Camille Claudel, a escultora genial que cativou Rodin e acabou internada em manicômio atormentada por sua sombra
“Ensinei a ela onde encontrar ouro. Mas o ouro que ela encontrou é todo dela.”
Foi o que disse o célebre artista francês Auguste Rodin (1840-1917) sobre uma pessoa que foi qualificada pelos críticos do final do século 19 como “a única escultora em cujo rosto brilha a genialidade”.
Trata-se de Camille Claudel (1864-1943), a discípula mais talentosa do pai da escultura moderna. Quando a tomou pela mão, Rodin tinha 42 anos e ela, 19 — e sua extraordinária precocidade já era evidente.
Com apenas 20 anos, Claudel produziu sua primeira grande obra — Retrato de Paul Claudel aos 16 anos (1884), um busto de argila do seu irmão menor. Paul Claudel (1868-1955) foi um talento igualmente precoce, que se tornaria um gigante da literatura francesa.
Rodin foi um grande estímulo criativo para a jovem escultora. Mas, como destacou a crítica de arte Fisun Grüner, da BBC Culture, o intenso vínculo também gerou frutos na obra do artista veterano.
O relacionamento entre os dois escultores foi complexo, até que Claudel sentiu a necessidade de se libertar do seu mentor. Afinal, ela havia sido não apenas sua aluna, mas também sua assistente, musa e amante.
Ela sentia que a única forma de obter reconhecimento pelo seu próprio trabalho e fazer com que seu talento crescesse independentemente de Rodin seria se separando dele.
Seu trabalho progrediria intensamente por alguns anos depois da separação, mas sua vida criativa teve um fim trágico pouco tempo depois. Ela ficou internada em sanatórios por três décadas, até sua morte em 1943, sozinha e esquecida.
Poucos recordavam que, na juventude, ela foi considerada a maior escultora da sua geração. Mas como ela chegou até ali?
A vida de Claudel
Camille Claudel nasceu em 1864, em uma pequena cidade chamada Fère-en-Tardenois, no norte da França.
Seu pai, Louis-Prosper Claudel, trabalhava no setor financeiro. Em 1876, ele foi transferido para Nogent-sur-Seine, centro de produção de cerâmica e lar de vários escultores.
Foi ali que ele teve sua filha primogênita, que começou a criar peças com a argila local aos 12 anos de idade.
Sua mãe lhe disse que ser artista era “inadequado para uma dama”, mas seu pai levou sua vocação a sério e consultou um vizinho, Alfred Boucher (1850-1934).
Boucher foi um dos escultores mais influentes do seu tempo. Seus alunos incluiriam Amedeo Modigliani (1884-1920), Fernand Léger (1881-1955) e Marc Chagall (1887-1985).
Entusiasmado com o talento da jovem, Boucher passou a ser seu mentor.
Foi seguindo o seu conselho que, quando a família se mudou para Paris em 1881, Claudel se matriculou na Academia Colarossi, uma escola de arte progressista. Foi uma das poucas a admitir mulheres e permitir que elas desenhassem modelos masculinos nus.
Todas as semanas, Boucher inspecionava seu trabalho, até que, em 1882, ele teve a oportunidade de se mudar para Florença, na Itália.
Para não deixar Claudel sem mestre, Boucher convenceu seu amigo Auguste Rodin a aceitar sua protegida como aluna.
Na época, Rodin já era um escultor de renome mundial e ficou impressionado com o trabalho de Camille Claudel. E, mais do que isso, ele se apaixonou pela sua beleza e personalidade.
Rodin a contratou como sua assistente e eles logo se tornariam amantes — o que causou grande alvoroço, já que ele tinha o dobro da idade dela e mantinha um relacionamento com outra mulher.
Mas a relação entre eles ia além do sexo. Era tempestuosa, mas eles se amavam, se inspiravam e se influenciavam mutuamente. E o trabalho que os reuniu era profundo.
Sonhos interrompidos
Rodin e Claudel fizeram um belo trabalho a quatro mãos, literal e metaforicamente.
Rodin modelou as mãos de Claudel em muitos trabalhos e ela modelou muitas mãos, pés e cabeças de algumas das obras mais monumentais de Rodin, incluindo a Porta do Inferno (1880-1917).
Ao longo dos anos em que viveram e trabalharam juntos, eles produziram algumas das melhores obras das suas carreiras.
Uma das obras de Claudel — Sakountala, posteriormente rebatizada de O Abandono (1886-1905) — mostra um tema em comum com as esculturas eróticas de casais jovens de Rodin.
A escultura foi inspirada em Shakuntala, do poeta indiano Kālidāsa, dos séculos 4º e 5º d.C., e é romântica e dolorosamente terna.
Sakountala recebeu menção honrosa durante sua exposição em gesso no Salão dos Artistas Franceses de 1888.
Na ocasião, o crítico André Michel elogiou seu “profundo sentimento de ternura, ao mesmo tempo casta e apaixonada, uma impressão de tremor, de ardor contido”.
A obra seguinte foi igualmente maravilhosa: A Grande Valsa (1889-1905), que mostra um casal nu girando em uma dança sensual. Mas o governo francês considerou o pas de deux nu escandaloso demais para uma obra produzida por uma mulher.
Sempre com a esperança de vender alguma das suas criações, Claudel cobriu os corpos da escultura com véus drapeados. Mas de nada adiantou.
Diferentemente do seu famoso mentor, Claudel nunca recebeu uma encomenda pública, mesmo com as exposições regulares das suas obras ao longo dos anos de atividade e com os frequentes elogios dos críticos pelo seu extraordinário talento.
Ela desejava transformar suas criações de gesso em metal, mas ela chegava aonde era possível, sem que elas fossem totalmente realizadas. E o mesmo acontecia na sua vida pessoal.
Rodin jurava amor eterno e chegou até a prometer casamento, mas mantinha seu relacionamento estável com Rose Beuret (1844-1917), que acabou sendo sua fiel companheira até o fim dos seus dias.
“Não consigo mais, não posso mais passar um dia sem ver você”, escrevia ele. “Do contrário, a atroz loucura.”
“Acabou, não trabalho mais, divindade malfeitora, e, ainda assim, eu te amo furiosamente. Minha Camille, fique tranquila, não tenho amizade por nenhuma mulher e toda a minha alma pertence a você.”
Mas Rodin não renunciava a Beuret, uma ex-modelo sem formação que ele manteve afastada dos seus amigos cultos. Segundo um deles, ela vivia “em total ignorância sobre o que ele fazia”.
Esse amigo destacou que Claudel ofereceu a Rodin “a felicidade de ser sempre compreendido, de ver suas expectativas sempre superadas”, o que era “uma das grandes alegrias da sua vida artística”.
Mas ela pagava o preço das fofocas sobre o relacionamento amoroso — um escândalo que a afastou da família e que, mesmo com seu talento, dificultava para que as pessoas a vissem como algo mais do que “a namorada de Rodin”.
‘É terrível estar tão abandonada’
Claudel deixou Rodin em 1893. Ela estava por completar 30 anos e se esforçou, nas duas décadas seguintes, para abrir seu caminho como artista.
Seu estilo passou a ser muito diferente do seu ex-mestre e amante. Mas sua carreira nunca decolou completamente e a tensão começou a transparecer.
“Para um homem, ser escultor é um desafio constante ao senso comum”, escreveria anos depois seu irmão, Paul Claudel. “Para uma mulher isolada, especialmente com o caráter da minha irmã, é uma pura impossibilidade.”
Seria bom que ele estivesse equivocado, mas a saúde mental de Camille Claudel se deteriorou.
Sua última obra terminada conhecida é de 1906. E, sete anos depois, sua mãe a internou por considerá-la um perigo para si própria.
A certidão médica original de 1913, encontrada em um hospital suburbano de Paris, diz que ela estava “mal vestida e totalmente suja” e que ela vivia aterrorizada pelo que chamava de “bando” de Rodin, que teria supostamente realizado “ataques criminosos” contra ela.
A brilhante escultora foi diagnosticada com um estado de psicose delirante. Ela permaneceu internada em um manicômio durante seus 30 últimos anos de vida.
“Caí em um abismo”, escreveu ela no sanatório a um amigo. “Vivo em um mundo tão curioso, tão estranho. Do sonho que era minha vida, para este pesadelo.”
Claudel raramente recebia visitas. Seu pai, que sempre a apoiou, morreu no mesmo mês da sua internação. Ela só ficou sabendo muito tempo depois.
Sua mãe decidiu não voltar a ver a filha. Seu irmão Paul escrevia cartas para ela, mas só a visitou pouco mais de uma dúzia de vezes.
“É terrível estar tão abandonada”, escreveu ela ao médico do asilo, em 1915. “Não consigo evitar sucumbir à dor que me atormenta.”
Talvez o mais triste seja o fato de que ela nunca mais voltou a modelar um pedaço de argila. Sua vida como ela conhecia simplesmente desapareceu.
Seus médicos recomendaram que ela fosse liberada, mas sua mãe sempre se negou. E, depois da morte dela, seu irmão Paul manteve a decisão.
Por isso, ela permaneceu encerrada no sanatório até sua morte, aos 78 anos de idade.
Em meio ao caos e horror da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Camille Claudel ficou reduzida a um obscuro detalhe na história da arte, sendo talvez recordada apenas como a musa e amante de Auguste Rodin.
Sonho realizado
Depois da guerra, Claudel permaneceu em triste esquecimento. Mas, com o passar do tempo, algo de maravilhoso aconteceu.
A escultora foi redescoberta, não apenas como modelo ou amante de Rodin, mas como aquilo que sempre desejou: uma artista importante, por direito próprio.
A própria Claudel destruiu grande parte do seu trabalho e outras de suas obras foram perdidas. Mas diversas de suas criações foram fundidas em bronze, anos depois de terem sido modeladas pelo seu agente parisiense, Eugène Blot.
Foram organizadas exposições de suas obras, até no Museu Rodin de Paris, que foi aberto em 1919 sem atender ao desejo do escultor, de incluir uma sala Camille Claudel.
Desde a década de 1980, foi surgindo um interesse cada vez maior pela vida e obra da artista, com filmes, diversas biografias e até uma obra de teatro e um balé. Muitos deles se concentraram na sua intensa relação com Rodin.
Em 2003, foi a vez da pequena Nogent-sur-Seine organizar sua própria exposição de Camille Claudel.
Para a pacata e pitoresca cidade de apenas 6 mil habitantes às margens do Sena, foi um projeto audacioso — e muito bem sucedido, atraindo 40 mil visitantes.
O sucesso da exposição inspirou Nogent-sur-Seine a construir um novo museu, dedicado à escultora esquecida. O Museu Camille Claudel foi inaugurado em 2017, na casa onde a artista produziu suas primeiras obras quando era adolescente.
Foram necessários 75 anos após a sua morte para a inauguração do museu — cerca de um século depois que sua genialidade deixou de receber a merecida consideração.
A julgar pelas suas 90 obras remanescentes, o Museu Camille Claudel corrigiu um grande erro da história.