Carolyn Cassady, escritora da geração Beat, morre aos 90

Viúva de Neal Cassidy na vida real é a última personagem do núcleo central de ‘Pé na estrada’ a morrer

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Carolyn Cassady, escritora que entrou na história da literatura americana em 1957 como personagem no livro “Pé na estrada”, de Jack Kerouac, e décadas depois fez uma crônica de sua vida como parte da geração Beat, morreu na última sexta-feira, perto de sua casa em Bracknell, na Inglaterra. Ela tinha 90 anos. Segundo a irmã de Carolyn, Cathy Sylvia, ela entrou em coma durante uma cirurgia de retirada do apêndice.

Jerry Cimino, diretor do Beat Museum em San Francisco, chamava Carolyn de “a grande dama da geração Beat”. Ela foi uma figura central no círculo de amigos cujas viagens pelos EUA em busca de emoções e descobertas acabou imortalizada em “Pé na estrada”. Ela inspirou a pergonagem Camille, segunda esposa de Dean Moriarty, interpretada por Kirsten Dunst no filme “Na estrada”, de Walter Salles. Moriarty, por sua vez, era inspirado em Neal Cassidy, marido de Carolyn na vida real.

Para uma mulher nos anos 1940 e 1950, não era fácil viver a vida que ela vivia. Enquanto os homens, entre eles seu marido, celebravam a liberdade do sexo, drogas, literatura e da estrada sem rumos, ela alternava entre os papeis de ardente participante e adulta contraditória, que resolvia os problemas práticos do dia a dia, educava as crianças e assistia com desprezo à geração seguinte de rapazes emulando a auto-destruição de seus contemporâneos.

Os dois livros dela, “Heart beat: my life with Jack and Neal” (1976), que se tornou um filme em 1980, e “Off the road: my years with Cassady, Kerouac and Ginsberg” (1990), corrigem de maneira sóbria o que ela considerava distorções sobre as vidas essencialmente infelizes desses homens, o poeta Allen Ginsberg, entre eles, mesmo quando perdoa as piores transgressões do marido.

“Sempre pensei como os imitadores nunca souberam como esses homens eram extremamente tristes”, ela disse em entrevista à escritora Gina Berriault, em 1972. “Pensam que eles estavam passando por momento maravilhoso — alegria, alegria, alegria — e não era nada disso.”

A esposa de Cassady nasceu Carolyn Robinson em 23 de abril de 1923, em East Lansing, Michigan, a mais jovem entre cinco irmãos numa casa que valorizava a educação vitoriana e os livros — havia mais de 2.500 em sua casa. Seu pai era bioquímico e a mãe professora de inglês.

A família se mudou para Nashville quando Carolyn tinha oito anos. Após frequentar uma escola de elite em Vermont, ela estudava artes plásticas e teatro na Universidade de Denver quando, em março de 1947, sua vida deu uma guinada após o encontro com Neal Cassidy.

Como descrito em “Pé na estrada”, ela era bonita e acanhada e tinha alguns discos de jazz; ele era charmoso, sexualmente voraz e casado. Numa rápida sucessão de eventos, Cassidy se divorciou da primeira mulher, LuAnne Henderson, e casou com Carolyn. Logo ela estava grávida, fora da universidade e começando a aventura de sua vida.

Neal Cassady, morto em 1968, foi um grande personagem literário, mas péssimo marido. Boa parte do casamento, até o divórcio em 1963, envolveu traições com mulheres e homens. Enquanto namoravam, Carolyn encontrou ele na cama com a primeira esposa e Ginsberg. Depois, ela aceitou um pedido dele para ter um caso com Kerouac. Ainda assim, em seus livros ele ressalta os esforços dele para ser um homem diferente, para cuidar da família, que chegaria a três filhos.

“Ela o via como um pai de família tentando garantir o sustento dos filhos”, diz Cimino, do Beat Museum. “Ela sabia que ele tinha outras, mas dizia ‘Eu casei com Neal para o melhor e o pior, esperava que se ele se tornasse o homem que eu queria’. Por mais que odiasse, era isso que ela era, a viúva de Neal Cassady.”

Sylvia lembra de sua casa cheia dos figurinos que a mãe desenhava como diretora artística do departamento de teatro da Universidade de Santa Clara. Em outros momentos, havia o cheiro das tintas, quando ela trabalhava como pintora. Nos últimos anos, Carolyn vivia nos arredores de Londres, se dedicando a pintura e jardinagem, e recebendo celebridades ou fãs da geração Beat.

Além de Sylvia, ela deixa outros dois filhos com Neal Cassidy, Jami Ratto e John Allen Cassady; três netos e seis bisnetos. John, batizado em homenagem a Kerouac, Ginsberg e ao pai, estava com ela na Inglaterra em seus três últimos meses vida e segurava a mão da mãe quando ela morreu, diz Sylvia.

Fonte: O Globo

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