Cirurgião diz que Santa Casa de Maceió aniquilou o SUS e a misericórdia

Hemerson Casado exalta missão de instituto despejado e de José Wanderley Neto para os doentes pobres

Hemerson Casado Gama é cirurgião cardíaco diagnosticado com ELA e é ativista de direitos de pessoas com doenças raras (Foto: Divulgação)

O cirurgião cardíaco Hemerson Casado Gama escreveu, nesta sexta-feira (15), uma carta aberta aos alagoanos em que afirma que a atual provedoria da Santa Casa de Misericórdia de Maceió “acabou com a misericórdia de Deus” da entidade filantrópica e aniquilou o Sistema Único de Saúde (SUS). A manifestação acontece no dia em que a entidade tratou como fake news a denúncia de que a entidade despejou o Instituto de Doenças do Coração (IDC) e está desmontando a estrutura de atendimento a doentes cardíacos pobres de Alagoas.

No texto intitulado “Coração Partido”, o ex-integrante do IDC presta solidariedade ao cardiologista denunciante, José Wanderley Neto, ex-vice-governador de Alagoas. E afirma que o instituto fez a Cardiologia alagoana alcançar patamares jamais imaginados, para tratar os pacientes menos favorecidos, desde que foi fundado há 40 anos por Wanderley Neto, Luis Daniel torres, Antônio de Biase, Cid Celio Cavalcante, Gilvan Dourado mais quatro cardiologistas.

Solidário à Cardiologia que teve que abandonar pelo avanço da esclerose lateral amiotrófica (ELA), ocirurgião cardíaco Hemerson Casado também segue entrincheirado em sua luta por tratamento para doenças raras. Ele questiona se não há mais ninguém na Santa Casa e em Alagoas para socorrer Wanderley Neto.

“Ninguém para socorrê-lo, nem os colegas de trabalho da Santa Casa, nem de outros estabelecimentos. Onde está o sindicato, o CRM e a Associação de Medicina? Onde estão os gestores do SUS que tanto tiraram proveito daquele homem? Onde está o Ministério Público? Onde estão todos que não respondem?”, pergunta Hemerson Casado em sua carta.

Autocracia

Ao criticar a atual gestão da Santa Casa de Maceió, Hemerson Casado acusa o grupo comandado pelo provedor Humberto Gomes de Mello de neutralizar o ex-diretor executivo Paulo de Lira e “começar a destruir os serviços para se apropriar de todo poder como uma autocracia”.

Hemerson afirma que, por razões diversas, entre dizimados e submissos, José Wanderley Neto seguiu de pé lutando pelo sonho de servir aos pobres na cardiologia, “como um Dom Quixote e sua lança”.

Assim como ocorreu antes da publicação da primeira matéria sobre o desmantelamento do IDC, o Diário do Poder não obteve retorno dos contatos feitos para a assessoria de imprensa da Santa Casa, para que a entidade se pronunciasse sobre a carta de Hemerson Casado. Na quinta-feira (14), a Santa Casa publicou nota negando o despejo do IDC denunciado por Wanderley Neto e disse não haver danos a pacientes do SUS. Nesta sexta, tratou as denúncias como “notícia falsa”.

Leia a íntegra da carta de Hemerson Casado:

CORAÇÃO PARTIDO – Carta ao Dr. Wanderley e aos alagoanos

*Hemerson Casado Gama
Cirurgião cardíaco

Hoje eu me dirijo aos alagoanos para contar uma história que é de cortar o coração. É a história do Instituto de Doenças Cardiovasculares (IDC), fundado em 1978 por cinco jovens médicos vindos de alguns anos de residência no Rio de Janeiro. Naquela época, a Meca da Cardiologia, vindo a ser superada, alguns anos depois, por São Paulo.

Esses jovens médicos eram Luis Daniel torres, do Espírito Santo, Antônio de Biase, do Rio de janeiro, Cid Celio Cavalcante, de Alagoas, Gilvan Dourado, do Espírito Santo, e um jovem sertanejo extremamente talentoso e carismático, de Alagoas, José Wandeley Neto.

Dr. Hemerson integrou equipe de Wanderley Neto no IDC, na Santa Casa (Foto: Arquivo pessoal)

Eles, juntos, fizeram a Cardiologia alagoana alcançar patamares jamais imaginados. E tudo isso para tratar os pacientes menos favorecidos, os das classes C, D e E. E às vezes alguns das classes A e B que resolviam dar um voto de confiança no jovem cirurgião.

Maceió foi, é, e sempre será uma colônia. Nós temos isso no DNA, não tem como mudar. Na época em que a equipe do Dr. Wanderley Neto despontava como uma das melhores do Brasil, o resto da Cardiologia trabalhava para enviar os pacientes para São Paulo, agindo como evasores de divisas, para beneficiar cirurgiões de São Paulo.

Numa comunidade onde a medicina tinha que ter fé e autossuficiência, o pior era saber que essa Cardiologia, que trabalhava a serviço de São Paulo com os pacientes ricos, não tinha a menor vergonha de encaminhar os pobres e miseráveis de empregos públicos para serem tratados pelo Dr. Wanderley e sua equipe.

E este recebia os pacientes como se fossem reis e rainhas, oferecendo o melhor que era possível. Eu fiz parte dessa história. Uma história que formou dezenas de novos especialistas em Cardiologia, Cirurgia Cardiovascular, Hemodinâmica, Eletrofisiologia e UTI, muitos profissionais que hoje atuam em Maceió, Alagoas, e em várias partes do nosso imenso Brasil.

Sim, eu fiz parte dessa história. Eu vi o crescimento da equipe e vi o quanto isso influenciou o crescimento da Santa Casa de Maceió, que na época era “de Misericórdia” e, desde que essa atual gestão assumiu, “acabou com a misericórdia de Deus”.

Eu cheguei naquele nosocômio em 1986, era uma época de grandes transformações, tudo capitaneado pelo Sr. Paulo de Lira, diretor executivo, pessoa simples, funcionário de carreira, nada acadêmico, mas conhecia tudo daquela casa. Tinha uma equipe de confiança, todos sem diplomas e sem gravatas, mas fizeram a Santa Casa prosperar quando todas as outras do Brasil jaziam com problemas financeiros e de gestão.

O segredo foi fazer parcerias com os médicos. Estes deixariam de ser meros prestadores de serviços para, no novo modelo, participarem dos destinos do hospital. Seriam sócios do hospital na alegria e na tristeza. Foi assim com a Cardiologia, Nefrologia, Oncologia, Terapia Intensiva, Patologia Clínica, Hemoterapia, Medicina Nuclear, entre outros.

Esse foi o período em que a Santa Casa de Misericórdia floresceu, mas o serviço de Cardiologia ia além disso. Foi uma época de ouro, transplantes, cirurgias pediátricas, angioplastia, ecocardiografia, programas de residência médica, trabalhos científicos, prêmios, etc, tudo isso para o crescimento do SUS.

Como tudo que é bom um dia acaba, o grupo, por razões várias, foi se desfazendo. Mas um homem permaneceu em pé. Esse homem foi José Wandeley Neto. Ele, como um Dom Quixote e sua lança, continuou a lutar pelo sonho de servir aos pobres. Ele foi vendo o golpe de estado que foi dado pela atual provedoria que, de chefe de estado para chefe de governo, numa manobra espetacular, tomou conta do Conselho, que não tem a mínima ideia do que é controlar um hospital sem a participação de médicos.

 Neutralizou o senhor Paulo de Lira e colocou um lacaio como diretor médico. Encheu a casa de acadêmicos engravatados, aniquilou o SUS, tirou a misericórdia do lugar e começou a destruir os serviços para se apropriar de todo poder como uma autocracia e, aos poucos, um a um, foram caindo os que outrora foram responsáveis pela salvação do hospital.

Alguns viraram aliados submissos, outros foram dizimados, mas um homem sobreviveu em pé, firme com todas as forças, em nome dos pobres e necessitados, esse homem foi José Wanderley Neto.

Há dez anos ele resistia, sozinho, para assegurar que o homem do interior, o homem da periferia de Maceió, a classe média baixa, sem convênios, tivesse acesso ao tratamento. Eles tentaram de tudo para derrubar esse homem. Por último, seduziram os que eram seus aliados para que o abandonassem. Ele ficou só, ninguém para socorrê-lo, afora poucos aliados.

 Ninguém para socorrê-lo, nem os colegas de trabalho da Santa Casa, nem de outros estabelecimentos. Onde está o sindicato, o CRM e a Associação de Medicina? Onde estão os gestores do SUS que tanto tiraram proveito daquele homem? Onde está o Ministério Público? Onde estão todos que não respondem?

Esta semana eu ligo o meu computador e vejo o anúncio de despejo daquele homem e seus quarenta anos de trabalho, dedicados à Santa Casa, que não tem mais nada com a misericórdia. Quarenta anos dedicados ao próximo, fosse ele colegas médicos, estudantes, residentes, pacientes, familiares.

Eu adoeci há seis anos, mas antes disso fui um soldado fiel desse homem, que sempre foi um chefe rigoroso, mas um ser humano simples, amigo de todos, com um coração generoso e uma capacidade enorme de fazer o bem e de fazer Alagoas prosperar em favor dos mais necessitados.

Meu caro Dr. Wanderley, o senhor não está só. Os seus amigos fiéis estarão sempre ao seu lado, os seus pacientes sempre estarão com você e, principalmente, Deus está vendo tudo que está acontecendo com você e tudo que estão fazendo com você. Ele vai te reerguer, pois tu és um filho amado e ele vai te glorificar.

Hemerson Casado Gama

Formado em medicina pela Universidade Federal de Alagoas, cursou residência médica em cirurgia cardiovascular no Brasil e na Escócia. Atuou por 25 anos, até ser acometido pela Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Como médico e paciente, percebeu as dificuldades para enfrentar as doenças raras no Brasil e tornou-se ativista. Criou o Instituto Dr. Hemerson Casado Gama e luta pela criação de um centro de referência onde portadores e familiares recebam toda forma de terapia.

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