Com poucas horas de intervalo, morrem Edith Piaf e Jean Cocteau em 1963
Grande parte da França se emocionou com o falecimento tão próximo de dois grandes amigos
Na sexta-feira, dia 11 de outubro de 1963, morrem com algumas poucas horas de intervalo, a cantora francesa Edith Piaf – nascida Edith Giovanna Gassion – (1915-1963), com apenas 47 anos, e logo depois, aos 74 anos, o poeta, romancista, deamaturgo, cenarista, cineasta e acadêmico Jean Cocteau (1889-1963).
Essa estranha jornada de « duplo luto nacional » que emocionou a França inteira e o universo artístico e intelectual de todo o planeta, punha fim, com a morte, uma longa e vívida amizade tecida em mais de vinte anos entre os dois.
Os falecimentos quase simultâneos – 7 horas da manhã para a «Môme de Paris» (“Menininha de Paris”) e à uma da tarde para o «Funambule de tous les Arts» (“Funâmbulo de Todas as Artes”) – não eclipsavam a aura eterna de uma estrela fulgurante, dona de uma voz excepcional e aquela de um astro estelar de tantos talentos artísticos.
Na primavera daquele ano de 1963, prematuramente envelhecida, esgotada e enferma, Edith Piaf, bastante debilitada, parte para o sul da França para tentar se recuperar. Todavia, cai em coma em abril de 1963 e morre em Plascassier, perto de Grasse, nos Alpes Marítimos, na quinta-feira, 10 de outubro de 1963.
Mas, como Piaf tinha o desejo de morrer em Paris, seu corpo é levado, secretamente, durante à noite, para sua residência particular no bulevar Lannes, onde sua morte, decorrente de hemorragia interna, perto de completar 48 anos, é oficialmente constatada no dia seguinte pelo doutor Bernay de Laval.
As exéquias de Piaf tiveram lugar na igreja Saint-Honoré d’Eylau. E foi diante de uma imensa multidão de mais de 50 mil admiradores que ela foi enterrada no cemitério Père Lachaise em 14 de outubro, na presença de Marlene Dietrich, testemunha de seu primeiro casamento. Desde então seu túmulo tem sido visitado e coberto de flores quase cotidianamente.
«Quand elle est morte… le Poète pleurait» (“Quando ela estava morta … o Poeta chorava”)
Em seu retiro na Maison du Bailli em Milly-la-Forêt, Jean Cocteau, cuidado por sua cozinheira que conhecia perfeitamente a fragilidade de seu estado de saúde e que tomara conhecimento, algumas horas antes, da morte de sua grande amiga Edith, que ele tinha feito estrear no teatro em sua peça«Le Bel Indifférent» em 1940, passa-lhe cuidadosamente a notícia. Nesse exato momento em Paris, numerosos artistas e personalidades se surpreendiam com a ausência do escritor e acadêmico, tão próximo da cantora que estava sendo inumada. Cocteau estaria compartilhando com os demais tantas lembranças e rendendo homenagem a sua velha amiga.
Poucas pessoas sabiam na realidade que, vítima já de duas crises cardíacas e bastante comovido, vinha de declarar aos seus mais íntimos : «C’est le bateau qui achève de couler. C’est ma dernière journée sur cette terre.» (´É o barco que acaba de soçobrar. É o meu derradeiro dia sobre esta terra.)
Algumas horas depois, é ele quem falece sem ter podido buscar forças para escrever o artigo que a revista Paris-Match lhe tinha encomendado para ser publicado no dia seguinte à dolorosa jornada. Ele repousa na capela Saint-Blaise-des-Simples de Milly-la-Forêt, decorada a seu pedido em 1959.
A homenagem cruzada ficou marcada na memória de todos os leitores franceses e francófonos quando a Parisien Liberé estampou em manchete de primeira página e exibida em todas as bancas no dia seguinte aos eventos em grossas letras, o título evocador da partida crepuscular e nos últimos tempos da sonâmbula do grande público e do funâmbulo de toda a Paris : « A morte de Edith Piaf matou Jean Cocteau ».
Lembremos de Cocteau as palavras de seu leito de morte : «Vivre me déroute plus que mourir» (Viver me desconcerta mais do que morrer). Melhor ainda, deixemos a Edith Piaf cantarolar seu ‘Hhymne à l’amour’ e ao seu eterno retorno aos ouvidos de sua e de todas as gerações : «Non, rien de rien / Non, je ne regrette rien / Ni le bien qu’on m’a fait, ni le mal / Tout ça m’est bien égal / Non, rien de rien / Non, je ne regrette rien / C’est payé, balayé, oublié / Je me fous du passé / Balayés pour toujours / Je repars à zéro /Car ma vie / Car mes joies / Aujourd’hui / ça commence avec toi…»
(Não! Nada de nada… / Não! Não me arrependo de nada… / Nem o bem que me fizeram / Nem o mal – isso tudo tanto faz! / Não, nada de nada… / Não! Não me arrependo de nada… / Está pago, varrido, esquecido / Não me importa o passado!/ Varridos para sempre / Recomeço do zero. / Pois minha vida, minhas alegrias / Hoje, começam com você!).
Fonte: Ópera Mundi