Cinco anos de Faroeste: Seis dos oitos desembargadores investigados foram aposentados pelo TJ-BA
Por Camila São José
Indícios da formação de uma organização criminosa no seio do Poder Judiciário baiano, envolvendo esquema de venda de sentenças ligadas a terras no oeste do estado e outros crimes com a participação de desembargadores, juízes, advogados e servidores. Com base nessas suspeitas, a Polícia Federal (PF) deflagrou em novembro de 2019 a tão conhecida Operação Faroeste.
Naquela época, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou 15 pessoas e apontou para a existência do esquema criminoso desde 2013, tendo como principal operador o quase cônsul da Guiné-Bissau, Adailton Maturino.
A organização criminosa, conforme denúncia do MPF, atuava por meio de três núcleos:
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Econômico – formado por produtores rurais dispostos a pagar por ordens judiciais que os permitissem legitimar a posse e a propriedade de imóveis onde exerciam as suas atividades;
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Jurídico – caracterizado pela atuação de desembargadores e juízes que pronunciavam as decisões negociadas pelos operadores do esquema enquanto os servidores do TJ-BA auxiliavam na elaboração de minutas e petições;
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Causídico – composto por advogados que intermediavam as negociações entre membros dos núcleos jurídico e econômico, formalizavam os acordos e adotavam as providências judiciais e extrajudiciais necessárias para garantir as vantagens obtidas com as decisões judiciais negociadas.
Durante as investigações foram verificadas trocas de ligações em datas próximas a atos processuais, contatos variados com advogados ligados a outros integrantes da organização criminosa, dados bancários e movimentações financeiras com cifras milionárias, em espécie e sem a indicação da origem.
O processo originário de todo esse esquema está ligado a José Valter Dias, que saiu da condição de borracheiro para o maior latifundiário da região oeste da Bahia a partir de plano executado por Adailton Maturino, como aponta o MPF. Por meio da atuação ilícita, destacada na denúncia, o “borracheiro” passou a ser dono de cerca de 366 mil hectares de terras na cidade de Formosa do Rio Preto e a movimentar cifras que, àquela época, superavam R$ 1 bilhão.
Para viabilizar a atividade criminosa, o Ministério Público Federal confirmou que Maturino constituiu uma empresa de fachada, cujo capital social declarado era de R$ 580 milhões.
Na lista dos denunciados pelo MPF em 2019 estão os desembargadores Maria da Graça Osório Pimentel, José Olegário Monção Caldas, Maria do Socorro Barreto Santiago (ex-presidente do TJ-BA) e Gesivaldo Nascimento Britto, presidente do tribunal baiano na época da deflagração da Faroeste.
A lista ainda trazia os juízes Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, Marivalda Almeida Moutinho e Márcio Reinaldo Miranda Braga. Além dos operadores e beneficiados: Antônio Roque do Nascimento Neves (ex-secretário do TJ-BA), Júlio César Cavalcanti Ferreira (advogado), Karla Janayna Leal Vieira (sobrinha da desembargadora Maria da Graça Osório), Adailton Maturino dos Santos, Geciane Souza Maturino dos Santos (esposa de Adailton), Márcio Duarte Miranda (advogado, genro da desembargadora Maria do Socorro), José Valter Dias (o “borracheiro”) e Joílson Gonçalves Dias (filho de José Valter).
Ao longo dos anos, outros quatro desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia também foram denunciados por envolvimento no esquema: Cassinelza da Costa Santos Lopes, Lígia Maria Ramos Cunha Lima, Ilona Márcia Reis e Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo.
Agora, cinco anos depois, qual a situação dos acusados? Nenhum deles foi condenado criminalmente, recebendo apenas sanções disciplinares. A ação penal 940, entre inúmeros recursos, segue tramitando no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria do ministro Og Fernandes.
Enquanto a ação penal não é concluída no STJ, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o próprio TJ-BA e até o tempo foram responsáveis por estabelecer a aposentadoria de seis dos oito desembargadores suspeitos de envolvimento nas atividades criminosas.
Desembargadores investigados na operação, aposentados. Fotos: Max Haack / Ag. Haack / Bahia Notícias, Nei Pinto, TJ-BA e Divulgação
O ex-presidente do Tribunal de Justiça, Gesivaldo Nascimento Britto foi aposentado compulsoriamente por idade em outubro de 2021, por completar 75 anos. No ano seguinte, em março de 2022, o desembargador José Olegário Monção Caldas também foi aposentado compulsoriamente por ter atingido a idade limite para ocupar o cargo.
Pelo mesmo motivo, a desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel deixou a Corte em maio de 2023. Mais recentemente, em julho deste ano, a desembargadora Ilona Márcia Reis também foi aposentada compulsoriamente pela idade.
Já as aposentadorias compulsórias das desembargadoras Lígia Maria Ramos Cunha Lima e Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo foram estabelecidas pelo CNJ. Na sessão do dia 19 de novembro, o Conselho aplicou a penalidade máxima prevista na Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) a Lígia Maria devido à acusação da sua interferência nas investigações da Faroeste. O decreto que oficializou a aposentadoria foi publicado pelo TJ-BA no dia 13 de dezembro.
Agora no mês de dezembro, na sessão do dia 10, o CNJ constatou um esquema de “rachadinha” no gabinete da desembargadora Sandra Inês e aplicou a aposentadoria compulsória. No âmbito da Operação Faroeste, ela é acusada de ter recebido propina de R$ 250 mil, para dar parecer favorável a uma empresa em um processo judicial. A magistrada chegou a firmar acordo de delação premiada com o MPF, porém o termo foi anulado pelo ministro Og Fernandes em novembro.
Sandra Inês ainda é alvo de uma nova denúncia aceita pelo STJ, em desdobramento da força-tarefa. Junto com ela também foram denunciados o seu filho, Vasco Rusciolelli; o produtor rural Nelson José Vigolo, dono da Bom Jesus Agropecuária Ltda; e os advogados Júlio César Cavalcanti e Vanderlei Chilante.
AFASTAMENTOS
No caso da ex-presidente Maria do Socorro Barreto Santiago, o afastamento dos corredores do TJ-BA completa cinco anos. Em abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu uma nova denúncia do MPF contra a magistrada, ainda envolvendo questões da Faroeste e, por conta disso, o afastamento cautelar da função foi mantido.
Ela recorreu da decisão da Corte Especial do STJ junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), em uma nova tentativa de voltar ao cargo no tribunal, mas teve o pedido negado pelo ministro Edson Fachin.
Quanto à desembargadora Cassinelza da Costa Santos Lopes o afastamento foi decretado pelo CNJ em novembro do ano passado. Ela responde a um processo administrativo disciplinar (PAD), diante de indícios de um possível conluio com o promotor de Justiça Alex Moura e os autores da ação referente a usucapião de uma fazenda em São Desidério, no oeste da Bahia.
A decisão da então juíza Cassinelza, proclamada em tempo recorde, foi favorável à família Horita, investigada pela Faroeste. Naquele ano ela foi designada para atuar na comarca pelo então presidente do TJ-BA, desembargador Gesivaldo Nascimento Britto, também investigado na operação.
Desembargadoras Maria do Socorro (à esquerda) e Cassinelza (à direita). Fotos: TJ-BA
SITUAÇÃO DOS JUÍZES
O juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio acumula uma série de penas de aposentadoria compulsória aplicadas pelo CNJ e pelo TJ-BA, no âmbito da Faroeste e fora da operação também.
O agora ex-juiz foi preso e ficou detido no batalhão da Polícia Militar, em Lauro de Freitas, mas teve a prisão preventiva convertida em domiciliar em fevereiro de 2022. Neste mesmo ano, no mês de abril, diante do grave quadro de saúde, a 2ª Vara Criminal Especializada de Salvador converteu a prisão preventiva de Sérgio Humberto em domiciliar, com entrega do passaporte. Ele se recusou a tomar a vacina contra a Covid-19 enquanto estava detido na cidade da Região Metropolitana de Salvador.
Ele é monitorado por tornozeleira eletrônica e está proibido de deixar a capital baiana. Somente em 2024, Sérgio Humberto tentou por duas vezes “se livrar” do monitoramento alegando que a manutenção das medidas cautelares estaria o impedindo de se deslocar para cidades no sul da Bahia, “onde o custo de vida é menor e poderia estar próximo aos seus familiares que lá residem, reconstruindo, de maneira discreta, sua vida ao lado de sua esposa e filhos”.
Também argumenta que a obrigação do uso da tornozeleira eletrônica já perdura por mais de dois anos, “sem notícia de qualquer violação de sua parte”. Para a defesa do ex-juiz, a manutenção da medida está “lastreada na gravidade em abstrato da conduta” e no risco de fuga que nunca existiu.
Outra juíza denunciada pelo MPF é Marivalda Almeida Moutinho, afastada das funções desde 2019, quando foi aceita denúncia contra ela por suposta prática dos crimes de pertencimento a organização criminosa e de lavagem de dinheiro. A magistrada também foi proibida de acessar as dependências do TJ-BA e de manter contato com servidores.
Na mesma decisão que prorrogou o afastamento por mais um ano da desembargadora Maria do Socorro, a Corte Especial do STJ também determinou a manutenção da medida cautelar em relação à Marivalda.
Em recurso que tramita no STF, Marivalda Almeida Moutinho questionou a mais recente prorrogação, mas ao analisar o caso, o ministro Edson Fachin negou a solicitação.
Já o juiz Márcio Reinaldo Miranda Braga foi o único investigado a ser reintegrado ao TJ-BA. O Conselho Nacional de Justiça revogou o afastamento do magistrado em fevereiro de 2022.
Juízes denunciados pelo MPF por suposto envolvimento no esquema. Fotos: TJ-BA
FORO PRIVILEGIADO
A aposentadoria pode implicar diretamente no andamento das ações penais contra os envolvidos no esquema. Isso porque, ao se aposentar do cargo de desembargador ou desembargadora, os investigados perdem a prerrogativa de foro e consequentemente não poderão ser julgados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Isto foi o que aconteceu com a desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel Leal. O ministro Og Fernandes decretou o fim do foro e determinou a remessa da ação penal contra a magistrada para o Tribunal de Justiça da Bahia, na primeira instância.
Em outubro de 2023 foi dada a baixa definitiva do processo para que os autos fossem remetidos a uma das Varas Criminais Especializadas da comarca de Salvador.
A referida ação investiga os possíveis crimes de corrupção ativa e passiva, e lavagem dinheiro cometidos pela ex-desembargadora do TJ-BA, e a sua sobrinha, Karla Janayna Leal Vieira, o casal Adailton e Geciane Maturino, e produtor rural Dirceu Di Domênico (saiba mais). O grupo é acusado de integrar um esquema de venda de sentenças relacionado a 365 mil hectares – terreno avaliado em mais de R$ 1 bilhão, em valores atualizados – no oeste da Bahia.
O processo foi direcionado para a 1ª Vara Criminal Especializada da capital. No entanto, em setembro, a unidade declinou da sua competência e determinou a remessa da ação para a Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro de Salvador.
VENCIMENTOS DOS DESEMBARGADORES
Apesar das sanções disciplinares e de todas as acusações, os denunciados seguem recebendo os seus vencimentos – salários – do TJ-BA, como prevê a LOMAN.
Em levantamento feito pelo Bahia Notícias junto à Transparência do tribunal baiano, é possível confirmar que a desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel recebeu em 2024, em valores líquidos até o mês de novembro, um total de R$ 354.337,78, com valores variando por mês de R$ 27.645,35 a R$ 51.113,53.
Ao desembargador José Olegário Monção Caldas foram pagos em valores líquidos no mesmo período, de janeiro a novembro deste ano, R$ 359.302,44. O salário variou entre R$ 28.096,69 e R$ 50.660,13.
Referente à desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, o total líquido pago nos 11 meses deste ano é de R$ 490.403,54. O menor valor, como consta na Transparência, é de R$ 29.848,71 e o maior, R$ 57.664,90.
Os vencimentos líquidos do desembargador Gesivaldo Nascimento Britto acumulam R$ 354.337,78, variando de R$ 27.645,35 a R$ 51.113,53.
Sobre Cassinelza da Costa Santos Lopes, desembargadora ativa no sistema do TJ-BA, de janeiro a novembro chega a R$ 498.251,01. A maior quantia é do mês de janeiro, R$ 65.512,37, e a menor de fevereiro, R$ 29.848,71. A média salarial ficou em R$ 48.613,20.
Na folha de pagamento de Lígia Maria Ramos Cunha Lima, o total líquido até o mês passado é de R$ 490.403,54, com a média de R$ 48,613.20 por mês.
A quantia líquida paga à desembargadora Ilona Márcia Reis é da cifra de R$ 347.472,78 e a Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, R$ 513.798,74.