Barroso vota contra abrir processos disciplinares envolvendo juízes da Lava Jato

O julgamento foi retomado nesta quarta e vai até 7 de junho no Plenário Virtual do CNJ

Luís Roberto Barroso
Luís Roberto Barroso (Foto: Fellipe Sampaio/STF)

Conjur – O presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luís Roberto Barroso, votou nesta quarta-feira (29/5), no Plenário Virtual do CNJ, contra abrir processos administrativos disciplinares que visam apurar condutas de quatro magistrados que atuaram em casos da “lava jato”. O julgamento foi retomado nesta quarta e vai até 7 de junho na plataforma.

Para Barroso, o afastamento de magistrados deve ser medida excepcional, cuja necessidade não está configurada no caso. O ministro não viu indícios de descumprimento deliberado de decisões do Supremo Tribunal Federal por parte do juiz federal convocado Danilo Pereira Junior e dos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Loraci Flores de Lima e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, além de não enxergar indícios de crime por parte da juíza federal Gabriela Hardt.

Em 15 de abril, o corregedor Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, levou ao colegiado a decisão que determinou o afastamento dos quatro magistrados e votou pela abertura de processos disciplinares. Com voto de Barroso, o CNJ derrubou os afastamentos de Gabriela Hardt e Danilo Pereira, mas a maioria decidiu manter os desembargadores afastados. Na ocasião, Barroso pediu vista para analisar a questão da abertura dos processos disciplinares.

Ao devolver o caso para julgamento nesta quarta, Barroso ressaltou que magistrados precisam atuar sem medo de represálias para prestar o melhor serviço possível à sociedade. “Ao decidir litígios, juízes sempre desagradam um dos lados em disputa, às vezes ambos. Para bem aplicar o direito, magistrados devem ter a independência necessária. A banalização de medidas disciplinares drásticas gera receio de represálias, e juízes com medo prestam desserviço à nação.”

O presidente do CNJ divergiu sobre a abertura de processos. Ele avaliou ainda que a medida seria desproporcional, considerando que o juiz federal Eduardo Appio, investigado por condutas semelhantes, teve sua apuração arquivada por meio de um acordo com a Corregedoria do CNJ num termo de ajustamento de conduta, pelo qual apenas pediu transferência para outra vara.

O ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil-PR) também é parte em uma das reclamações disciplinares, mas o procedimento foi desmembrado quanto a ele a pedido de Salomão. A decisão sobre a abertura de PAD contra Moro também está pendente.

Punições cabíveis – Se forem condenados nos PADs, os quatro julgadores vão receber alguma das sanções disciplinares regulamentadas pela Lei Orgânica da Magistratura: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória ou demissão. Se houver indícios de crime de ação pública incondicionada, uma cópia do processo deve ser enviada ao Ministério Público. Como Moro não é mais juiz, o CNJ pode enviar notícia-crime ao MP para dar andamento a uma investigação criminal contra ele.

Salomão afirmou nesta terça que Gabriela Hardt praticou condutas que, em tese, podem ser enquadradas em tipos penais como peculato, corrupção privilegiada e corrupção passiva, além de infrações administrativas.

Magistrados afastados  Em 15 de abril, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, afastou Thompson Flores, Loraci Flores e os juízes Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior. A decisão foi resultado da correição promovida pelo CNJ na 13ª Vara de Curitiba e no TRF-4.

Salomão afirmou que os fatos apontados na correição são graves, como o “atípico direcionamento dos recursos obtidos a partir da homologação de acordos de colaboração e de leniência exclusivamente para a Petrobras” e a “discussão prévia” de Hardt em um aplicativo de mensagens, antecipando sua decisão.

Para advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a decisão do corregedor nacional de Justiça mostrou que a finada “lava jato” tinha muitos tentáculos e um projeto de poder.

No dia seguinte, o Plenário do CNJ, por 9 votos a 6, manteve o afastamento de Thompson Flores e Loraci Flores, mas revogou o de Gabriela Hardt e de Danilo Pereira Junior.

O presidente do TRF-4, desembargador Fernando Quadros da Silva, convocou os juízes federais Bianca Cruz Arenhart e Gerson Godinho para substituir na 8ª Turma da corte os dois desembargadores afastados.

Esqueletos no relatório – O relatório final da correição na 13ª Vara mostrou que não foi feito inventário para indicar onde foram guardados todos os itens apreendidos pela “lava jato”, como obras de arte, e não foi possível identificar uma série de bens e recursos, entre eles os confiscados no exterior.

O resultado parcial do trabalho do CNJ, divulgado em agosto de 2023, já demonstrava a bagunça da 13ª Vara. A conclusão é que houve uma “gestão caótica” no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público e homologados por Sergio Moro.

Por meio desses acordos, o grupo de procuradores da “lava jato” recolheu e repassou à Petrobras R$ 2,1 bilhões entre 2015 e 2018, com autorização da 13ª Vara Federal, a título de ressarcimento pelos desvios praticados.

Esses valores permitiram à Petrobras, que era investigada por autoridades americanas, firmar acordo no exterior, segundo o qual o dinheiro que seria devido fora do Brasil acabaria investido na criação de uma fundação com o objetivo de organizar atividades anticorrupção.

Um outro levantamento, feito pelo Tribunal de Contas da União, identificou irregularidades na destinação de valores obtidos em acordos de leniência na ordem de R$ 22 bilhões. Segundo o TCU, o dinheiro foi movimentado sem que houvesse qualquer preocupação com transparência.

Em julgamento de setembro passado, o ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, lembrou a tentativa da “lava jato” de Curitiba de criar um fundo bilionário com dinheiro da Petrobras, a ser administrado pelos próprios procuradores, para investir no que chamavam de “projetos de combate à corrupção”. Também disse que o TCU deve frear a transferência de patrimônio do Estado para viabilizar interesses de agentes públicos.

“A grande verdade é que nós temos promotores e procuradores espalhados pelo Brasil que viraram verdadeiros gestores públicos. E o pior: sem a responsabilidade que os gestores públicos têm. O que está acontecendo é a transferência de patrimônio do Estado brasileiro para a gestão de agentes da lei. É disso que nós estamos tratando nesta tarde”, disse Dantas na ocasião.

Triangulação de valores – O acordo assinado entre a Petrobras e os procuradores da “lava jato” para criação da tal fundação permitiria ao grupo de procuradores gerir recursos bilionários. Em troca, a estatal repassaria informações confidenciais sobre seus negócios ao governo norte-americano.

O dinheiro que foi enviado à Petrobras pela “lava jato” apenas para voltar como investimento em uma fundação de combate à corrupção faz parte dos R$ 3,1 bilhões que, em contas superestimadas pelo MPF curitibano, seriam “devolvidos aos cofres públicos”.

Já o acordo assinado entre a Petrobras e os procuradores da “lava jato” para criação da tal fundação permitiria ao grupo de procuradores gerir recursos bilionários. Em troca, a estatal repassaria informações confidenciais sobre seus negócios ao governo norte-americano.

Para viabilizar esse trânsito de dinheiro, o então juiz federal Sergio Moro instaurou um procedimento de ofício com a justificativa de que os valores depositado em contas judiciais “estavam sujeitos a remuneração não muito expressiva”. E ao faze-lo, segundo o CNJ, desrespeitou a lei.

Moro não justificou a existência de algum grau de deterioração ou depreciação ou mesmo a dificuldade para a sua manutenção, como exige o artigo 144-A do Código de Processo Penal. Nem que a destinação imediata era necessária “para preservação de valor de bens”, como prevê ao artigo 4º-A da Lei 9.613/1998.

Assim, o dinheiro de acordos e leniências foi para contas judiciais vinculadas a quem não era parte na representação criminal. Esses valores foram tratados como “ressarcimentos cíveis” pelo juízo criminal, sem observância do critério legal de decretação de perda.

O repasse a Petrobras foi feito sem qualquer indício de que a empresa havia corrigido ou eliminado os problemas internos que haviam permitido a a ocorrência dos crimes apurados pela “lava jato” e enquanto a mesma ainda era investigada pelo Ministério Público de São Paulo e por autoridades americanas.

Isso foi possível porque todas as apurações cíveis a respeito da “violação dos deveres de administração, gestão temerária ou fraudulenta” da Petrobras foram centralizadas na grupo de procuradores de Curitiba e acabaram arquivadas em razão de prescrição.

Faltou zelo – Outro indício de falta de zelo da Justiça Federal paranaense no sistema lavajatista está no fato de acordos de colaboração, de leniência e de assunção de compromissos serem homologados sem apresentação das circunstâncias da celebração e sem as bases documentais das discussões ocorridas entre as partes.

As cláusulas desses documentos prestigiavam a Petrobras, a “lava jato” e a intenção de criar uma fundação privada. Além disso, termos e minutas desses acordos foram discutidos com e avaliados pelo organismo Transparência Internacional, que por anos agiu como sócia dos lavajatistas.

A prévia da correição também destaca o esforço e interlocução dos procuradores de Curitiba junto às autoridades americanas para destinar valores oriundos do acordo firmado com a Petrobras aos interesses lavajatistas.

Um dos exemplos citados é da leniência da Braskem. “Em princípio, constatou-se que os valores apontados obedeceram a critérios de autoridades estrangeiras, o que soa como absurdo, teratológico”, diz o relatório. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

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