Aumento no índice de mulheres com problemas de coração preocupa

Por Taty Bruzzi
Aumento no índice de mulheres com problemas de coração preocupa
No dia Internacional da Mulher, a busca por direitos iguais dá passagem para outro fator preocupante. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 400 mil pessoas morrem no Brasil, sendo 250 mulheres por dia, vítimas de problemas cardíacos.

O Espelho Meu conversou com o Dr. José Lima Oliveira Junior, Cirurgião Cardiovascular do InCor e Especialista em Transplante de Coração, que alerta para o problema que atinge não só o Brasil como o mundo, em especial os países ocidentais.

Para o profissional, que também é Coordenador da Comissão de Remoção de Órgãos da ABTO e Idealizador dos Projetos Sociais Setembro Verde e Dezembro Rosa, o quadro se dá por influência de diversos fatores.

“Toda pessoa carrega algum antecedente familiar, alguma predisposição genética, para o desenvolvimento de uma série de doenças, entre elas as cardiovasculares”, alerta.

No entanto Dr. Lima, como é conhecido, afirma que o estilo de vida cada vez mais urbano tem exposto a população. Para ele, há uma série de fatores de risco ambientais e comportamentais.

“Vivemos mais estressado, com menos tempo para a prática de atividade física rotineira e um estilo de vida cada vez mais urbano, caminhando menos e se deslocando cada vez mais com automóveis próprios ou coletivos”, diz.

Além disso, o cardiologista alerta para a má alimentação. “As pessoas estão se alimentando cada vez mais fora de casa. Com menos tempo para se alimentar perde-se a qualidade da alimentação, que passa a ser mais rica em gordura de origem animal e em sódio, e mais pobre em cereais e vegetais”, opina.

Há ainda uma redução do consumo de gordura de boa qualidade, das substâncias conhecidas como cardioprotetoras, em especial o ômega 3, e seus derivados presentes no peixe e nos frutos do mar.

“No Brasil, essa urbanização acaba fazendo com que se fume mais e consumam uma quantidade maior de sal na dieta, cerca de 8g a 12g de sal diariamente, enquanto o preconizado pela Organização Mundial de Saúde é de, no máximo, de 4g a 6g”, explica.

Por conta disso, o especialista acredita que a prevalência de hipertensão arterial em decorrência dessa alimentação, do stress do dia a dia, da falta de atividade física, tem correlação direta com o aumento do número de doenças cardiovasculares.

“Em especial o infarto e o AVC, que são as duas doenças que mais matam no mundo todo, também no Brasil. Tudo o que está em volta desse estilo de vida cada vez mais urbano tem uma correlação direta com o aumento não só do número, mas também da gravidade das doenças cardiovasculares”, afirma.

As doenças cardiovasculares matam seis vezes mais que o câncer de mama

Nos últimos dez anos houve um aumento no número e gravidade das doenças cardiovasculares na população feminina. Hoje, é possível afirmar que doenças do coração matam seis vezes mais que o câncer de mama.

Para o profissional, o motivo que teria desencadeado esse quadro é o estilo de vida cada vez mais parecido com o dos homens, expondo as mulheres a fatores de risco que antes eram eminentemente masculinos.

“Por conta de algumas particularidades fisiológicas e anatômicas do sistema cardiovascular feminino, o impacto na população feminina é maior. A mortalidade associada à doença cardiovascular nas mulheres é maior que nos homens”, revela.

O profissional explica que as doenças cardiovasculares mais comuns nas mulheres são as isquêmicas, comuns também nos homens como o infarto agudo do miocárdio, a morte súbita e a angina de peito.

Além disso, há ainda as doenças cerebrovasculares como o acidente vascular cerebral, AVC hemorrágico e AVC isquêmico. Quanto aos fatores de risco, além dos já citados, o cardiologista alerta ainda para a associação do uso de anticoncepcional oral e do tabagismo.

“Aumenta-se em quase 3 vezes o risco de desenvolvimento de alguma doença cardiovascular quando se compara às mulheres que não usam anticoncepcional oral e fumam, simultaneamente”, ressalta.

Prevenção ainda é o melhor caminho

O Dr. Lima explica que com o amento no número de doenças cardiovasculares na população feminina, e que tem se apresentado em faixas etárias cada vez mais precoces, é fundamental estar atento a essas modificações chamadas de epidemiológicas na medicina.

Assim, o ideal seria que as mulheres comecem a procurar um cardiologista não apenas após a menopausa, mas a partir dos 35, 40 anos. Principalmente, aquelas que fazem uso de anticoncepcional oral.

“Além de passar por um ginecologista ela também deve ir ao cardiologista para que ele faça essa estratificação de risco de alguma doença cardiovascular e possa começar com medidas de prevenção, não só com recomendação de hábitos de vida mais saudáveis”, aconselha.

O profissional explica que ao diagnosticar e iniciar o tratamento precoce do diabetes ou do colesterol elevado, por exemplo, reduz-se o risco de desenvolver doença cardiovascular.

“Prevenir é o único caminho para se evitar, do ponto de vista populacional, que nós tenhamos um grupo de pessoas com sequelas importantes, qualidade de vida prejudicada, porque não se submeteu a alguma prevenção de doença cardiovascular”, alerta.

Transplante de coração é indicado em último caso

Como especialista em transplante de coração pela USP, pelo Instituto do Coração e pela Associação Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, o profissional afirma ter observado um aumento significativo não só do número de cirurgias cardiovasculares em mulheres, como também de procedimento invasivos.

Neste último caso, ele esclarece que seria um tratamento hemodinâmico com uso de stents, conhecido como angioplastia. Além disso, há ainda um aumento no número de mulheres passando por tratamento clínico de doenças cardiovasculares nos consultórios.

Para ele isso ocorre pela falta de contato com uma política pública de prevenção de doença cardiovascular focada na população feminina, tornando inevitável um aumento no número de doenças cardiovasculares em mulheres, pacientes, portadora de alguma doença cardiovascular já instalada.

Já em relação à cirurgia cardiovascular em mulheres, o especialista explica que irá variar conforme cada método pelo qual a paciente for submetida. Para algumas cirurgias o sexo feminino será fator de risco.

“As doenças cardiovasculares nas mulheres tendem a ter gravidade e mortalidade maior. Há uma tendência em se apresentarem um pouco mais tarde e os sintomas não são tão específicos quanto na população masculina. O tratamento é um pouco mais complicado e os resultados não são tão bons quanto os dos homens”, revela.

Segundo o profissional, o transplante é a alternativa final para o paciente que tem insuficiência cardíaca, seja homem ou mulher. Nos países mais ricos como os Estados Unidos e o Canadá a principal causa de indicação de transplante do coração é o que se chama de miocardiopatia isquêmica.

Neste caso, seriam pacientes que sofreram um infarto e têm angina pectoris crônica com insuficiência cardíaca. Dr. Lima explica que no nosso meio há ainda um número muito grande de pacientes com insuficiência cardíaca.

“Decorrentes de hipertensão arterial sistêmica não diagnosticada, não tratada adequadamente, importadores de doenças de chagas”, conta. Para ele, quando não se tem mais nenhuma alternativa de tratamento clínico ou cirúrgico, esse paciente é alocado na fila de transplante de coração.

“Hoje, os resultados vêm melhorando progressivamente e a expectativa de vida está ao redor de 80% em 15 anos, o que é muito se levarmos em consideração que esse paciente na fila vai viver no máximo 1 ano sem qualidade de vida. Essa é a alternativa final, de exceção. O que nós precisamos fazer é prevenir, principalmente na população feminina”, opina.

A boa notícia é que tanto o transplante de coração quanto a colocação de um marcapasso são meios de agregar qualidade de vida para os pacientes. No entanto, o cardiologista explica que ambos terão que usar medicamentos para o resto da vida.

O especialista diz que a vida levada por esses pacientes não é normal. Eles se submetem a medicamentos diários e exames de controle. No entanto, é uma qualidade de vida próxima com a de uma pessoa saudável e da mesma faixa etária. Além disso, incomparavelmente melhor que a levada antes do procedimento.

“Temos que tomar cuidado toda vez que fizermos comparações com a qualidade de vida logo após um procedimento, principalmente quando ele é invasivo”, diz o profissional.

“Você não pode estabelecer uma comparação com quem anda saudável, para a mesma faixa etária, para os mesmos fatores de risco. A sua comparação tem que ser com a própria condição clínica do paciente antes da sua intervenção. Há uma melhora substancial da qualidade de vida sim”, finaliza.

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