Caça às bruxas: Instaurado processo administrativo disciplinar contra desembargador do Rio
O leilão ocorreu em 2003. Na época, o então estudante de Direito Wagner Madruga do Nascimento, filho do desembargador, fazia estágio no escritório da massa falida da Bloch Editores – então, proprietária do imóvel adquirido pelo magistrado. O lance inicial imposto para a aquisição do bem era de R$ 540 mil. No entanto, Nascimento comprou a cobertura por R$ 313.532,51 em lance feito na primeira hasta pública. O imóvel tem mais de 200 metros quadrados e se localiza na Avenida Sernambetiba, um dos endereços mais caros do Rio.
Irregularidades quanto à administração de diversas massas falidas pelas varas empresariais fluminenses foram veiculadas pela imprensa no ano passado. O CNJ, então, instaurou sindicância para averiguar as denuncias contra a Central de Liquidantes do TJRJ. Quanto ao desembargador Ferdinaldo Nascimento, o corregedor nacional verificou indícios de irregularidades – a primeira diz respeito à participação dele no leilão.
É que a participação de magistrados em hastas públicas é vedada pelo artigo 497 do Código Civil. “É de clareza intensa a finalidade da norma: impedir que magistrados adquiram bens litigiosos em tribunal a que sua autoridade se estender. O reclamado faz malabarismo hermenêutico para dizer que o impedimento ocorre quando o bem está sob a autoridade do magistrado. No entanto, o objetivo é obstar que magistrados, valendo-se do temor reverencial decorrente da autoridade da qual são investidos, façam negócios vantajosos que não fariam em circunstância ordinária, como a de qualquer cidadão que se apresenta às hastas judiciais”, afirmou Falcão.
O desembargador arrematou a cobertura por preço inferior – R$ 313.532,51 – ainda na primeira hasta pública, na modalidade conhecida como leilão condicional. “Nessa prática permite-se que, não havendo lances na primeira praça, os postulantes à aquisição ofereçam lances para posterior análise do juiz, que os acata ou não, oportunidade em que homologa a praça. Assim, tem-se que a garantia de impessoalidade oferecida pela hasta pública, na qual arremata quem oferecer mais, resta totalmente comprometida.
O corregedor foi categórico sobre a necessidade do PAD. “Constrangedora, portanto, eventual admissão de erro sobre a ilicitude do fato, visto que do reclamado, ex-membro do Ministério Público e magistrado em segundo grau de jurisdição, é esperável consciência sobre a ilicitude da sinuosidade jurídica que permeou a aquisição do bem imóvel. Ainda que houvesse um fiapo de licitude, a imoralidade é flagrante. Há nítida violação ao disposto no artigo 37, caput, da Constituição, sobretudo no que refere aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade”, disse.
O voto a favor da instauração do PAD foi seguido por todos os conselheiros e pelo presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa.