É a primeira vez que Bolsonaro é citado diretamente no suposto esquema de negociação de joias investigado pela Polícia Federal. Procurada, a defesa de Bolsonaro não se manifestou até a publicação desta reportagem.
— Mauro Cid vendeu o relógio a mando do Bolsonaro com certeza e entregou o dinheiro a ele — contou Bitencourt. — Os 35 mil (dólares) que entraram na conta do pai dele (o general Mauro Cesar Lourena Cid) eram parte do pagamento que ele deu ao ex-presidente.
O advogado Cezar Bittencourt, que assumiu a defesa do tenente-coronel nesta semana, disse que o militar pretende prestar um novo depoimento à PF assumindo o crime. Ele dirá que seguiu as determinações do ex-chefe. As informações foram dadas primeiramente à revista Veja e confirmadas por ele, em seguida, ao Globo.
A investigação da Polícia Federal indica ainda que Lourena Cid tinha consigo US$ 25 mil em espécie que seriam de Bolsonaro. Em mensagens, o ex-ajudante de ordens, filho do general, discute com outro auxiliar do ex-presidente como seria a melhor forma de entregar o dinheiro a Bolsonaro. Para Cid, o ideal seria evitar utilizar contas bancárias.
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ (dinheiro vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente. Entregaria em mãos. Quanto menos movimentação em conta, melhor né? “, disse Cid na mensagem, de 18 de janeiro deste ano, data em que Bolsonaro estava nos Estados Unidos.
A nova estratégia da defesa do ex-ajudante de ordens foi adiantada pelo Globo, nesta quarta-feira. Ao assumir os inquéritos da Polícia Federal em que o ex-ajudante de ordens é investigado, ele afirmou que a carreira do militar é marcada pelo respeito à “obediência hierárquica” dentro do Exército Brasileiro e que o oficial “sempre cumpriu ordens” do ex-presidente:
— Passei três horas com ele (Cid) ontem à tarde. Ele era um assessor, e o ex-presidente era o superior dele. Ele vai prestar depoimento dizendo aquilo que é a verdade, o que realmente aconteceu. Se compromete ou se não compromete o ex-presidente, é indiferente. Cada um com suas responsabilidades. O compromisso dele é com a verdade.
Em entrevista ao Globo, Bitencourt disse que o respeito à “obediência hierárquica” pode, inclusive, “afastar a culpabilidade” do ex-ajudante de ordens em investigações sobre o suposto desvio de joias do acervo presidencial e também sobre a suposta fraude em cartões de vacina:
— Então ele assumiu que errou, quer fazer mea culpa e eu prometi que vou protegê-lo, vou acompanhar. São coisas muito complicadas, ele precisa se sentir seguro. Ele vai assumir a responsabilidade da parte dele e o resto é consequência. Cada um com seus próprios problemas.
Bolsonaro: “Nunca peguei dinheiro”
À “CNN Brasil”, Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira que nunca pegou dinheiro de ninguém.
— Eu não peguei dinheiro de ninguém. Minha marca é a honestidade e sempre será. Contra mim, não tem absolutamente nada. Não há nada de concreto contra mim. O tempo vai mostrar tudo — afirmou Bolsonaro.
Questionado sobre a informação dada pelo advogado, de que Cid confessaria o repasse de dinheiro, o ex-presidente atribuiu a postura à tentativa de proteger o pai do ex-ajudante, que é suspeito de ajudar na venda de presentes de Estado.
— Acredito que o Cid esteja preocupado com o pai dele. Soube que tanto o pai como a mãe estão deprimidos. Ele já está preso há mais de 100 dias. Quem não fica abalado? É triste isso. Eu lamento tudo o que está acontecendo.
Reunião com Moraes
À revista Veja, Cezar Bitencourt disse que vai se reunir com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que seu cliente confesse o crime e, em retorno, receba alguma atenuante.
Acionada pela família de Cid anteontem, a equipe do advogado solicitou a Moraes o acesso à íntegra dos inquéritos. No fim do dia, ele esteve no Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília, onde o oficial está preso preventivamente desde maio por ordem do magistrado. Além de ouvir o cliente, Bitencourt pretende se reunir com o pai dele, o general Mauro Cesar Lourena Cid, nos próximos dias.
Na semana passada, o general foi alvo de um mandado de busca e apreensão por suspeita de envolvimento no esquema das joias. O fato chamou a atenção justamente porque, desde que recaíram suspeitas sobre a participação de seu filho em negócios ilícitos, Lourena Cid não só se mudou para Brasília como também atuou de perto em sua defesa.
A interlocutores, o general de quatro estrelas sustentava que o tenente-coronel estava sendo perseguido politicamente e contava ter o apoio de colegas das Forças Armadas. Lourena Cid foi colega de Bolsonaro nas turmas de cadetes da Academia Militar de Agulhas Negras (Aman) nos anos 1970 e foi escalado por ele para chefiar o escritório brasileiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), nos Estados Unidos.
A divulgação pelo Globo, há dez dias, de e-mails que mostram Mauro Cid negociando a venda de um relógio Rolex por R$ 300 mil já teria acendido o primeiro sinal de alerta no advogado Bernardo Fenelon, que o defendia até então. Nas mensagens em inglês, o oficial negava possuir certificado da joia, pois havia sido um “presente recebido durante uma viagem oficial”, e afirmava que pretendia vender o relógio por US$ 60 mil (cerca de R$ 300 mil, na cotação atual).
Papel de Wassef
De acordo com as investigações da PF, a equipe do ex-presidente vendeu dois relógios a uma loja localizada na Pensilvânia, nos Estados Unidos, em junho de 2022. Um dos relógios era um Rolex que integrava um kit de joias dado pela Arábia Saudita. O outro era da marca suíça Patek Philippe, que teria sido dado por autoridades do Bahrein em novembro de 2021, durante visita de Bolsonaro àquele país. Pela venda dos dois relógios, segundo a PF, Cid obteve US$ 68 mil, que foram depositados na conta do general Mauro Cesar Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
O Rolex foi recomprado da loja americana pelo advogado Frederick Wassef, em março deste ano, para que pudesse ser devolvido ao poder público após determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). A existência desse relógio era conhecida porque ele havia sido registrado no acervo privado do então presidente. Já o paradeiro do Patek Philippe é desconhecido. Segundo a PF, ele não foi recomprado, como o Rolex, porque não havia sido registrado no acervo presidencial e, portanto, sua existência era desconhecida e o TCU não exigiria sua devolução.