Contravenção mantém Carnaval do Rio
‘O Carnaval está em pé graças à contravenção’, diz Anísio Abraão David
O Rio de Janeiro tem algumas entidades, que são aquelas pessoas que serão lembradas eternamente. Umas delas chama-se Anísio Abraão David, prestes a completar 79 anos. Vale ressaltar que este texto não é laudatório, uma ode, um,elogio à contravenção penal. É uma percepção de uma figura da sociedade, que circula em todos os meios e que nesta época do ano é a estrela maior. Queira você ou não. Logo no início, Anísio começa a contar histórias, “causos”, nervoso, eu pergunto se posso já gravar. A resposta é direta: “Não!”. Ele queria falar sem ter que se policiar. Mas não era nada demais. Falávamos sobre fatos do passado , da época em que era engraxate, baleiro e camelô, de como foi parar no jogo do bicho (através dos italianos que apostavam em corridas de cavalo) e até sobre a possibilidade de escrever uma biografia. “O Luciano Huck quer que eu escreva mas eu não quero”. Mas uma frase me chamou a atenção e foi falada com o gravador desligado: “Eu estou preocupado com o futuro do carnaval carioca”.
O senhor sabe que ninguém é eterno e que a Beija Flor depende muito do senhor. O Gabriel, seu filho mais novo, ele parece ser o que tem mais prazer em estar aqui na Beija Flor, ele é o seu sucessor?
Gabriel tem dezoito anos, então ele tem liberdade para fazer o que quiser da vida dele, eu só não quero que ele abandone os estudos, mas não vou garantir que ele vá aceitar.
Então ele é o seu sucessor?
Pode ser o Gabriel.
O senhor tem muito ego? O senhor é um cara envaidecido por ser o Anísio Abraão da vida?
Não, de maneira nenhuma. Na minha cidade (Nilópolis), eu ando de chinelo, bermuda, sem camisa, e não tem nada. Outro mito que eles colocaram nas minhas costas é que eu ando de segurança, eu nunca tive segurança andando comigo na minha vida, nunca, sério, porque tem presidente de outras escolas que andam com oito, com dez. Nesse último processo que arrumaram para gente aí, diz que eu ando sábado e domingo na Avenida Atlântica com dois seguranças do meu lado, um é o Aberrian que você deve saber quem é e o outro é o meu advogado Dr. Ubiratan. Quem botou no processo sabe e conhece os dois, por que que não botou fotografia no processo? Eu acho que devia ter, mas…
O senhor confia cegamente no Laíla (diretor de carnaval)?
Lógico, o Laíla é a história dessa escola querendo ou não.
O Laíla é o chefe da comissão de carnaval?
O Laíla é, ele é o chefe de tudo. Se eu não tiver, quem manda em tudo é ele.
Se o senhor sair ele sai também?
Não, o Laíla hoje ele é Beija Flor doente, ele morre por essa escola.
A Beija Flor é a escola mais forte da Liga. Por quê?
Não, ela não é a mais forte da Liga, ela é a mais forte do povo. A Beija Flor é a mais querida, o Ibope que disse isso, não fui eu. Desde de 2004, a Beija Flor passou a Mangueira, há uns trinta anos o Jornal do Brasil fez uma capa com uma Mangueira e um Beija Flor picando a Mangueira. Ou seja, ali a gente já estava dando um banho e hoje se fizer um Ibope puta que pariu.
Mas o senhor há de convir que a sua palavra na Liga tem mais poder que a dos outros presidentes, o senhor fundou a Liga…
Não, primeiro que eu não estou nem indo na Liga, só em dia de reunião. Não estou participando também por causa da minha doença. Na Liga tem doze escolas de samba, todas mandam, todas têm poder. Quando anunciaram que eu tirei jurados, vou te contar a realidade, houve uma reunião com os doze presidentes mais o presidente da Liga.
Mas a Liesa mudou os 24 julgadores no ano passado por causa da Beija Flor
Não, de maneira nenhuma, a Beija Flor não cortou nenhum jurado em hora nenhuma, quem cortou jurado nesse ano foram todas as doze escolas de samba, até a Vila Isabel, que já era outro presidente, votou que eu não merecia aquelas notas.
O senhor quer ou queria um dia a Regina Celi (Presidente do Salgueiro) como presidente da Liga?
Não, eu nunca nem conversei com a Regina (sobre isso).
O senhor acha que a Regina daria uma boa presidente da Liga?
Acho, ela faz uma boa administração da escola dela como também outros da Liga.
O Prefeito Eduardo Paes não gosta de sentar à mesma mesa que bicheiros. O senhor acha que presidente da Liga não deve ser um bicheiro?
Hoje, não tem ninguém praticamente como presidente de escola, mas queira ou não, esse carnaval tá em pé. Agradeça ao time da contravenção, por isso que está em pé.
Como seria o carnaval sem o jogo do bicho, senhor Anísio?
Eu acho que já tinha acabado o carnaval. Escola de samba já tinha acabado há muito tempo.
Qual o poder da TV Globo dentro da Liga?
Nenhum, não faz nada.
Mas a Globo dá dinheiro às escolas, cerca 2 milhões por ano! Aliás, o senhor acha justo esse valor, não é pouco?
Eu acho que todos os repasses que nós recebemos é zero, a Globo dá um milhão e pouco. Eu acho que as escolas merecem muito mais que todos os outros órgãos.
O que o senhor gosta de fazer da vida, nas suas horas vagas?
Eu jogo um poquerzinho, não deixo de jogar nunca, piscina vou pouco, televisão vejo muito pouco porque está me decepcionando. Hoje em dia eu jogo pôquer três vezes por semana, bem baratinho, com vários amigos, velhos que nem eu.
Como está a sua saúde?
Minha saúde é boa, minhas pernas que não estão muito legais, operei agora, coloquei um stent igual ao que coloca no coração para distribuir o sangue nas veias, deve estar melhorando.
Seu único problema é andar, só isso?
É só isso.
Como seria o carnaval sem o jogo do bicho, senhor Anísio?
Eu acho que já tinha acabado o carnaval. Escola de samba já tinha acabado há muito tempo.
O senhor tem inimigos?
Eu não, graças a Deus. Se você andar comigo, você vai ficar doido.
O senhor não tem inimigos? O senhor anda na rua ?
Só não ando agora porque o médico me proibiu, mas daqui a pouco…
Eu queria saber quais são os seus negócios, como o senhor ganha dinheiro?
Hoje eu tenho várias obras, construtoras. Tenho quatro obras em Nilópolis.
E o bicho?
Estou aposentado.
Se a Beija Flor ficar em sétimo lugar esse ano, haverá uma nova troca de 24 jurados?
Se ela merecer eu bato palma, foi o que eu falei. Como a Vila Isabel, que foi criticada do início ao fim do desfile, em todas as duas eu pedi para reverem.
Existe corrupção entre os jurados?
Não, de maneira nenhuma.
Não? Não tem como comprar o carnaval? Se um presidente com muito dinheiro quiser comprar um carnaval, tem como?
Eu não vou dizer que tem ou que não tem, porque eu não sei como é a cabeça dos jurados, mas eu acho quase impossível.
Por que a Beija Flor está sempre entre as primeiras?
Porque eu boto o carnaval na rua, pô. Todo o pau que nós ganhamos da imprensa no ano passado, na quinta feira, eu vi a mesma imprensa falar: ’Apesar de o enredo ter sido assim tal e tal, a escola foi impecável’.
Quanto a Beija Flor vai gastar esse ano?
Esse ano a coisa está feia, nós fizemos uma reunião aqui, mas eu te garanto que nós vamos gastar muito pouco acima do que nós vamos ganhar.
Ano passado, quantos milhões o senhor gastou (fala-se em 13 milhões)?
Não foi nenhum exagero. Você tem que saber trabalhar com o material.
Quando o Castor de Andrade morreu a Mocidade entrou num declínio absurdo. Quando o senhor não estiver mais entre nós, como vai ser?
A escola tem um futuro bom, tem uma sede própria, não é da Prefeitura, não é de governo, é nossa mesmo. Nós temos piscina, temos uma quadra que talvez seja uma das melhores do Brasil.
O senhor quer viver até quantos anos?
Até cento e quatro anos.
104? Como assim? É um número cabalístico?
Eu gosto do número quatro, cem mais quatro.
Qual foi o pior e o melhor momento da sua vida?
O pior momento da minha vida não tem, mesmo quando eu fui preso (ele foi preso em 2012 por suspeita de contravenção), acusado, porque eu tenho certeza absoluta de tudo aquilo que eu fui acusado não tem fundamento.
E quando a Selminha Sorriso (porta-bandeira) vai se aposentar? E quem vai substitui-la?
Acho que quando ela quiser, porque a escola não vai aposentar nunca.
E o Neguinho?
O Neguinho ainda tem muita coisa para dar, mas ele já tem uns três que ele ajuda lá.
A Raíssa (rainha de bateria) pintou o cabelo de louro há uns anos. É verdade que o senhor brigou com ela e mandou ela mudar?
É, lógico. E briguei mais quando ela começou a usar bomba (esteróides anabolizantes).
Porque o senhor nunca colocou uma mulher sua à frente da bateria?
Porque aquele lugar é para gente da comunidade, não quem vem de fora.
Qual é a ligação entre a São Clemente e a Beija Flor, por que o senhor ajuda a São Clemente com dinheiro?
Nunca ajudei a São Clemente e nem escola nenhuma, não tenho condições para isso. As escolas que eu gosto são a São Clemente, Grande Rio, Portela, Mangueira. O Salgueiro, por exemplo, acho uma escola muito bem organizada.
O que o senhor acha do Paulo Barros?
Paulo Barros começou a vida dele aqui.
E o senhor acha que ele caberia hoje aqui na Beija Flor?
Não, o enredo dele não dá para escola.
No meio da entrevista o senhor disse que se aposentou do bicho. O senhor aposentou mesmo? Quem toma conta dos negócios?
Eu sou a favor da legalização do jogo do bicho porque eu acho que é uma tradição brasileira que o povo quer. O único divertimento do pobre é o jogo do bicho, o resto é de rico.
Saiu um livro até de um membro do estandarte de ouro chamado “Porões da Ditadura ” em que o senhor é citado, o senhor pretende processar, o senhor pretender entrar na justiça, que dizia que os torturadores da ditadura militar passaram a trabalhar para os bicheiros?
Eles esqueceram que nós fomos presos e ficamos presos um tempão, o pessoal da Guanabara,o pessoal do Rio e da padoca em Niterói, porque diziam que nós é que dávamos o dinheiro para os comunistas comprarem armas, agora eles dizem que nós fomos a ditadura.
Existe um projeto do governo que quer regularizar o jogo e está andando, o que que o senhor acha disso? O senhor acha bom?
Há quarenta anos já se falava em legalizar o jogo no Brasil, há quarenta anos atrás já passavam projetos que iam e voltavam e ficavam na gaveta. Agora até acho que vá por conta da crise econômica! Aliás, é ótimo negócio (para o Governo), porque quando você tem uma série de gente trabalhando no jogo, isso vale muito para o próprio país. É melhor pagar imposto, sempre foi melhor pagar imposto Mas infelizmente nós vivemos de uma maneira que o imposto é caro demais, agora se fizesse um imposto direitinho que desse para pagar e ganhar seria bem melhor.
O senhor vai explorar cassino em mar?
Não, eu não tenho mais idade para isso.
Como o senhor quer ser lembrado após a sua morte, Seu Anísio?
Quero que as pessoas lembrem de mim não pelo que foi noticiado pelos jornais, e muita gente acha que a minha vida é aquilo ali. Não quero ser nem lembrado apenas pelos desfiles na Sapucaí. Quero que lembrem de mim como um cara que nasceu muito pobre e sei ajudar quem vive como eu vivi. Há quarenta anos atrás, quando ninguém sabia o que era ONG, montei uma creche lá em Nilópolis. Ajudo muita gente, mas não é para parecer, é para que ninguém passe pelo que eu passei.