Aulas suspensas por causa de tiroteios são rotina no Rio

Escola municipal Daniel Piza, onde estudava Maria Eduarda: mais uma a entrar nas estatísticas da violência na cidade
Escola municipal Daniel Piza, onde estudava Maria Eduarda: mais uma a entrar nas estatísticas da violência na cidade Foto: Fabiano Rocha
Bruno Alfano

“Ô, professora. Tá na hora da senhora ir para casa”. O aviso foi dado por um soldado do tráfico dentro de uma escola municipal do Rio. A diretora da unidade deveria fechar a escola — que já estava sem alunos — porque o prédio seria usado de base para a troca de tiros com bandidos de uma facção rival. O tiroteio durou a noite toda e, no dia seguinte, as aulas foram suspensas. No total, o ano de 2016 só teve 43 dias sem escolas fechadas por conta da violência: foram 157 dos 200 dias letivos com pelo menos uma escola impedida de funcionar por estar em área conflagrada. Mais de 115 mil estudantes ficaram ao menos um dia sem aulas normais.

Neste domingo, o secretário municipal de Educação, Cesar Benjamin, acusou policiais militares pela morte de Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, atingida por três tiros dentro da Escola municipal Jornalista Daniel Piza, em Fazenda Botafogo, Zona Norte.

No texto publicado em seu perfil no Facebook, o secretário afirma que “não resta dúvida de que os assassinos foram policiais militares que, de uma distância de 250m, decidiram alvejar com tiros de fuzil dois homens que transitavam armados”.

Um em cada 5 alunos

Ao todo, a rede municipal de Educação tem 641 mil alunos. Isso significa que um em cada cinco estudantes da rede já perdeu aula por falta de condições de segurança. Na última quinta-feira, não deu tempo de suspender as atividades da escola de Maria Eduarda. Por volta de 16h, ela foi baleada durante a aula de Educação Física, e morreu dentro do prédio. Nos últimos três anos, a escola fechou 42 vezes — só em 2016, foram 11 interrupções.

— Onde a gente mora tem tiroteio todo dia — conta uma estudante de 16 anos, que era colega de Maria Eduarda no Daniel Piza: — Já fiquei com medo de ir para a escola. Nós só sabemos na porta.

Nesta segunda-feira, a família de Maria Eduarda será ouvida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio.

Um crime, duas versões

O sargento David Gomes Centeno, um dos dois policiais militares flagrados executando dois suspeitos deitados, em Fazenda Botafogo, deu duas versões diferentes sobre o crime na Delegacia de Homicídios (DH). Na primeira delas, Centeno, no momento em que o registro de ocorrência do caso foi elaborado, omitiu ter atirado no homem já caído. O sargento se limitou a dizer que ele e seu colega de farda, o cabo Fábio de Barros Dias, foram alvo de disparos dos bandidos e que, após continuarem avançando pelo local, “observaram dois homens caídos ao solo”.

Num segundo relato a agentes da DH, Centeno admite que fez o disparo contra o suspeito, “acreditando que pudesse haver risco pessoal”, porque o homem portava uma pistola. Na delegacia, Centeno e Dias apresentaram duas pistolas e um fuzil como armas utilizadas pelos dois suspeitos.

A DH, agora, investiga a origem dos disparos que atingiram Maria Eduarda. Segundo o laudo de necrópsia da menina, os três tiros que a acertaram vieram da mesma direção — da direita para a esquerda, de baixo para cima.

Nas redes sociais, pais de alunos de escolas públicas criticaram a promessa anunciada por Crivella após a morte de Maria Eduarda, de blindar muros das escolas da rede municipal: “Não queremos muros blindados, até porque o trajeto até a escola não tem muros”, diz um trecho do texto.

Diretores pedem orientação

Diretores e professores tentam encontrar medidas, junto à Secretaria municipal de Educação (SME), para diminuírem os prejuízos aos estudantes. Um grupo de trabalho foi criado no último mês para discutir caminhos. Um dos debates é sobre a decisão de fechar ou não a escola, que atualmente fica a cargo só do diretor. O problema é dilema do diretor: se fechar muitas vezes, compromete o ano letivo; se não fechar, corre o risco de alguém ser baleado. Por isso, os gestores discutem parâmetros objetivos para nortear essa tomada da decisão.

— A nossa ideia não é tirar a autonomia dos diretores. O que a gente precisa é um padrão de análise — afirma um diretor escolar que compõe esse grupo de trabalho junto à SME: — No mesmo dia em que a menina morreu (em Acari), um caveirão parou na porta da minha escola. Só não houve uma tragédia porque Deus não quis. Entenda: nós não somos contra a polícia. O que nós queremos é que as operações levem em consideração a existência de uma escola cheia na linha de tiro.

Os constantes episódios de violência trazem um problema adicional a essas escolas: nem todo profissional da educação consegue lidar com a violência. Uma diretora contou ao EXTRA que, num dia de tiroteio, uma professora decidiu largar a escola; um outro teve pico de pressão alta e um terceiro desmaiou na unidade escolar.

— Para trabalhar aqui (uma região conflagrada) precisa ter um perfil específico. Senão o professor não aguenta. Quem decide ficar, é porque ama a educação. Ama os estudantes — disse a diretora.

‘Eu acho chato, né, ter que viver no tiroteio’

depoimento de X., aluna de 16 anos do colégio onde Maria Eduarda estudava

“A gente chega na escola e o diretor fala que está fechada. Não é comum, mas acontece às vezes. No dia em que a Duda foi morta, eu estava quase chegando lá na escola, e o Caveirão estava vindo. Uma mulher falou: “Nem, não vai para lá”, mas eu não liguei. Eu estava indo tarde, porque só tinha a aula de educação física. Quando estava na porta, já para entrar, eu vi bandidos do outro lado e a polícia aqui. Uma bala passou do meu lado. Cheguei para o canto da parede para não morrer. Por muito pouco não me acertou. Quando eu cheguei lá, os policiais já começaram a correr. E aí os alunos também correram, mas ela ficou por último. Teve uma outra vez que eu estava chegando ao colégio e tive que entrar na casa de uma mulher para me proteger. Eu não conhecia ela, mas essa mulher me chamou para me proteger e deixou eu ficar lá. Eu acho chato, né, ter que viver no meio do tiroteio, mas os alunos também têm que ir para a escola. A gente não pode ficar sem aula, só que sempre tem tiro.”

Fonte: Extra

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