Codevasf sob Lula esvazia poder de gestores e centraliza punições em meio a suspeitas
Presidente da estatal federal Codevasf, o engenheiro Marcelo Moreira baixou uma regra suspendendo o poder das superintendências da estatal de barrar empresas de licitações.
Moreira determinou que esse tipo de penalidade deve ser aprovada pelos diretores da Codevasf, ou seja, não pode mais ser aplicada diretamente pelas unidades da estatal nos estados.
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi entregue pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) ao centrão e é mantida dessa forma por Lula (PT) em troca de apoio no Congresso. Ela escoa verbas de emendas parlamentares em obras de pavimentação e maquinários.
A nova regra da direção da Codevasf foi imposta em maio, quando o presidente da estatal agiu para reverter uma punição dada à RCP Serviços de Engenharia pela superintendência da companhia no Maranhão. A diretoria da estatal federal é composta por Moreira e outros três membros.
A regional da Codevasf havia impedido a RCP de licitar e assinar contratos com a companhia durante dois anos por causa da inexecução total de um contrato de pavimentação —a punição foi reduzida para dois meses.
A obra de R$ 1,43 milhão para pavimentação em bloco intertravado de concreto no município de São José de Ribamar (MA) nem sequer havia começado, mas a RCP alegou que o aumento do preço dos insumos e a crise sanitária da Covid-19 tornaram o serviço inexequível e recorreu à presidência da Codevasf.
A Codevasf não chegou a pagar a RCP pela obra. Órgãos ligados ao comando da estatal sugeriram, então, a revisão da penalidade.
O fiscal do contrato havia recomendado a punição ao apontar “descaso” com o serviço, “realizando tratativa de onerar o objeto, sendo uma burla do processo licitatório agregar valor sem o efetivo início da obra”, além de prejuízo para a população.
Para sugerir a mudança na punição, a equipe de Moreira argumentou que a empresa tem mais de 20 contratos firmados com a Codevasf, superando R$ 50 milhões, principalmente para serviços no Ceará.
A penalidade poderia atrapalhar as outras obras, segundo o comando da estatal.
A direção da Codevasf ainda afirmou que a RCP aguardava pagamentos de R$ 4,4 milhões da estatal na data da penalidade. Esse crédito poderia ser um “indicativo de dificuldade financeira” para executar o contrato, afirmou um despacho da companhia.
“Tal fato sugere que a contratada, ao não executar os serviços previstos no contrato, não agiu com o intuito de causar prejuízos à Codevasf, apenas enfrentava situação de dúvida a respeito das condições de exequibilidade do contrato”, disse ainda a área técnica da direção.
Em outra manifestação, a assessoria jurídica da presidência da Codevasf considerou que a punição poderia ser reduzida com base no “princípio da autotutela da administração pública”.
Durante a análise do recurso apresentado pela RCP, o presidente da Codevasf comunicou aos superintendentes que estava suspenso o poder das unidades regionais da companhia de retirar empresas de licitação.
Moreira apontou, nesse despacho, que o objetivo da nova regra era “melhorar o gerenciamento e acompanhamento, pela sede, das condições de habilitação das empresas contratadas”.
“Evitando que esse impedimento prejudique, em outros contratos e aditivos já firmados com a mesma empresa, em outros estados”, diz ainda o documento.
O presidente da estatal informou que estava preservado o poder do gestor local de aplicar advertência, multa e rescisão contratual.
É comum que superintendências da Codevasf decidam retirar empresas de licitações como punição.
Em abril, a unidade do Maranhão tomou essa medida contra a Construservice, empresa que está no centro de suspeitas de corrupção levantadas pela Polícia Federal no governo Bolsonaro e que atingiram, neste ano, o atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA).
A penalidade de dois anos aplicada pela estatal à Construservice foi motivada justamente por uma obra realizada com verba de emenda de Juscelino. As suspeitas da PF, porém, referem-se a outros serviços da mesma empresa, também indicados pelo ministro de Lula, que nega qualquer irregularidade.
No caso da RCP, a superintendência no Maranhão aceitou os argumentos levantados pela direção da Codevasf e reduziu para dois meses o impedimento de a empresa licitar e contratar com a companhia. Também baixou a multa de R$ 143 mil para R$ 71,6 mil.
A unidade regional, porém, ponderou que a empresa não havia levantado o argumento de que tem verba a receber da Codevasf. Esse ponto foi trazido ao processo pela própria direção da companhia.
Em nota enviada à Folha, a RCP diz que venceu a licitação em dezembro de 2020, mas a ordem de serviço foi emitida 15 meses mais tarde. O agravamento da pandemia e o aumento dos preços neste período causou um “desequilíbrio econômico” e inviabilizou a execução do contrato, afirmou ainda a empresa.
“Não houve descaso em relação ao contrato e a busca pelo reequilíbrio financeiro não pode ser interpretada como ‘burla ao processo licitatório’, uma vez que fundamentou-se em fatos inesperados”, declarou a RCP.
A Codevasf disse, em nota, que mudou as regras sobre punições a empresas para permitir que a “estrutura central” da companhia “avalie o potencial impacto de penalidade proposta por determinada superintendência regional sobre contratos mantidos por outras superintendências”.
“A prévia avaliação do impacto de uma sanção sobre obras empreendidas em diferentes unidades da federação é fundamental para que a companhia adote a medida mais favorável ao interesse público em cada caso”, disse a estatal.
Afirmou ainda que as mudanças em procedimentos internos “são resultado de decisões colegiadas, tomadas pela diretoria executiva da companhia”.
Mateus Vargas e Flávio Ferreira/Folhapress