Brochou: Raul Gil afirma não ter mais tesão

Foto: divulgação/sbt
Gustavo Cunha

Não há nada escondido em Raul Gil. Na figura de voz rouca e grave, os detalhes estão explícitos. Aos 79 anos — e cinco décadas de trabalho na TV —, o paulistano de fala expansiva não teme qualquer pergunta. Nesta entrevista, ele revela os bastidores dos recentes problemas contratuais com o SBT e ainda dá detalhes de sua vida íntima. O jeitão despachado é fruto da maneira leve com que lida com o tempo: “Na forma de viver, tenho 40 anos”, ressalta.

Como serão as comemorações pelos 50 anos de carreira?

Não vou fazer nada. Aprendi isso com Silvio Santos. Veja que ele nunca festejou. É melhor deixar a data passar. Também não quero a responsabilidade de mexer em cenário, sabe? Talvez entre um bolo no fim de algum programa, mas só isso. Não gosto do compromisso.

Imagino que essa passagem por tanto tempo na TV o deixe pensativo. Qual é o seu maior legado?

Faço programa de calouros desde o início da minha carreira. É uma coisa que não cai. Não sei se fui precursor, porque isso já existe há muito tempo. Mas eu trouxe a ideia de volta para a TV brasileira. Ninguém fazia isso! Legado, para mim, é ver o sucesso dos artistas que saíram do meu programa. O povo vai em frente enquanto eu fico.

Acompanha a carreira de todos?

Quando eles lançam disco, eu abro as portas. Não faço que nem a Globo. Hoje, se eu perguntar quem ganhou o último “The voice Brasil”, ninguém sabe. O próprio menino que ganhou no ano passado foi meu calouro, sabia?

Raul Gil e Silvio Santos: funcionário e patrão
Raul Gil e Silvio Santos: funcionário e patrão

Você enxerga o “The voice Brasil” com um olhar crítico?

A questão que faço é: por que o meu programa, que é muito melhor, dá metade da audiência? Será que é o apresentador? Não dá para entender.

Você já foi chamado para a Globo?

Nunca!

Gostaria?

Claro. Não existe quem não gostaria, pelo amor de Deus. A Globo tem tudo na mão. Veja que eu lancei um menino chamado Luan Santana e, depois que ele virou sucesso global, cagou para mim e não veio mais ao meu programa. Quisera eu ter um programa na Globo! Aí ninguém me segurava!

Diante da disparidade na audiência, sente inveja?

Nenhuma. Só acho engraçado o fato de terem comprado nos Estados Unidos o que faço há mais de 30 anos. O “The voice” é igualzinho ao que eu faço. Mas veja bem: se eu convidar Ivete Sangalo, Carlinhos Brown e Lulu Santos para serem os meus jurados, eles vão morrer de rir da minha cara e ainda vão falar: “Você está louco!?”. Para ganhar da Globo, tem que pedalar. É como entrar numa corrida, com um Fusca contra uma Ferrari.

Sente medo de ser ultrapassado?

A audiência caiu para todo mundo na TV aberta. Agora está tudo meio brabo. Não dá para entender. A internet tomou conta. A gente bem sabe o que vai acontecer. Veja a Xuxa, que saiu da Globo e não consegue mais emplacar aquele sucesso de antes. Está tudo difícil. Por enquanto, estou bem, na minha.

Acompanha as novidades da web?

Se acompanhar, fico louco (risos)!

Mas você se vê por muito mais tempo na televisão?

Vou até quando puder. Acho que sempre haverá espaço para Raul Gil, Silvio Santos, Rodrigo Faro, Sabrina Sato… Continuarei até cair duro no palco. O trabalho é um vício para mim. Faço porque gosto. Às vezes não é nem visando dinheiro. É amor. Silvio Santos, por exemplo, poderia largar tudo. Com todo o patrimônio que tem, por que ficar no auditório gritando “Quem quer dinheiro?”. Ele ama. Eu me espelho nele.

O apresentador ao lado de Chacrinha
O apresentador ao lado de Chacrinha

Nos EUA, grandes apresentadores, como Oprah Winfrey e David Letterman, se aposentam, por vontade própria, num ótimo momento da carreira. No Brasil, parece haver um movimento oposto: as pessoas são mais aposentadas. Pensa em sair da TV numa boa fase?

Só vou sair da TV no dia em que estiver mesmo bem ruim. Nos Estados Unidos, o que um apresentador ganha num mês é referente ao trabalho de um ano por aqui. Lá é fácil, muito fácil: é muito dólar, muito dólar! Aqui é um sacrifício danado, ainda mais com a crise do país, em que os patrocinadores voaram.

Mas isso é um problema para você?

Ultimamente, a renda está meio fraca. Não me queixo tanto, pois, artisticamente, estou bem. Se amanhã o programa não der dinheiro, eu continuo. Só paro se começar a perder grana.

Seu contrato não seria renovado no SBT este ano. O que aconteceu?

No fim de 2016, Silvio me chamou e disse que ia fazer uma mudança na programação. Duas semanas depois, assinei a rescisão do contrato. Ele quis me dar uma satisfação, mas falei que não precisava. Afinal, ele é o patrão! Logo após isso, Silvio viajou para os Estados Unidos, de férias. Bastou pouco tempo para um sobrinho dele voltar ao Brasil e dizer que o chefe não queria minha saída. Disseram que ele nem lembrava que tinha me dispensado. Acabaram renovando meu contrato por dois anos. Sei lá, a cabeça do Silvio já está meio… (pausa).

Silvio está “trocando as bolas”, é?

Um pouquinho, sim (risos). Tanto que ele mudou tudo de novo! A programação vai continuar do jeito que estava.

Você ficou triste com a situação?

Não entrei em pirulito. Orei e entreguei na mão de Deus. Pedi ao Senhor que novos caminhos fossem abertos. Mas nem precisou. De maneira alguma minha amizade com Silvio ficou estremecida. Não preciso dele nem ele de mim, mas temos uma apreciação. Ele é o meu maior ídolo, e sabe disso.

Pensa num sucessor? Seu filho, já que dirige o programa?

É difícil pensar num sucessor. Silvio Santos é outro que também não vê isso. Meu filho, como apresentador, acho que não rolaria. Nunca fiz um teste…

Raul e o filho, seu diretor do programa do SBT
Raul e o filho, seu diretor do programa do SBT

Vocês se entendem no trabalho?

A gente trabalha em conjunto. É claro que existem atritos. Se achar que algo não está certo, digo que vai ser do meu jeito. Ele concorda. Vai fazer o quê?

Em casa, quem manda é a sua mulher (a escritora Carmen Sanchez)?

Quem manda somos nós, já que os filhos se casaram. Mas minha mulher dá muito palpite em meu programa! Estamos casados há 57 anos, o que acha?

Qual é a receita do amor longevo?

A receita é um entender o outro. É saber que, quando você começou a relação, ela estava do seu lado nas horas amargas e tristes. Um apoia sempre o outro.

Raul Gil com a esposa
Raul Gil com a esposa

Dá para manter o fogo da juventude aos 79 anos?

Isso não existe. Sabe o que são 57 anos com a mesma mulher? Tem uma hora que os dois viram irmãos (risos)!

Mas isso não é demérito, né?

Claro que não. Graças a Deus, não é preciso nem dormir junto para ser feliz. A idade traz um monte de coisas: você acaba roncando demais, sentindo vontade de levantar à noite… Isso tudo atrapalha o parceiro. Se os dois dormem sozinhos, cada um tem a sua vidinha.

Entende, então, que isso é natural?

Esse negócio de sexo acaba, né? O único fogo que ainda existe é o de conversar sobre os problemas. Cheguei a uma idade em que falo muito de remédio. Quando era moço, os assuntos eram mulheres, restaurantes, festas… Agora é só médico! Nessas horas, o sexo fica de lado. Não tem mais. Parou! Você acha que Silvio Santos, com 86 anos, faz sexo? Acredito até que ele viva como eu: a mulher numa suíte, e ele em outra.

Dá medo da idade?

Tenho muita energia. Pode ser que um dia eu caia duro e ploft! Mas, na forma de viver, tenho 40 anos. Quase nunca fico cansado. Na última segunda-feira, passei dez horas gravando. No dia seguinte, gravei oito horas. E eu estou aqui, ó! Tenho medo só de ficar doente.

A velhice mexe com a vaidade?

Ainda não entrei nessa paranoia. Hoje, as crianças só me chamam de vovô. Vou até mudar o nome do quadro por isso.

Você ainda pinta o cabelo…

Tenho que tingir sempre, porque é uma satisfação para o público. Não posso me vestir mal na tela.

E as joias? Para alguns, esse estilo soa brega. Você concorda?

Se eu botar um anel de 20 mil dólares no dedo, você vai achar que é brega (risos)? Não é qualquer um que pode! Já comprei muita joia… Hoje, não. Outro dia, dei um cordão lindo para o meu filho, com uma estrela de Davi em ouro, mas ele não quis. Disse: “Pô, pai, você quer que os ladrões arranquem meu pescoço?”. Não dá mais para usar nada.

O que ainda falta para você?

Sempre quis fazer um filme tipo os do Oscarito. Mas esse desejo já não existe. Meus sonhos ultrapassaram meus pensamentos. A vida inteira me imaginei cantor e, de repente, me tornei um dos maiores imitadores do Brasil. Depois, passei a ser um dos grandes apresentadores do país. Agora sou um dos mais antigos. O primeiro é Silvio Santos e o segundo sou eu.

 

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