Cheiro de sangue no mar de Temer
Vinicius Torres Freire – Folha de S.Paulo
DESDE O INÍCIO do ano, Renan Calheiros faz campanha para acabar com o governo de Michel Temer. Atira em especial na reforma da Previdência, mas também na terceirização ou na economia de Henrique Meirelles.
Há quem diga que a sabotagem ruidosa é sintoma da agonia de Calheiros, que estrebucharia a caminho do fim de carreira ou até da cadeia. Pode ser sintoma de algo mais.
Calheiros sentiu o cheiro de sangue no Congresso, assim como outros tubarões, cações e caçonetes parlamentares. Atiça colegas contra o governo faz dois meses, mas muitos deles estariam com vontade de morder, mesmo sem o estímulo de Calheiros.
A hipótese de sangramento é que o governo Temer não garantiria futuro político a ninguém: não tem prestígio no eleitorado, não ressuscitou logo a economia, não segura a Lava Jato e ainda quer que os parlamentares acabem de se enforcar votando reformas impopulares.
Desde a semana passada, este jornalista ouviu 16 deputados federais da coalizão do governo, metade do PMDB. Nenhum deles renanzista.
Quase todos, menos um, parecem dar escassa atenção ao debate financeiro da Previdência, como se dissessem “com alguma reforminha, a coisa se ajeita, mas, como está, não passa”.
A ideia de que a derrubada da reforma possa afetar a recuperação da economia lhes parece uma abstração. Um possível “milagre do crescimento” em 2018 ora também não entra na conta eleitoral. Além do mais, para piorar o descompromisso, o peemedebismo de raiz adere a qualquer governo, mas não tanto. Lá, todos são especialistas em desembarque, até do governo deles mesmos.
Calheiros pegou essa onda de mau humor a fim de tentar resolver sua vida. Mais difícil é saber se pode desembarcar de fato ou com quantas tropas conta, embora pareça cada vez mais isolado. Vaticina que, no presente estado de coisas, de reformas intragáveis propostas “sem discussão” ao Congresso, “vai cair governo para um lado e PMDB para o outro”.
Ataca a terceirização tal qual um petista. Faz discursos contra boa parte da reforma da Previdência, “exagerada”, que “não vai resolver o problema [econômico] de agora”, apenas aplacar o “mercado”.
Atacou tanto o corte de gastos de Meirelles quanto a volta da cobrança de imposto sobre folha de salários. Diz que o ministro agrava a recessão, “uma brutalidade contra os mais pobres”. Ele e seu grupo atacam também os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria de Governo), cheios de “soberba”.
Pode ser que Calheiros pretenda apenas garantir seu habeas corpus preventivo, o foro privilegiado pela reeleição em 2018, e a sobrevivência do governador Renanzinho e de seu grupo político, que caem pelas tabelas em Alagoas.
Para tanto, valeria um ministério (Portos), mais dinheiro para seu quintal eleitoral e cargos bastantes para dissipar a impressão de que perde poder. Se sente desprestigiado por derrotas em nomeações no Senado, em estatais, em tribunais.
Calheiros, porém, foi longe demais; muito contribuiu para envenenar o ambiente da tramitação das reformas. Temer vai ter de gastar muito “recurso político” a fim de evitar a derrocada da mudança da Previdência, na prática o fim de seu governo. Vai gastar com Calheiros?