‘Assumo minha responsabilidade enquanto ministro de Estado’, diz Silvio Almeida sobre morte de líder quilombola

Ministro do governo Lula falou sobre os erros do Estado em proteger os defensores de direitos humanos

Caroline Oliveira, Beatriz Drague Ramos e Igor Carvalho
Brasil de Fato
Silvio Almeida lamentou a morte da liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, Maria Bernadete Pacífico – Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, lamentou a morte da liderança quilombola Maria Bernadete Pacífico, que foi executada aos 72 anos de idade, na noite desta quinta-feira (17), em Simões Filho, região Metropolitana de Salvador.

“Nós não queremos mais mártires. Queremos que os defensores dos direitos humanos possam atravessar esse caminho em direção a uma sociedade mais justa vivos e junto conosco. O dever do Estado agora, em um governo de esquerda, é aperfeiçoar os mecanismos de proteção aos defensores de direitos humanos”, disse o ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em um jantar promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na noite desta sexta-feira (18).

“É responsabilidade do Estado. Eu estou falando como ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. Eu assumo a minha responsabilidade, em nome do Estado brasileiro. Nós não podemos aceitar o absurdo desse que aconteceu com Bernadete. Nós não podemos aceitar essas falhas do Estado brasileiro e eu falo como ministro de Estado.”

O ministro também afirmou que existem uma série de “problemas” estruturais no Brasil, que não permitem a proteção plena dos defensores de direitos humanos. Nesse sentido, disse que o povo brasileiro precisa estar organizado para mudar a sociedade.

“Vivemos em um país que despreza os defensores de direitos humanos e por isso existe uma série de problemas que existem mesmo quando o Estado quer defender os direitos humanos. A população que morre não depende só de boa vontade. Só pode mudar a situação do Brasil com o povo organizado. Se o povo não estiver organizado, não vamos conseguir fazer nada. O papel do governo popular, de esquerda, é ajudar o povo a se organizar. A sociedade não vai mudar sem uma conexão fundamental com o povo”, afirmou.


Bernadete lutava há seis anos pela responsabilização dos envolvidos no assassinato de seu filho, Binho do Quilombo / Conaq

Em 2016, Bernadete foi incluída em um programa de proteção federal, mas com execução de responsabilidade do estado, pouco antes de seu filho ser assassinado. Fábio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, foi executado com 10 tiros, em frente à Escola Centro Comunitário Nova Esperança, em Pitanga dos Palmares, a duas quadras da casa de sua mãe.

“O programa de proteção eram as câmeras lá onde ela morava, na roça, e a polícia ia lá uma vez no dia, ficava 20, 30 minutos e voltava. Não ficava 24 horas. Na hora que executou minha mãe dentro de casa, juntamente com os netos, cadê a proteção?”, disse Jurandyr Pacífico, outro filho de Bernadete, à Agência Brasil. 

Além de sua atuação como liderança em defesa dos direitos de quilombolas, Maria Bernadete também vinha cobrando das autoridades mais segurança para o Quilombo Pitanga dos Palmares. Ela, inclusive, chegou a falar sobre o assunto com a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Estava inserida em algum programa de proteção do Estado brasileiro que miseravelmente não funcionou. O Brasil é um país tão absurdo que mesmo quando reconhece de alguma forma as ameaças a um defensor dos direitos humanos, as condições estruturais não permitem a proteção das pessoas”, disse o ministro Silvio Almeida nesta sexta-feira (18).

Execução de Maria Bernadete Pacífico

Liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, Maria Bernadete Pacífico foi executada na noite da última quinta-feira (17), dentro de um terreiro no município. Ela também era membro da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).

Em nota, a Conaq lamentou a execução de Bernadete. “Sua dedicação incansável à preservação da cultura, da espiritualidade e da história de seu povo será sempre lembrada por nós. Sua ausência será profundamente sentida. Seu espírito inspirador, sua história de vida, suas palavras de guia continuarão a orientar-nos e às gerações futuras.”

“Mãe Bernadete, agora silenciada, era uma luz brilhante na luta contra a discriminação, o racismo e a marginalização. Atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas as adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho. Nessa luta, com coragem, desafiou o sistema e, como tantas mulheres, colocou seu corpo e sua voz na defesa de uma causa com a qual tinha um compromisso inabalável. Sua voz ressoava não apenas nas reuniões e eventos, mas também nos corações daqueles que acreditavam na mudança”, diz a Conaq em nota.

A organização também ressaltou que o assassinato de Bernadete revela “a crueldade das barreiras que se colocam no caminho de quem luta”. “Enquanto lamentamos a perda dessa corajosa liderança, também devemos nos unir em solidariedade e determinação para continuar o legado que ela deixou. Que sua memória inspire novas gerações a continuar a luta por um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas, todas as culturas e religiões sejam respeitadas e todos os direitos sejam protegidos”, diz o documento.

Jantar com o MST

jantar foi promovido pelo MST em apoio ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, no Armazém do Campo, na região central de São Paulo, com o objetivo é reconhecer a “atuação de Silvio Almeida em defesa do povo brasileiro” e sua luta pela democracia.

O encontro ocorreu após a possibilidade do Ministério dos Direitos Humanos entrar na reforma ministerial articulada entre o governo federal e o centrão, em troca de apoio no Congresso Nacional. Segundo relatos à CNN Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), hoje comandado por Wellington Dias, deverá ser chefiado pelo deputado federal André Fufuca (PP-MA). Há cerca de um mês, em 14 de julho, Daniela Carneiro, então ministra do Turismo, já havia sido substituída por outro integrante do centrão: o também deputado federal Celso Sabino (União Brasil-PA).

Em meio às trocas, passou a ser ventilada a possibilidade de troca de chefia no Ministério dos Direitos Humanos. Nesse contexto, algumas entidades ligadas ao movimento negro publicaram uma nota em apoio a Almeida.

Em nota divulgada em 31 de julho, as entidades afirmam que esperam que a representativa negra seja respeitada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “A manutenção do ministro Silvio Almeida é uma sinalização de que o presidente Lula exerce um governo para todos os brasileiros e brasileiras, em especial aqueles que mais necessitam do Estado. (…) Compreendemos a necessidade da constituição de uma sólida base parlamentar para que o governo se desenvolva, mas esperamos que a nossa representatividade no governo seja respeitada”, afirmam as organizações, lideradas pela Convergência Negra.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *