Câmara aprova PEC de corte de gastos em 1º turno

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (19), em primeiro turno, o texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição) que integra o pacote de contenção de gastos do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O placar foi de 344 a 154, uma margem larga em relação ao mínimo de 308 votos necessários para uma alteração constitucional. O texto ainda precisa ser votado em segundo turno antes de seguir ao Senado Federal.

A aprovação se deu após momentos de preocupação de aliados governistas. Na manhã desta quinta, lideranças reconheciam que ainda não havia votos necessários para a aprovação. Momentos antes do anúncio do resultado, líderes partidários ainda admitiam o receio de que o quórum não fosse atingido.

Durante o processo de votação, foi possível ver o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), direto da Mesa Diretora disparando ligações —num indicativo de que houve uma operação para tentar garantir os votos necessários. Os comandos das bancadas também entraram em campo para mobilizar seus liderados.

Desde quarta-feira (18) havia temor entre lideranças governistas e até mesmo do centrão de que o Executivo não teria o apoio necessário para garantir a aprovação da PEC do pacote. A votação precisou ser adiada diante do risco de derrota.

Diante desse cenário, Lira editou um ato da Mesa Diretora nesta quinta para permitir que deputados que estivessem fora de Brasília pudessem votar remotamente e avisou que quem não votasse teria desconto no salário (o chamado “efeito administrativo”).

O Palácio do Planalto também negociou com o Congresso Nacional a liberação de emendas extras a serem distribuídas, em 2025, a deputados e senadores que votarem a favor do pacote.

No começo da tarde, Lira se reuniu rapidamente com líderes partidários para colher a temperatura de quantos votos cada bancada conseguiria entregar. Segundo um participante do encontro, mesmo sob clima de insegurança, as lideranças prometeram entregar os votos necessários e mobilizar suas bancadas.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse à Folha, logo após a votação, que o cenário desafiador foi convertido em um placar folgado com “foco na articulação política” e atuação do governo. “O que nós vimos hoje foi isso, uma amarração mais firme, mais objetiva com as lideranças”, disse.

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), favorito para suceder Lira no comando da Câmara a partir de fevereiro de 2025, disse não ter havido erro de articulação política. “Eu penso que precisava de um trabalho mais perto ali do governo e dos líderes, para que os deputados pudessem entender a importância de se votar o pacote a tempo ainda de poder ter uma decisão antes do recesso”, afirmou.

“A pauta econômica é uma prioridade, principalmente diante do quadro que vimos essa semana evoluir”, disse. A cotação do dólar escalou nos últimos dias e chegou a encostar nos R$ 6,30 durante a sessão de negócios desta quinta.

Apesar do avanço da proposta, a Câmara deu sinal verde a um texto desidratado. O governo Lula sofreu um revés na tentativa de impor um comando mais forte para extinguir brechas que permitem supersalários na administração pública.

A PEC enviada pelo governo previa que uma lei complementar tratasse das verbas que podem ficar fora do teto remuneratório, hoje em R$ 44 mil mensais na esfera federal.

O relator do texto na Câmara, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE), enfraqueceu o dispositivo. Ele previu que a regulamentação será feita por lei ordinária —que requer quórum menor e pode ser alvo fácil de flexibilizações. O instrumento também pode ser contornado por resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que têm status de lei ordinária.

No diagnóstico preliminar do Executivo, o texto mantém as brechas hoje usadas para turbinar salários com penduricalhos, especialmente no Judiciário.

Há ainda um artigo para criar uma disposição transitória. Enquanto a lei ordinária não for editada, as “parcelas de caráter indenizatório previstas na legislação” não serão computadas no teto remuneratório. Na avaliação de um integrante do governo, isso significa que, até a aprovação da lei, “fica tudo como está”.

Desde o envio da PEC, integrantes do Judiciário deflagraram uma ofensiva no Congresso para enfraquecer as medidas. Eles pressionavam por uma regra transitória e pelo afrouxamento do texto para lei ordinária, justamente o que foi incorporado ao texto.

A PEC aprovada também muda o critério de concessão do abono salarial (espécie de 14º salário pago a parte dos trabalhadores com carteira assinada). O texto prevê que, para os trabalhadores que receberão o benefício em 2025, será elegível quem recebia o equivalente a dois salários mínimos do ano-base (neste caso, 2023). O valor equivalente seria o de R$ 2.640.

A partir de 2026, esse valor será corrigido pela inflação, até travar em patamar equivalente a 1,5 salário mínimo. A expectativa do governo é que isso ocorra após uma transição de dez anos. O governo projeta uma economia tímida no ano que vem, de apenas R$ 0,1 bilhão, mas o impacto acumulado até 2030 chegaria a R$ 18,1 bilhões.

O texto também permite que parte da complementação da União ao Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica) possa ser usada em ações para criar e manter matrículas em tempo integral na educação básica. O alcance da medida, porém, foi reduzido.

O governo propôs uma fatia de 20%, o que renderia uma economia de R$ 10,3 bilhões entre 2025 e 2026, e de R$ 42,3 bilhões até 2030. O parecer reduz esse percentual para 10% e cita apenas o ano de 2025. Um destaque apresentado pela federação PSOL-Rede tentou suprimir esse trecho, mas foi derrotado em plenário.

Pelo texto, a partir de 2026, pelo menos 4% de todo o Fundeb seriam destinados por estados e municípios à criação de matrículas em tempo integral na educação básica. Antes da divulgação do texto, o relator disse na quarta que a mudança preservaria a expectativa de poupar R$ 10 bilhões entre 2025 e 2026, mas não esclareceu como isso se daria.

Após a votação do texto-base, Lira costurou um acordo para tentar acelerar as demais votações. Ele acertou com os parlamentares a aprovação de um destaque do PL que buscava derrubar um artigo que tratava do BPC (Benefício de Prestação Continuada).

O texto autorizava descontar da renda familiar considerada no critério de acesso ao BPC apenas as parcelas expressamente previstas em lei, uma tentativa de fechar brechas exploradas principalmente em decisões judiciais para facilitar a concessão do benefício. O argumento de Lira para fechar o acordo é que essa mesma medida já consta no projeto de lei ordinária que trata de outras regras do BPC.

Da Folha de São Paulo.

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