Bombardeio em Salvador levou ao poder J.J. Seabra, o homem por trás da Avenida

Projeto grandioso da construção da Avenida provocou inúmeras reclamações de moradores da época

Alexandre Lyrio

Às 13h30 do dia 10 de janeiro de 1912, três tiros de pólvora seca quebraram o silêncio de uma cidade que aos poucos voltava do almoço. Era só um aviso. Uma hora depois, os fortes de São Marcelo, São Pedro e Barbalho voltaram-se contra o próprio patrimônio e iniciaram descargas com munição verdadeira. Inacreditável. Salvador era bombardeada pelas fortificações construídas para lhe proteger.

Foram cinco horas de pânico, 78 tiros de canhão, prédios públicos e privados destruídos, dezenas de feridos. Assim, após o episódio sangrento, fruto de uma briga política entre o então governador da Bahia Aurélio Viana e o governo federal, se deu a subida ao poder de José Joaquim Seabra. Tentando impedir as eleições para o governo, Viana havia ordenado a invasão da Assembleia Legislativa pela Polícia Militar. Alinhado com o presidente Hermes da Fonseca, Seabra teria apoiado a ação violenta.

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Retomado o prédio, dois meses depois da cidade estremecer, era eleito chefe do executivo baiano o homem que abriria a Avenida Sete de Setembro. Por isso, não dá para falar da Avenida Sete sem lembrar de J.J Seabra e do bombardeio. Dos tiros de canhão até a inauguração da nova via passaram-se dois anos e meio. “Uma obra monumental para a época”, afirma o jornalista e pesquisador Nelson Cadena, curador de uma exposição sobre os cem anos da avenida, em cartaz de 1º a 31 de setembro, na Caixa Cultural.

Avenida Sete de Setembro (Foto: Museu Tempostal)

“O mais impressionante é que, cem anos depois, a Avenida Sete ainda é uma das nossas mais importantes artérias, o eixo que liga o Centro Histórico ao restante da cidade”, afirma Adélia Marelin, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, prima terceira de Seabra. “Independente de como subiu ao poder, o fato é que Seabra transformou a vida urbana da cidade”.

De fato. Com respaldo nacional, mesmo depois do bombardeio, Seabra assumiu com apoio popular e colocou em prática ideias reformadoras. É justamente da vontade de transformar a capital em uma cidade mais arejada, de vias largas e mais saudável que surge a avenida de 4,6 mil metros que começa em São Bento e termina no Farol da Barra.

O modelo era francês. Antes de se tornar governador, como ministro da Justiça e Negócios Interiores, promoveu uma reforma estrutural nas ruas do Rio de Janeiro, investindo em grandes obras de saneamento e abrindo avenidas como a Rio Branco. Fez isso depois de visitar Paris. De lá, trouxe para o Brasil conceitos sanitaristas que também transformariam o Centro de Salvador. Assim, J.J. faz com que a cidade “se abra” para o futuro.

“Uma cidade colonial tinha a circulação de pessoas e mercadorias dificultada pelo intricado de suas ruas (…) A reforma urbana do período introduz a modernidade e inaugura largas avenidas na tentativa de romper com o passado”, escreve a professora de arquitetura da Ufba, Eloísa Petti, no livro Europa, França e Bahia, Difusão e Adaptação de Modelos Urbanos.

Poder
Mas era preciso tirar a modernidade do papel. A primeira polêmica envolveu o nome que batizaria a via. Como ex-ministro, Seabra pensou na data de Independência do Brasil para ser homenageada. “Mas havia outro projeto do engenheiro Gerônimo Alencar de Lima que previa a criação de duas avenidas: a Avenida Sete e a Avenida Dois de Julho. A segunda ficaria onde hoje é a Carlos Gomes. Como o projeto não foi pra frente, as pessoas passaram a questionar porque não poderia homenagear a Independência da Bahia”, revela Cadena.

O governador insistiu no Sete de Setembro. E mostrou que realmente tinha poder. Só para se ter uma idéia, desapropriou mais de 300 imóveis para construir a nova avenida. Um terço do custo da obra – 3 mil dos 8,7 mil contos de réis – foi destinado para desapropriar sobrados e casarões do século 19. “Eram pessoas da classe alta. Imagine o poder político de Seabra. Esse pessoal não vendeu barato suas casas”, aposta Cadena.

Inscrição de pedra do ano de inauguração da Avenida é um dos poucos vestígios históricos (Foto: Marina Silva/Correio)

O projeto do engenheiro Arlindo Fragoso passou por cima até de prédios históricos. A Igreja de São Pedro caiu ante o progresso. É aí que surge o Relógio de São Pedro, inaugurado em 1916, instalado no lugar onde ficava o templo. As fachadas frontais das igrejas das Mercês e do Rosário foram derrubadas. O Mosteiro de São Bento, por sua vez, resistiu graças a protestos de intelectuais e religiosos da época. “Por isso que a pista que tem 18 metros de largura no restante da avenida tem apenas 15 em São Bento”, revela Cadena.

No final das contas, a obra foi entregue com tudo pronto. Para que isso ocorresse, foi preciso trazer o mundo para cá. “O asfalto veio de São Valentino, na Itália. As vigas de ferro, 52 toneladas, da Alemanha. O calçamento de pedra portuguesa. A iluminação da General Eletric, de Nova York”, observa o pesquisador. Até a arborização veio de fora. Os oitizeiros foram trazidos do Rio. Seu sombreamento tornou a avenida uma das mais agradáveis da cidade até hoje.

A inaguração da obra lotou as ruas. Mas nada impediu as críticas dos jornais de oposição. “Desperdício de 8,7 mil contos de réis”, estampou o A Tarde. Sim, porque o governador que modernizou Salvador colecionou oposicionistas. E eles acreditavam que Seabra tinha ligação direta e até poderia ter ordenado o bombardeio. Sobre isso há dúvidas. O certo é que, se os canhões não tivessem disparado sua munição naquela tarde, a Avenida Sete hoje não existiria.

Fonte: Correio

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