Cinco instituições particulares concentram 27% dos alunos de graduação do país

 

Cinco instituições particulares de ensino superior concentram 27% de todos os alunos desta etapa do Brasil —dos 9,4 milhões dos matriculados em cursos de graduação no país em 2022, mais de 2,5 milhões estavam nessas entidades.

Juntas, elas detêm mais alunos do que todas as 312 instituições públicas de ensino superior do país, que possuem hoje 2,07 milhões de estudantes. É a maior concentração de matrículas em poucas instituições já registrada, segundo dados do Censo do Ensino Superior 2022.

Para especialistas, a flexibilização das regras para a abertura de cursos a distância beneficiou sobretudo os grandes grupos educacionais.

É exatamente no ensino a distância que as cinco maiores possuem mais matrículas. Dos 2,5 milhões de alunos da Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera (do grupo Cogna), Centro Universitário Leonardo da Vinci, Universidade Cesumar, Universidade Estácio de Sá e da Universidade Paulista, mais de 2,3 milhões estão em cursos a distância —o que representa 91% do total de matrículas.

“O setor privado pressionou o poder público a fragilizar cada vez mais a regulação para a expansão do ensino a distância. As regras mais flexíveis favoreceram a concentração do ensino superior, porque os grupos, que já eram grandes, conseguiram oferecer cursos a custos cada vez mais baixos e se fortaleceram”, diz Leandro Tessler, professor da Unicamp e especialista em ensino superior.

A reportagem procurou as cinco universidades, mas apenas a Unip respondeu. A vice-reitora de administração da instituição, Claudia Andreatini, disse que a qualidade dos cursos a distância é a mesma dos presenciais.

“O EaD [ensino a distância] permitiu a democratização do acesso ao ensino superior, com essa modalidade nós conseguimos levar a Unip para todos os estados brasileiros. Temos uma enorme preocupação com a qualidade do ensino, que é mantida porque desenvolvemos um material muito bem elaborado que é utilizado em todo o país”, disse.

A concentração em poucas instituições privadas se intensificou nos últimos anos com uma série de mudanças na legislação que tornou mais fácil a abertura de cursos a distância. Em 2012, por exemplo, 29 instituições de ensino concentravam esse mesmo percentual de 27% dos estudantes em graduação. O número foi caindo ano após ano até chegar a cinco em 2022.

Em 2012, essas mesmas instituições concentravam 12% das matrículas de graduação do país, com pouco mais de 700 mil estudantes. Ou seja, elas mais do que triplicaram o número de alunos neste período.

A maior concentração verificada se dá a partir de 2017, após um decreto do governo Michel Temer (MDB) dar autonomia para as instituições de ensino abrirem até 250 polos de ensino a distância sem a necessidade de aprovação pelo Ministério da Educação, como ocorria antes.

Em apenas um ano após a regulação ser afrouxada, o número de polos mais do que dobrou no país —saltando de 6.583 para 15.394.

“Como se tornou fácil, rápido e barato abrir cursos na modalidade a distância, essas faculdades apostaram no modelo para ampliar o número de alunos e chegar a todos os cantos do país. O problema é que o país não há mecanismos para exigir qualidade desses cursos”, diz Maria Angélica Minhoto, professora do departamento de Educação da Unifesp.

O Censo não traz dados sobre a qualidade dos cursos de graduação, mas algumas informações dão indicativo importante sobre como ocorre a oferta dos cursos. Essas cinco universidades têm, por exemplo, uma proporção de alunos por professor muito superior à média do país.

A Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera, que concentra a maior fatia de matrículas, tem uma média de 1.325 alunos por professor nos cursos a distância —enquanto a média do país nessa modalidade é de 171 alunos por docente. A instituição praticamente triplicou o número de alunos de 2012 a 2022 (passando de 202 mil para 693 mil), mas reduziu o quadro docente (de 708 para 523).

Já o Centro Universitário Leonardo da Vinci tem 2.594 alunos para cada professor. Com 669 mil estudantes, a instituição conta com 258 docentes.

“A modalidade a distância não é ruim, o problema é a forma como foi implementado sem que fossem determinados critérios mais rígidos para garantir a qualidade. Como ofertar um ensino de qualidade com tão poucos professores? Como um docente consegue acompanhar o aprendizado de mais de 2.000 alunos?”, disse Tessler.

Na semana passada, quando os dados do Censo foram divulgados, o ministro da Educação, Camilo Santana, classificou como “alarmante e desafiador” o avanço de cursos a distância no país. Ele disse ter preocupação com a qualidade do ensino ofertado nessa modalidade e prometeu que o governo irá rever os critérios de regulação.

O ministro destacou ainda especial preocupação com o predomínio do ensino a distância nas licenciaturas.

Dados do Censo do Ensino Superior mostram que 64,4% dos concluintes em licenciaturas estudaram à distância. Essa proporção quase dobrou em uma década, em relação aos 33,8% registrados em 2012. Para comparação, 15% dos graduados em cursos de bacharelado no ano passado fizeram a modalidade online.

Um levantamento do Todos pela Educação analisou dados do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) e verificou a queda de qualidade dos cursos a distância de formação de professores nos últimos anos. Dos 15 cursos analisados, 9 tiveram redução na nota média do exame. Todos também têm notas menores do que os cursos presenciais.

 

Isabela Palhares/Cristiano Martins/Folhapress

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