair Bolsonaro presos nesta quarta-feira acompanharam Jair Bolsonaro no evento de Juiz de Fora em que Bolsonaro foi operado, depois do ataque de Adélio Bispo de Oliveira.
O capitão do Exército Sérgio Rocha Cordeiro e o sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro Max Guilherme Machado de Moura estavam no carro que levou Bolsonaro a Juiz de Fora em 6 de setembro de 2018.
Também estavam no mesmo carro que levou o então candidato a presidente para a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora depois do evento no calçadão da rua Halfeld.
Além deles e de Bolsonaro, estavam no carro que foi para a Santa Casa Carlos Bolsonaro e Gustavo Bebianno, já falecido, e que, então, era o presidente nacional do PSL.
Max falou pelo menos uma vez sobre o episódio, mas omitiu o nome de Bebianno e contou algumas inverdades, que podem ser comprovadas. A fala dele foi em uma entrevista de quatro horas para o podcast do Glauber Mendonça, que é policial penal federal.
“Estava eu e o capitão Cordeiro, outro assessor que trabalha com ele há muito tempo, desde o início. Estava brifado para a gente ir a Juiz de Fora. Eu lembro que foi no dia 6 de setembro de 2018. No dia 5 de setembro, eu estava lá na casa dele na Barra, eu e o Cordeiro. Estava fazendo aquele briefing também, de como a gente ia para lá. Então, tudo bem, a gente combinou o horário de chegar na casa dele 4 horas da manhã, porque a gente ia de carro”, afirmou.
“Aí no dia seguinte, eu parei minha moto, cheguei na casa dele de madrugada, parei a moto. O presidente abriu a porta, ele era então deputado. Já era o candidato. Ele abriu a porta, e eu percebi que ele estava meio assim na dele, meio calado”, disse.
“Ele sempre brinca, um cara assim, sabe, brinca com todo mundo. Sacaneia todo mundo, sabe, naquela brincadeira dele”, prosseguiu. “Falei: ‘E aí, chefe, tudo bem?’ Percebi que ele estava meio… Aí o Cordeiro chegou também, e a escolta da Polícia Federal. Porque todo candidato a presidente tinha segurança da Polícia Federal. E aí começou a chegar a segurança também, né? Eu fui no carro dele, estava dirigindo o carro”, recordou.
Max relatou que, no carro, além dele e Cordeiro, estavam Bolsonaro e o filho Carlos. Em nenhum momento, ele cita o general Santos Cruz, que eu entrevistei em 2021, para o documentário sobre o evento de Juiz de Fora.
Depois de localizar Santos Cruz em uma foto tirada pelo fotógrafo do principal jornal de Juiz de Fora, A Tribuna, procurei o general e perguntei o que ele fazia na cidade naquele dia. Santos Cruz respondeu que, no dia anterior, tinha telefonado para Bolsonaro e perguntado se podiam tomar um café, já que ele estaria no Rio de Janeiro.
“Fazia tempo que eu não falava com ele, sabia que era candidato a presidente. E o Bolsonaro me disse: ‘amanhã, vou para Juiz de Fora. Por que você não vai comigo? Aí conversamos na viagem. E eu fui, no carro dele”, respondeu-me Santos Cruz.
Na mesma conversa, por telefone, Santos Cruz disse estranhar a presença de Adélio, dois meses antes, no clube de tiro .38, local com vínculos notórios com dois filhos de Bolsonaro, na mesma data em que Carlos Bolsonaro estava na capital catarinense.
Mas achou natural que Jair Bolsonaro, mesmo tendo anunciado dois antes que usaria colete à prova de balas nos atos de campanha, estivesse sem a proteção em Juiz de Fora. “Eu entendo que o não uso do colete se deve à indisciplina de Bolsonaro”, declarou o general.
Max Guilherme, além de omitir que Santos Cruz acompanhava Bolsonaro no carro que ele dirigia, fez um relato no Podcast Fala Glauber que, se verdadeiro, aumentaria a necessidade de Bolsonaro usar o colete à prova de balas.
Ele contou que, na chegada de Bolsonaro na entrada de Juiz de Fora – quando ele parou para falar com a imprensa – perseguiu um homem de roupa preta que, em atitude suspeita, olhava fixamente para Bolsonaro.
“Tinha um cara de preto. Calça preta, camisa preta. Encostado ali na mureta. E ele ficou assim, sabe, parado e olhando para o presidente, no caso o então deputado. Ele não tinha sido eleito. O cara encostou assim, mas ficou bem próximo a ele. Aí eu percebi, já encostei no cara. Dei a volta aqui e fui para atrás do cara. Eu pensei: que cara estranho. Eu imaginei que o cara fosse ali tentar alguma coisa contra ele ali. Aí ele percebeu que eu estava atrás dele ali, ele olhou para trás, duas vezes. Percebeu que eu estava de olho ali, ele acendeu um cigarro e atravessou a pista. Eu atravessei atrás dele. Achei o cara estranho, então atravessei atrás dele. Correu, meteu o pé, saiu voado”, afirmou.
Na segunda parada em Juiz de Fora, num hospital para tratamento de câncer, Max teria sido abordado por um homem bem vestido que, apresentando-se como do serviço reservado da Polícia Militar, teria lhe relatado “um informe” de que “vão fazer uma sacanagem com o nosso presidente hoje”.
O interlocutor, cujo nome não sabe, teria tirado do bolso interno do paletó um mapa e alertado:
“Aí ele pegou aquele papel, botou ali no capô do carro, e falou: ‘Aqui é zona vermelha, concentração do PT. Tudo quanto é coisa ruim está aqui. Ele não pode ir para esse lado. É uma rua e uma praça. Do lado da praça tem uma rua e aqui é uma área vermelha’, contou Max no podcast.
A rua seria a Halfeld, e o fato foi relatado à equipe de segurança. Bolsonaro, mesmo assim, caminhou pela rua e não usou o colete à prova de balas que o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Juiz de Fora, Aloísio Vasconcelos, organizador da visita, viu no carro dirigido por Max, no curto trajeto que os dois fizeram juntos, entre o hospital e o hotel, onde Bolsonaro discursou para uma plateia de empresários.
Aloisio Vasconcelos me deu entrevista para o documentário (que a Justiça, acionada pela deputada bolsonarista Júlia Zanatta, manteve no YouTube, mas a plataforma, voluntariamente, censurou às vésperas da eleição de 2022).
No mesmo documentário, entrevistei um garçom do restaurante Assunta, onde Bolsonaro almoçou, e que viu Jair Bolsonaro e Carlos Bolsonaro em conversa tensa sobre colete à prova de balas. O Assunta é um dos mais chiques restaurantes de Juiz de Fora, mas, na entrevista, Max mente que todos eles almoçaram naquele dia em um self service.
“Fomos comer um negócio na rua, um restaurante self service desses bem simples. O presidente sempre gostou disso. Nunca ostentou essa situação aí de muito luxo”, declarou. Ele contou que foram, então, para o Parque Halfeld, onde um vídeo registra que Carlos Bolsonaro se trancou no carro ao ver que Adélio se aproximava.
No podcast, Max não toca nesse fato – nem é questionado –, diz que havia um mar de gente e Bolsonaro, contrariando a orientação de segurança, caminhou pela rua Halfeld, carregado por apoiadores. Sem colete. Ele disse que soube que Bolsonaro teria sido ferido quando ouviu um tiro.
Não houve disparo de arma de fogo, mas ele diz que o tiro teria sido feito para quebrar o cadeado da “garagem” para onde Adélio foi levado por policiais, que o protegeram de linchamento.
Não era garagem, mas um sobrado comercial e a porta foi aberta por pressão dos que protegiam Adélio, que obrigaram o dono de um chaveiro que funciona no local a abrir a porta. Ele também relatou que o tiro talvez tivesse sido dado para outro motivo: dispersar a multidão. Não houve esse tiro.
Bolsonaro foi, efetivamente, colocado no carro dirigido por Max e levado para a Santa Casa. “Quando cheguei no hospital, eu desci, peguei uma maca, uma cadeira. Alguém falou, pega uma maca, pega uma maca. No início, tinha uma cadeira. Aí eu peguei a maca. Ele deitou assim na maca. Estava bem, sabe. E eu não vi sangue ali. Zero de sangue, zero. Camisa amarela, só via a roupa cortada. Aí o médico veio, olhou. Aí eu levantei a camisa. Eu vi um cortezinho, desse tamanho. Cortezinho pequeno, sei lá, três centímetros. Eu imaginei que aquilo fosse objeto cortante, sei lá, o cara passou a faca. Ia fazer uma assepsia ali, dar dois pontinhos”, afirmou.
Ele disse ainda que percebeu que Bolsonaro estava gelado ao tirar os sapatos do candidato e tocar nos seus pés. O médico que o atendeu teria feito uma ultrassonografia, que não constatou nenhum ferimento mais grave. Na sequência, o teria levado para a tomografia, que, segundo suas palavras, constatou hemorragia interna.
“Centro cirúrgico, centro cirúrgico!”, teria gritado o médico ao ver o exame de tomografia. Max diz que acompanhou de perto a cirurgia, juntamente com Carlos. Ele omitiu que Bebianno estava lá, segundo relato que este fez em uma de suas últimas entrevistas. Segundo Bebianno, Carlos “chorava copiosamente”.
Max contou que, após a cirurgia, começou a retornar as ligações feitas quando a notícia do ataque de Adélio já era pública, mas seu celular tinha sido desligdo. E falou com Flávio Bolsonaro. No podcast, contou que disse ao então candidato a senador que o ferimento do pai não era grave. Em sua primeira entrevista, Flávio diria isso à imprensa.
Se foi ele mesmo quem relatou o estado de saúde de Bolsonaro, não bate com o que disse ter testemunhado antes do telefonema a Flávio Bolsonaro.
Max conheceu Bolsonaro no final de 2013, quando era sargento do Bope, a elite da PM do Rio de Janeiro. Fabrício Queiroz, ligado ao miliciano Adriano da Nóbrega, o Capitão Adriano, aquele que foi morto por policiais na Bahia, disse que foi ele quem apresentou Max ao então deputado federal.
Desde então, mesmo no Bope, Max começou a auxiliar Bolsonaro, como ele mesmo conta. Durante a campanha, em 2018, tirou férias e licenças, para se dedicar integralmente à campanha eleitoral. Em janeiro, foi nomeado assessor especial do gabinete da Presidência da República.
No final do ano passado, depois de perder as eleições para deputado, foi nomeado como um dos assessores a que os ex-presidentes têm direito. O capitão do Exército Sergio Rocha Cordeiro também foi nomeado.
Ambos obtiveram certificado falso de vacina contra covid -19, documento exigido para entrar nos Estados Unidos, juntamente com Jair Bolsonaro. Os dados da vacina foram foram inseridos fraudulentamente no sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde.
Pelo documento, eles teriam sido imunizados com Jair Bolsonaro e a filha deste nos mesmos dias em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Os quatro estavam distantes dali no dia da aplicação, o que caracteriza absoluta fraude.
A pergunta que não quer calar: “Se Bolsonaro é capaz de falsificar cartão de vacina, será que ele também seria capaz de falsificar outros eventos da sua trajetória política, como caso de Juiz de Fora?”
Para o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que é subprocurador-geral da república aposentado, a resposta é sim. Mas ele adverte: essas investigações devem ser feitas com cuidado redobrado.
“Eu tenho para mim que isso que aconteceu hoje é que o pano de véu, a pontinha do iceberg”, disse, em entrevista à TV 247.
“Quem é capaz de fazer isso, é capaz de fazer muitas outras coisas também. (…) E eu tenho certeza de que o ambiente em torno do Bolsonaro, um ambiente extremamente violento, um discurso violento, de violência, de ligação com o submundo da polícia miliciana do Rio de Janeiro, isso tudo cria uma tendência criminógena muito grande”, acrescentou.
“Realmente a gente está descobrindo que a gente foi dominado durante quatro anos não era mero discurso: ‘Ah, o Bolsonaro e seus milicianos’. Não, que realmente o submundo do crime do Rio de Janeiro chegou ao Planalto. Então, eu acho que há muita coisa que ainda pode vir à tona, muita coisa. Então, a gente tem que tratar essas informações com muito cuidado, com muita robustez, para a gente não dar margem para anulações, para que depois não coloquem Bolsonaro como vítima”, finalizou Aragão.
Veja o vídeo da entrevista com Eugênio Aragão: