Caso de torcedor morto após ser atingido por vaso sanitário no Arruda completa 10 anos

Paulo Ricardo Gomes da Silva, de 26 anos, faleceu no dia 2 de maio de 2014, ao sair do estádio, após jogo da Cobra Coral contra o Paraná

Vaso atirado do Arruda matou Paulo Ricardo
Vaso atirado do Arruda matou Paulo Ricardo – Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco
Tudo está como antes. A mesma decoração, com a prancha, as fotos de surfe na parede e os equipamentos de trabalho. Mas nada é como antes. Um vazio ecoa na casa. A ausência física de quem está presente apenas na memória. A vida parou. A vida seguiu. Dez anos se passaram. Paulo Ricardo Gomes da Silva não está mais lá. A dor é de saber que deveria estar. A revolta é de não entender a razão. A saudade é de sonhar que estivesse. E o amor é de quem guarda consigo o melhor que ele deixou. O soldador naval de 26 anos foi morto ao ser atingido por um vaso sanitário, atirado por três homens, na arquibancada superior do Arruda, no dia 2 de maio de 2014, após a partida entre Santa Cruz e Paraná, pela Série B. Um crime que chocou o Brasil.

Folha de Pernambuco visitou a família de Paulo Ricardo. A mãe, Joelma Valdevino, prefere não dar entrevistas. O pai, José Paulo, ainda preserva o quarto da mesma forma que o filho deixou naquela sexta-feira. Ali, o tempo não passou.

Vaso foi atirado da arquibancada do Arruda. Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

O dia do crime

“Ele tinha saído para surfar pela manhã e, à noite, estava comigo, mexendo no computador. Eu me lembro que chovia muito e o árbitro ainda ia ver se tinha condições de ter jogo. Chamaram Paulo para tirar umas fotos da torcida do Paraná. Infelizmente, quando estava saindo do estádio, os bandidos pegaram dois vasos e arremessaram. Eu vi a notícia na televisão que alguém tinha morrido, mas não imaginava que era ele”, afirmou o pai.

“Foi pura maldade. A intenção era matar alguém. Mas eles não conheciam meu filho. Fiquei sem querer assistir futebol naquele estádio e nem sequer ver o objeto que tirou a vida dele. Até hoje não passo na rua onde isso aconteceu”, recordou.

Os três responsáveis pelo crime foram capturados dias depois. O primeiro foi Everton Filipe Santiago, de 23 anos, encontrado em uma escola no bairro de Ouro Preto, em Olinda. Luiz Cabral de Araújo Neto, 30, estava no interior do Rio Grande do Norte, enquanto Waldir Pessoa, 34, se entregou.

A sentença

O julgamento do caso aconteceria em junho de 2015, mas por conta da ausência de advogado de um dos réus, foi adiado para o dia 2 de setembro do mesmo ano, data do aniversário do pai de Paulo Ricardo. Na ocasião, a mãe ainda foi ameaçada por vândalos que estavam presentes no Fórum Rodolfo Aureliano.

“Ela fez terapia na época, tomando medicações. Mas o sofrimento era intenso. Chegou a pular de uma moto em movimento, em uma tentativa de suicídio. É contra a natureza um pai ou mãe enterrar o filho. E não é somente perder, mas a forma como aconteceu. Minha irmã nunca mais foi a mesma”, disse o irmão de Joelma e tio de Paulo Ricardo, Tiago Valdevino. Na sentença, Waldir pegou 22 anos e seis meses de reclusão; Luiz Cabral foi condenado a 25 anos, sete meses e 15 dias; e Everton Filipe a 28 anos e nove meses.

Após dois pedidos de apelação no Ministério Público, a pena final ficou assim: Waldir foi condenado a 45 anos, Luiz Cabral com 51 anos e três meses e Everton Filipe com 57 anos de reclusão, sendo todos em regime fechado.

Outros casos

A família de Paulo Ricardo foi mais uma em Pernambuco a sofrer com a violência no futebol. Uma dor que aproximou José Paulo da história de outros torcedores. Em 2007, Veronaldo Silvino da Silva levou ficou tetraplégico após ser atingido por uma pedra quando estava na fila da bilheteria para um jogo do Santa Cruz, no Arruda. O culpado nunca foi identificado.

Em 2013, Lucas Lyra foi baleado em frente aos Aflitos por José Carlos Feitosa Barreto, segurança da empresa Pedrosa. Ele passou três anos internado, recebendo alta apenas em 2016, e hoje vive sob cuidados médicos em casa.

“Conversei com a mãe de Veronaldo (Hozineide Gomes Xavier), que passou a cuidar do filho em estado vegetativo. Falei também com a mãe de Lucas Lyra (Cristina Lyra). Por sinal, meu filho doou sangue para ele em uma campanha que estavam fazendo. Nossa dor é a mesma. O futebol tem três resultados: vitória, empate e derrota. Mas isso faz parte do esporte. Você não pode sair machucando os outros. Criei meu filho sem encostar um dedo nele. Aí vem alguém e faz isso? A dor é imensurável”, desabafou José Paulo.

Indenizações

O Santa Cruz e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foram condenados a pagar uma indenização de aproximadamente R$ 1,2 milhão à família de Paulo Ricardo, além de uma pensão mensal de R$ 438,62. Vale citar que existe uma “responsabilidade solidária”, em que uma das duas partes (ou ambas) precisam arcar com os valores. Até o momento, porém, nada foi pago.

“Temos um processo cível iniciado em 2015. Em 2016, saiu a sentença condenando o pagamento de uma indenização por danos morais, além de uma pensão, já que Paulo Ricardo, que tinha um salário em torno de R$ 1,6 mil, cuidava do sustento da família. Deveria ser pago também um seguro no valor de R$ 25 mil. Em 2022, houve a confirmação da sentença, mas tanto a CBF como o Santa apresentaram recursos em uma instância superior, em Brasília. Estamos aguardando que o processo seja digitalizado. Falta isso para o recurso ser apreciado”, indicou o advogado dos familiares, Eduardo Figueiredo.

A Folha tentou contato com a CBF e o Santa Cruz, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

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