Assinatura do Tratado de Latrão cria o Estado do Vaticano

Acordo com a Itália de Mussolini pôs fim às reivindicações territoriais da Santa Sé



Vista da Basílica de São Pedro, no Vaticano; Estado se resume a um bairro cravado em Roma

O Tratado de Latrão, lavrado entre o então Reino da Itália e a Santa Sé, é ratificado em 7 de junho de 1929, dando fim à chamada “Fronteira Ferroviária”. Os pactos consistiam em três documentos que reconhecem: total da soberania da Santa Sé no Estado do Vaticano; a predominância da religião católica no Estado italiano; convenção financeira acordando a liquidação definitiva das reivindicações da Santa Sé por suas perdas territoriais e de propriedade.

Os acordos haviam sido assinados no palácio de Latrão em 11 de fevereiro de 1929, entre o Estado italiano, representado por Benito Mussolini, e a Santa Sé, representada pelo cardeal Gasparri, secretário de Estado do papa Pio XI. Os documentos regularam a “questão romana” que envenenava as relações entre o papado e o Estado unitário italiano, depois que este tinha anexado Roma em 2 de outubro de 1870, pondo fim à existência milenar de Estados Pontificados.

O papado, que dispunha já de uma soberania internacional reconhecida, reforça sua posição com a obtenção de um base territorial: é a criação do Estado do Vaticano, reduzido a um bairro encravado em Roma. As relações entre a Santa Sé e o Estado italiano, por outra parte, foram normalizadas por uma concordata que conferia ao catolicismo um estatuto de religião de Estado na Itália, autorizava o ensino religioso nas escolas e proibia o divórcio. Em contrapartida, Mussolini obtinha o reconhecimento pelo papado do Estado unitário italiano e, mais amplamente, o apoio dos católicos italianos. Este acordo constituiu um dos maiores êxitos do regime fascista em seu apogeu. De seu lado, o papa Pio XI via nos acordos a restauração da Itália a Deus e de Deus à Itália.

Em 1870, o general Cadorna invade os Estados Pontificados e Roma tornando-a a presunta capital do Reino da Itália. O papa Pio IX é obrigado a se refugiar no Vaticano e se considera prisioneiro. Em 1871, o parlamento italiano vota a “Lei de Garantias” a fim de assegurar as prerrogativas do papa, que as recusa, provocando um desacordo que duraria 60 anos. Somente no fim da Primeira Guerra Mundial é que a Igreja, o governo italiano e os liberais moderados se reaproximam. Com a chegada do fascismo, a Igreja aposta nos setores menos hostis do regime de Mussolini Isto se traduz na reforma das leis eclesiásticas de 1923-1925, mas é o discurso de Mussolini de 3 de janeiro de 1925 que marca a restauração das boas relações entre o Vaticano e o governo italiano.

O papa aceita ser soberano temporal apenas sobre o Estado da Cidade do Vaticano e o Estado reconhece a plena propriedade e soberania à Santa Sé. Toda forma de ingerência italiana é afastada. Em compensação, a Santa Sé renuncia a qualquer pretensão sobre os antigos Estados Pontificados, reconhece o Reino da Itália sob a casa de Savoia e Roma como capital. A Itália reconhece em Roma uma “cidade sacra”. Concretamente isto significava que a Itália tomava o Vaticano sob sua proteção e qualquer incidente na Praça de São Pedro era a polícia italiana a intervir.

O novo Estado estaria dotado de serviços públicos: uma estação de trem, serviços postais, uma moeda, a lira vaticana, um órgão de imprensa, Osservatore Romano, uma rádio e um canal de televisão.

O Estado do Vaticano, instrumento da Santa Sé, foi assim definido no preâmbulo do tratado: “Dado que, para assegurar à Santa Sé a independência absoluta e visível, é preciso lhe garantir uma soberania indiscutível, mesmo no domínio internacional, dá-se conta de que é necessário constituir, com características específicas, a Cidade do Vaticano, reconhecendo à Santa Sé, sobre essa mesma cidade, a plena propriedade, o domínio exclusivo e absoluto e a jurisdição soberana.”

O papa é reconhecido com o chefe de Estado temporal do Vaticano com todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário. O governo efetivo é delegado a um governador-geral. Em caso de vacância, o poder passa ao Sagrado Colégio de Cardeais.

O novo território pontifical mede 44 hectares. Trata-se essencialmente da Praça de São Pedro, da basílica homônima, do Palácio do Vaticano e dos jardins circundantes. O conjunto é cercado por uma fronteira fixada por ocasião dos acordos, constituída por muros com cinco pontos de acesso. Somente a Praça de São Pedro e a basílica são livremente acessíveis. Mussolini tinha proposto incluir outros edifícios no novo Estado, porém Pio XI recusou, afirmando: “Ficará claro para todos, esperamos, que o Soberano Pontífice só dispõe na verdade dessa porção de território indispensável para o exercício de um poder espiritual confiado aos homens para o benefício dos homens.”

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