Com a privatização, qual será o futuro do setor energético?
Estratégico para o desenvolvimento do País, o setor elétrico nacional está entrando numa era de profundas mudanças com a decisão do governo federal de desestatizar o controle da sua holding, a Eletrobras
Por: Mariama Correia e Raquel Freitas, da Folha de Pernambuco
Para entender o que vai acontecer com o País após a privatização da Eletrobras é preciso voltar um pouco no tempo. Essa não é a primeira vez que o setor elétrico brasileiro passa por um processo de desestatização. Na década de 90, o então presidente Fernando Henrique Cardoso realizou a privatização de usinas de geração da Eletrosul, além da Vale do Rio Doce e de toda a siderurgia. A Eletrobras também foi cogitada no passado, mas o Governo recuou. Agora, e depois de tantas mudanças no mercado energético, impactando, sobretudo, o consumidor, a União está prestes a tirar a ideia do papel com a justificativa de recuperar as receitas da empresa, enquanto deixa em suspenso o futuro do setor. A companhia energética tem papel estratégico para o desenvolvimento do País por concentrar 31% da geração de energia.
“É algo (privatização) que não se decide do dia para noite. A decisão não pode ser tomada por dogmas, porque os mercados se movem por resultados. Não dá para comparar a privatização de um banco ou de um aeroporto com a de empresas elétricas. Não basta querer vender, tem que ter quem compre”, diz o consultor da Enercons Energia, Ivo Pugnaloni. Ele fala isso porque a Eletrobras tem várias distribuidoras deficitárias e o mercado não é tão simples assim. “Atualmente, praticamente quase toda a geração é movida a diesel, cujo custo é mais elevado. E os que adquirirem as ações não vão querer arcar com as consequências dos riscos, como assumem os consumidores”, frisa.
O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, minimiza e explica que o formato que está sendo estudado não tira a autonomia da União em decisões estratégicas e será feita pela manutenção de ações golden share. O Programa de Parcerias em Investimentos (PPI) estuda duas possibilidades para a saída de cena do Governo na administração da Eletrobras. Pode ser por meio da venda do controle ou pela pulverização das ações a partir da emissão de novas ações. A modelagem sairá até o fim da semana que vem. “Sem essas alternativas, boa parte da ineficiência da empresa é paga pelo consumidor, já que as perdas e os custos implicam na tarifa”, explica.
Questionado sobre o fato de a Eletrobras continuar sendo uma empresa relevante após a privatização, Coelho Filho retrucou afirmando que sim. “A União perderá apenas o controle, mas todo capital humano da empresa continuará sendo o mesmo”, promete. “O que não podemos deixar é uma empresa dar prejuízo por cinco anos consecutivos e não fazermos nada. Você acha normal um prejuízo de R$ 32 bilhões por cinco anos seguidos? Em 2002, a empresa valia R$ 58 bilhões. Em 2016, valia R$ 9 bilhões, enquanto seu valor patrimonial é de R$ 50 bilhões. Boa parte disso aconteceu em função dos efeitos nocivos da MP 579 (que, em troca da renovação dos contratos de concessão, o Governo Dilma Rousseff exigiu que a empresa reduzisse o custo da energia. Atualmente, ela vende o Megawatts/hora (MW/h) por R$ 35, enquanto no mercado é de R$ 135)”, afirma.
Tarifa
O que não ficou claro ainda é o tamanho dessa privatização para a tarifa do consumidor final, já que, dentro do projeto de democratização das ações da empresa, está a ‘descotização’ – processo que permitirá que as usinas cujas concessões foram renovadas voltem a cobrar a energia pelo preço de mercado. Segundo o ministro, os cálculos do impacto ainda não foram realizados. “Esperamos, no entanto, que com a redução de custos e com ganho de eficiência no processo, a conta de luz fique mais barata no médio prazo”, retruca.
A tese do ministro pode, portanto, cair por terra. Isso porque, logo após o anúncio de privatização, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entregou um estudo ao Ministério projetando, no pior dos cenários, uma alta de 16,7% na conta de luz. Em entrevista a uma rádio local, na última sexta-feira, Coelho Filho disse ser importante dissociar a política da realidade dos fatos. “Se o presidente da Aneel (Romeu Rufino) tem uma posição divergente, que aponte. Agora, se quiser fazer um levantamento com base nas informações de consultorias independentes, você verá que falam de um impacto de, no máximo, 5%”, responde.
Para evitar que isso aconteça, destaca, está sendo proposta a ‘descotização’ ao longo de seis, sete anos. “Esse preço de energia aplicado atualmente é um custo artificialmente barato. Antigamente, o risco da falta de água era de responsabilidade do gerador. Com a mudança proposta pela MP 579, o consumidor passou a assumir esses riscos de outras formas, só que com uma energia, teoricamente, mais barata”, conta. Somente no mês de junho deste ano, ressalta o ministro, os consumidores pagaram R$ 2 milhões diluídos na tarifa em função dos riscos hidrológicos.
Apesar disso, o presidente da Thymos Energia – Consultoria, João Carlos Mello, vê a decisão com bons olhos e diz ser esta uma tendência mundial. “Já aconteceu com a EDF na França, com a EDP em Portugal e com a Enel, na Itália. Isso permitiu que as empresas, em vez de deficitárias, se transformassem em negócios lucrativos mundialmente”, conta. A Francesa EDF adquiriu uma usina solar no Brasil e a Italiana Enel comprou a Celg Distribuição. Para ele, esse processo mais fortalece a empresa economicamente do que altera as regras de abastecimento elétrico.
Polêmica
A questão da privatização da Eletrobras não é um assunto novo. Já era tema de estudos do Governo Federal em 1995, mas, nem por isso, a polêmica em torno da proposta é menor. Crítico à proposta, o especialista do setor e ex-funcionário da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), Antônio Feijó, argumenta que o papel da Eletrobras e da Chesf não deveria ser mercadológico. “Elas não foram criadas com objetivo de lucratividade, mas de possibilitar o desenvolvimento regional por meio da energia.
Antes da Chesf e das outras subsidiárias criadas pelo governo, como Furnas, as empresas privadas dominavam o mercado. Não havia garantia da energia que o País precisava, nem tarifas satisfatórias para viabilizarem os investimentos”, argumenta.
Feijó faz um retrospecto do que classifica como má condução das empresas ou o motivo que levou à crise no segmento. Diz que, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, os modelos de operação do setor elétrico foram mudados, transformando a energia pública em um negócio privado. “As tarifas subiram, desapareceu o investimento em novas instalações. O governo seguinte de Lula não corrigiu o erro e as tarifas continuaram escalonando”, conta.
A edição da MP 579, já no governo Dilma Rousseff, foi o golpe de misericórdia no setor, avalia o especialista. “As empresas foram sacrificadas, incluindo a Chesf, para baixar a tarifa de energia e, de fato, houve uma redução das contas. Contudo, o efeito foi temporário”, contextualiza. A privatização, que é proposta como uma solução para a situação das empresas, não seria a melhor saída, na avaliação de Feijó. “As tarifas tendem a explodir e o País pode sofrer novamente com problemas de abastecimento”, alerta.
Presidente do Sindicato dos Urbanitários, José Gomes Barbosa, concorda. “Quem paga a conta é a sociedade”, diz. Ele faz uma projeção. “Atualmente o MW/h da Chesf é vendido a R$ 62. Com a privatização, poderá voltar ao patamar de R$ 800, porque uma empresa privada priorizará o lucro”, argumenta.
Chesfianos
Para os 2,3 mil empregados da Chesf em Pernambuco, os chamados chesfianos, o cenário ainda é incerto. A carreira no órgão foi, por muitos anos, sinônimo de bons salários e estabilidade. Por isso mesmo atraia um grande contingente de profissionais altamente qualificados. “Se for privatizada, tudo vai estar nas mãos do comprador. Em casos semelhantes, de outras estatais que passaram pelo mesmo processo, a mão de obra foi massivamente substituída por terceirizados”, avaliou o presidente do Sindicato dos Urbanitários, José Gomes Barbosa.