Comandante do Exército defende parceria com a China: ‘Um país que está no foco de nossos interesses’

 

O comandante geral do Exército, Tomás Ribeiro Paiva, defende que o Brasil amplie parcerias estratégicas com a China e com outros países do Brics, grupo que reúne também nações como Rússia, Índia, África do Sul e, mais recentemente, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e Egito. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, ele afirmou que a viagem que fará ao território chinês no próximo mês focará em ciência e tecnologia e capacidades militares do País asiático.

Paiva disse que pretende visitar todos os países dos Brics (já esteve na Índia) e que só não irá à Rússia por causa do conflito com a Ucrânia. Em um momento especialmente tenso entre China e Estados Unidos, o comandante do Exército acredita que a ida à China não terá potencial para criar algum mal-estar com os aliados dos Estados Unidos. “Temos um intercâmbio comercial muito intenso com a China e não acredito que possamos nos levar por uma polarização ideológica. Nós sempre fomos pragmáticos nesse sentido”

Na conversa, ele também defendeu a reinstalação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos do regime militar. Quase 30 anos depois de o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) ter assinado a Lei 9.140 que previa todo um processo de reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pelas graves violações de direitos humanos e crimes praticados pelos agentes da ditadura, o comandante defende que a reativação aconteça logo. A Lei foi suspensa pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Paiva falou com o Estadão no 11º Grupo de Artilharia Aérea, onde participou da comemoração do Dia da Artilharia nesta manhã. “Isso já está definido e tem que ser entendido como uma questão humanitária, a gente tem que saber o que aconteceu”, afirmou Paiva.

Na entrevista, o comandante também rechaçou a politização dos militares da ativa, abordou a relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, elogiou o ministro da Defesa, José Múcio, reconheceu as dificuldades orçamentárias para garantir o investimento nas Forças Armadas e exaltou o trabalho dos contingentes que atuam na atenção às vítimas da tragédia do Rio Grande do Sul.

Veja os principais trechos da entrevista:

Você vai para a China agora. Quais parcerias acha que dá para fazer com a China?

O contexto da viagem à China é um contexto que é planejado no começo do ano com o Estado-Maior do Exército, que tem a incumbência de tratar das relações internacionais que a gente tem, e temos selecionado quatro viagens internacionais por ano. É o que dá para fazer. Uma dessas viagens geralmente sempre é coincidente com a Conferência dos Exércitos Americanos. No ano passado, a gente encerrou o ciclo de dois anos da Conferência dos Exércitos Americanos, em que todos os países da América se reúnem em um país-sede para o encerramento e, geralmente, para a abertura. Esse ano, começaram no México.

Eu já fiz uma segunda viagem à França e à Polônia, que foi a indicação do Estado-Maior do Exército, para tratar de cooperação militar, geralmente a gente trata de cooperação militar, e procura integrar esse nosso planejamento com o Ministério das Relações Exteriores. O Ministério das Relações Exteriores tinha um interesse em que a gente se aproximasse dos países do Brics.

Com a China, a gente já tinha uma relação anterior muito boa. Essa relação de cooperação já era muito patente no intercâmbio de cursos. Já havia militares que a gente mandava para lá, ainda tem até hoje, tem militares que fazem curso na China. E também recebemos militares chineses para cursar no Brasil, nas nossas escolas. Teve até cadete chinês que passou um ano na Academia Militar das Agulhas Negras. A gente espera aumentar a colaboração na cooperação acadêmica, que já existe e é muito boa.

Também na parte de ciência e tecnologia, eu acho que tem coisas para a gente poder conversar, porque eles são um polo de pesquisa de ciência e tecnologia. E também na parte de indústria de defesa, é interessante, porque eles estão avançados nessa área. Esses são os principais temas que são comuns e que interessam aos dois países.

Mas, lembrando, eu tenho cooperação, eu já fui aos Estados Unidos, eu já fui à Índia. Então, eu preciso ir à China e eu preciso ir à África do Sul. Eu estou evitando de ir à Rússia, porque a Rússia está em conflito. Então, nesse tempo a gente suspendeu, mas também é um país membro do Brics. Agora é comum. Vários integrantes do Alto Comando, em diferentes épocas recentes, visitaram a China. É um país que está no foco dos nossos interesses.

Nesse clima de confronto entre China e Estados Unidos, quais interesses o Brasil tem e o que pode nos prejudicar?

Eu não acredito que vá nos prejudicar. Primeiro, porque a gente tem um intercâmbio comercial muito grande com a China. Esta semana tem uma comitiva, uma delegação brasileira lá, o vice-presidente está lá, o chefe da Casa Civil está lá. A relação comercial e a relação diplomática são intensas, é muito significativa. Eu não acredito que possamos se permitir, se deixar levar por polarização ideológica, porque não existe isso em relações internacionais. Sempre fomos pragmáticos. O nosso interesse é nessas áreas que eu te falei, acadêmico, que eles são muito fortes, de doutrina, interesse de ciência e tecnologia.

Por exemplo, se eu quiser falar de equipamentos de energia sustentável, renovável, para operações militares, é só você ver o que está acontecendo com a indústria de veículos movidos a bateria, os elétricos. Essa questão nos interessa, porque há sustentabilidade, você falar de questão de defesa cibernética, você falar de mísseis, eles são avançados na parte de missilística, têm dois conceitos que são muito interessantes, que são muito modernos hoje, que é antiacesso e negação de área. Essa é uma maneira de você exercer a tua tarefa de proteger a nossa soberania com mais tecnologia e, às vezes, com um pouco menos de efetivo.

O que é antiacesso e negação de área?

Negação de área e antiacesso é a combinação de armas e sistemas de armas. São mísseis de cruzeiro, artilharia de longo alcance, aviação e, também, obviamente, a base industrial de defesa. O antiacesso e a negação de área é ao inimigo, ao adversário, negar uma área para ele e negar o acesso dele. A China faz isso, a Turquia faz isso, a Rússia faz isso, o Irã faz isso. Vários países fazem isso. São países que trabalham e, com isso, você faz dissuasão, que é você evitar que alguém pense em te ameaçar.

Mas é diferente daqueles sistemas antimísseis?

Não, isso também tem. Por exemplo, hoje nós estamos tentando uma parceria de governo para governo com a Índia para conseguir um equipamento de artilharia anti-aérea de média altura, que a gente não tem nas nossas forças hoje. Estamos tentando tratar desse equipamento com a Índia.

Outra coisa é a relação com o Israel. Como é que ficou esse contrato (que prevê a aquisição de 36 viaturas blindadas de combate, conhecidas como obuseiros da empresa israelense Elbit Systems) que foi adiado? Porque o PT diz que isso alimenta a máquina de guerra…

Essa é uma questão processual. Esse processo começou, se eu não me engano, em 2016, 2017, com a intenção de adquirir um material de artilharia moderno. O nosso material é majoritariamente muito antigo, muito arcaico. E essa tratativa se envolveu dentro de um cenário de certame internacional. Obviamente que isto é suscetível aos entendimentos de relações exteriores do governo federal. No momento, o processo está está suspenso. Foi uma orientação que a gente recebeu do Ministério da Defesa. Ele está suspenso e aguardando um pronunciamento do governo no sentido. Está na fase de análise do contrato. São normais que essas questões possam seguir mais rápido, retardar um pouco mais, ser suscetíveis a questionamento. A gente não está acostumado, mas quem fiscaliza isso, geralmente, é o Congresso, as forças políticas, elas têm uma ingerência sobre isso. É natural que isso seja questionado.

O que vai ser feito da Comissão de Mortos e Desaparecidos?

Já está definido isso. Em algum momento vai ser reativada, tendo em vista o fato de que as pessoas perderam gente. Eles teriam o direito de saber o paradeiro. Enquanto a pessoa estiver desaparecida, eu acho que é humanitário ter a possibilidade de saber o que aconteceu. Isso tem que ser entendido como uma questão humanitária. Eu só fico preocupado de, com o tempo, as expectativas serem frustradas.

Não vai haver militares que vão reclamar disso?

Mas é um direito das pessoas de saber o que aconteceu com seus parentes. Então, mesmo reclamando, é o correto.

E como é que pode ser feito isso? Há investigações que o Exército precisa ajudar…

O Exército sempre ajudou. Historicamente, sempre ajudou. Houve várias expedições, várias pesquisas. Grupo de Trabalho Araguaia, por exemplo. O que eu fico chateado é que às vezes as pessoas não conseguem entender as expectativas. Passado tanto tempo, a gente não consegue encontrar o que aconteceu. Mas, novamente, eu reitero: enquanto tiver as pessoas que tiveram perdas e você tiver a possibilidade da pessoa querer saber o que aconteceu, eu acho que isso é humanitário. Isto está pacificado nesse aspecto para nós.

Então, o presidente pode instalar essa comissão, porque ele dizia que não instalava por causa dos militares, que ele podia reformar?

É decisão dele. Não vejo problema.

Como está a sua relação com o presidente Lula?

É muito boa. Ele é o comandante supremo. Ele se relaciona com as forças por um ministro de defesa excepcional. O ministro de Defesa (José Múcio) é uma pessoa espetacular. Ele tem experiência. Ele é o chefe de Estado, comandante supremo. E a gente se relaciona muito bem nesse aspecto.

Quando é que o Brasil vai ter uma general mulher?

Vai ser muito em breve, tá? Eu diria para você que elas estão concorrendo forte. Em 2026 elas estão entrando no quadro de acesso. Como a gente começou mais tarde, elas estão chegando um pouquinho mais tarde. E a partir de 2026 elas estão em condições de ascender.

Vocês continuam com uma aprovação bem alta, só que algumas pesquisas mostram que quem agora é contra vocês é a direita…

Não, não é que a direita seja contra. E também não podemos quantificar a direita e a esquerda, porque o Exército é de todos os brasileiros. Mesmo daqueles que são contra a gente. Vamos defendê-los da mesma maneira. O Exército brasileiro não pode ter lado. Ele é de todos os 203 milhões de cidadãos brasileiros. São um alvo do nosso interesse. Olha o Rio Grande do Sul, agora. Quando começou a ter crítica ou problema de pessoal achar isso, achar aquilo, a gente continua lá. E fazendo com gosto. Você sabe o problema que eu tenho agora no Rio Grande do Sul? É que as pessoas não querem rodízio. O cara quer continuar na missão. O cara que está na missão é voluntário e o cara quer continuar trabalhando. Muitas vezes tem pessoa atingida pela enchente trabalhando. Pessoa que perdeu tudo. Tem soldado trabalhando para limpar creche, para limpar escola. Tem engenharia trabalhando para remover escombro. Tem gente fazendo trabalho pesado, trabalhando na logística. Toda semana sai um comboio.

Agora, estamos usando viatura operacional, não só viatura administrativa, aquelas viaturas baú, usando viatura operacional, porque são deslocamentos, conseguimos botar os donativos em trem e em navio. Já movimentamos quase 2 mil toneladas de carga para o Sul. Então isso o cara está fazendo porque é o coração, não? O Exército é de todos.

Vocês estão com quantos homens lá?

Agora diminuiu um pouco, mas nossa média era 12 mil. Chegou um ápice de 32 mil. Em cada comando militar de área tem militar nosso ajudando a Força Aérea, que, quero fazer um destaque aqui, faz um trabalho espetacular. Franqueou as bases aéreas todas, estão voando o tempo todo. A Marinha também. A gente trabalha junto das bases aéreas para ajudar a lotear donativo.

Com essa questão dos helicópteros, vocês estão usando toda a capacidade de vocês. Vai ter helicóptero se precisar para fazer salvamento, fazer outras coisas?

Vai, vai ter helicóptero. Até porque já estamos em processo de aquisição de 12 aeronaves Black Hawks, que estão substituindo aeronaves nossas que já foram consideradas em um fim de vida. Antes da aeronave parar de voar, a gente já está adquirindo. Além disso, nós estamos estudando a possibilidade de aumentar o nosso número de helicópteros. E isso é uma questão que ainda não foi discutida com o Estado-Maior, mas eu acho que é uma questão importante, porque isso está se mostrando cada vez mais necessário para que a gente possa atender melhor as missões funcionais do Exército.

Essa questão do orçamento das Forças Armadas, como está?

Está ruim para o Brasil inteiro, está difícil. Essa questão orçamentária é uma questão que, quando há uma restrição orçamentária grande, isso afeta principalmente os projetos estratégicos. São projetos que necessitam de previsibilidade. Por isso você tem uma PEC que está tentando dar previsibilidade aos nossos projetos de defesa.

Obviamente que isso tem que ser discutido no Congresso Nacional. Mas é uma preocupação, e toda vez que a gente conversa com o presidente, o presidente tem essa preocupação também. Porque o investimento em defesa é um investimento também que o retorno é importante para o país como um todo. Você investir na indústria de defesa com possibilidade de exportar material de emprego militar, isso gera divisas para o país. Muitas coisas são duais. Aumenta a tua capacidade de investimento em ciência e tecnologia, você produz. E, às vezes, muitas coisas que acontecem no mundo corporativo, no mundo industrial, provêm de pesquisas em áreas de defesa e geram empregos, o que é fundamental.

Mas vai ter dinheiro este ano ou vai ser como foi outros anos? Tem dinheiro para a conta de luz?

Temos tido bloqueios (orçamentários) em alguns corpos, mas, via de regra, o ministro atua muito e o presidente tem interesse em resolver esse problema. Já tem acontecido tratativas, porque não acredito que a gente vai chegar nesse nível de cortar expediente, cortar luz. Não acredito que isso daí vai acontecer, porque a gente se antecipa o tempo todo. É um trabalho sério. Para você ter uma ideia, a questão de alimentação e fardamento já é despesa obrigatória, não é mais despesa discricionária. Agora, despesa discricionária, está havendo um empenho pessoal do ministro nessa temática. Já estivemos com o presidente, já falamos, estamos nos aproximando da área econômica. A nossa expectativa é de que isso seja resolvido, para que a gente tenha condição de continuar cumprindo e atendendo bem as missões fundamentais do Brasil.

Não é a primeira vez que o Exército passa dificuldades, corta orçamento, fica sem dinheiro. Em compensação, por exemplo, na Justiça, em outros setores, não falta dinheiro…

Eu não acho que a gente vá resolver qualquer problema orçamentário brigando para tirar orçamento de outros locais que precisam também. Eu acho que esse problema tem que ser resolvido de maneira macro. Dentro do escopo de orçamento, tem tudo, inclusive, a questão salarial. Que é uma questão que está congelada, de certa forma, desde 2019, quando você teve a restituição da carreira. Você pega de 2019 para 2024, já passou cinco anos. O que em tese você teria tido de correção, já foi corroído pela inflação. A nossa expectativa também é de que isso possa ser revisitado e ser corrigido quando houver um olhar do governo para toda a categoria de funcionários públicos. Eu acho que há espaço para isso.

Mas, por enquanto, não há perspectiva, né?

Não, isso aí já foi levado para o ministro e para o presidente.

E o que você achou daquela frase do ministro Bruno Dantas, do TCU, que disse que tinha que começar pelas aposentadorias dos militares?

Com todo respeito, eu discordo, porque eu acredito que a gente é o contrário. Sempre, desde 2001, temos sido afetados com a perda de direitos. E o que, às vezes, é difícil das pessoas entenderem é que a profissão militar tem peculiaridades que impedem a pessoa de auferir um salário médio que permita uma aposentadoria tranquila, formação de patrimônio. Geralmente, a pessoa fica com restrições pela carreira.

Você vê agora, para você ter possibilidade de ter uma força militar agora no Sul, eu não pago hora extra, não pago adicional noturno, não pago adicional de periculosidade. Um militar da Marinha, quando faz uma travessia, ele fica três meses, quatro meses no mar, longe da família, 24 horas, o tempo todo, sábado, domingo. Então, essas condições, elas denotam que a pessoa que trabalhou 35 anos, se agora é o tempo, ela, na verdade, já trabalhou muito mais tempo. A consequência é ele ter uma condição normal de proteção social que permita que ele tenha uma vida digna e isso daí dá um contrabalanço na carreira militar. O militar não tem aposentadoria, não se aposenta. Não é um regime previdenciário.

E as outras operações? Os Yanomami dizem que o Exército abandonou eles.

Não é verdade. Nunca foi, nunca aconteceu isso. É o contrário. O Exército é uma instituição que sempre esteve lá presente. Não é de hoje. O que acontece é que é um problema crônico, que não se resolve procurando culpado. Resolvemos buscando solução. O que temos feito? Desde o começo, ainda quando teve a primeira visita presidencial ali, foi um esforço conjunto, coordenado, para proteger as comunidades indígenas. Só de cesta básica já foram 51 mil. Foi a maior operação de lançamento de carga que aconteceu na América Latina. Sem contar o ilícito transfronteiriço.

O que está acontecendo agora? O pessoal já destruiu 31 balsas, 107 geradores, motores, antenas, 11 aeronaves já foram destruídas. Então, isso está em conjunto, porque são operações diferentes. Uma para proteger os povos originários e outra para impedir a mineração ilegal. Porque elas se comunicam. O que acontece é que as pessoas não conhecem muito bem a área. Você só consegue fazer as operações usando helicóptero. E as operações são interagência. Todas as agências trabalham e todas as agências fazem o máximo. A Funai, o Ibama, todo mundo trabalha.

A Venezuela está se movimentando em Essequibo. Os argentinos querem uma base em Ushuaia com os Estados Unidos. O Brasil se incomoda com esses movimentos?

São questões que mexem com a geopolítica da América do Sul. Inicialmente, têm que ser tratadas no âmbito do Ministério das Relações Exteriores. Obviamente, não temos problema de segurança e defesa com nenhum vizinho na América do Sul. Acho que o interesse maior é seguir os nossos princípios de política externa e de relacionamento internacional, que é ter um continente seguro, livre de conflitos, que respeita a determinação dos povos, que respeita o direito internacional e que se relaciona com todo mundo sem gerência de gente de fora. É a melhor solução para nós.

Você foi visitar militares presos (no inquérito do golpe). Acha que isso pode trazer uma mensagem negativa para a tropa?

Não, de jeito nenhum. Pelo contrário. Acho que isso daí tem que trazer uma mensagem positiva para a tropa. É obrigação do comandante, em qualquer nível, do comandante de unidade, visitar os militares da sua unidade que estão presos. E os militares da sua unidade que estão baixados, que estão em hospital. É assim que eu aprendi nas escolas militares. Isso eu procuro fazer até como comandante do Exército. Acho que essa é a minha obrigação. Não é só aqui, em Brasília (onde Tomás visitou o ex-assessor de Bolsonaro, coronel Marcelo Câmara). Eu tendo oportunidade, eu vou a São Paulo, eu vou na unidade prisional. Geralmente, estou na guarnição, tenho unidade prisional. Geralmente, não é preso disciplinar. É preso e à disposição da Justiça. E aí eu visito quem foi preso.

Tem três perguntas básicas que o cara tem que saber. Se o camarada está assistido, tem advogado, se ele não tiver advogado, comandante tem que providenciar para que ele tenha acesso a um defensor público, alguma coisa nesse sentido. A gente tem que perguntar se o cara está bem de saúde, se ele está rígido, se está recebendo tratamento penal, já que ele está em um estabelecimento penal militar adequado. Se a lei de execução carcerária está sendo adequada, está sendo correta. É uma oficialização que, embora o Ministério Público Militar faça, embora isso seja um tema da Justiça, o comandante é o guardião disso. E a terceira coisa é que tem que se preocupar com a família do cara. Se a família está assistida, se tem alguma necessidade de apoio. Isso daqui é obrigação do comandante, de qualquer comandante.

Eu visito soldado, cabo, sargento. Muitos deles com prisão preventiva, Lei Maria da Penha… Eu não entro no mérito. Agora, quando o camarada comete, inclusive, muitas vezes, um delito demeritório, esse camarada, mesmo sendo preso, podemos tentar acelerar pra ver se há alguma possibilidade de ele ser excluído.

Qual é a perspectiva para esses que estão citados nos inquéritos?

Essas gestões estão no âmbito da Justiça. Estão no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Isso foi tratado em fevereiro. Eu assumi em 26 de janeiro. Em uma ou duas semanas, isso foi tratado. E foi definido que todos esses processos que envolviam essas questões do 8 de janeiro seriam transferidos para o Supremo Tribunal Federal. Todo mundo transferiu. Eu não sou o responsável por isso. Tinha processo que era da Justiça Militar, Ministério Público Militar, todo mundo enviou. Ninguém falou nada. O Supremo Tribunal Federal definiu. Desde então, tudo que corre, corre em segredo de Justiça, muitas vezes, e está sendo avaliado pelo Supremo Tribunal Federal. Estão na fase de inquéritos e vão terminar. Não tem mais nenhum militar preso cautelarmente. Esses inquéritos vão ter relatórios finais, vão ser enviados para a Justiça. Da Justiça, vão ser encaminhados para o Ministério Público, procurador-geral da República. O procurador-geral da República vai definir se denuncia ou se pede arquivamento. Aí, depois, caso denunciado, as pessoas vão a julgamento e, depois de julgadas, as consequências administrativas aqui virão. Depois do trânsito julgado, as consequências administrativas aqui virão. Isso é o que está previsto nos nossos estatutos, regulamentos.

Quer dizer alguém ser expulso…

Depois de terminar o processo. Você pode até ter tido medida administrativa que foi fruto do trâmite do inquérito. Por exemplo, quando houve medida cautelar, eu determino que tal fulano seja afastado das suas atividades. Mas foi cumprido. Todas as medidas da Justiça foram cumpridas.

O 8 de janeiro já acabou? Você diria que já acabou essa coisa de politização do Exército?

Olha, eu diria para você que o Exército brasileiro está comprometido com o cumprimento da missão constitucional. Isso que eu posso falar para você com tranquilidade. As consequências do que aconteceu no passado vão seguir o trâmite normal e vão acabar quando acabarem todas as investigações, todas as diligências necessárias para que essas coisas sejam colocadas às claras. Isso também vai acontecer. À medida que o tempo vai passando e as coisas vão evoluindo, nós mesmos temos o interesse em que isto se encerre. Para que isto seja superado. Temos interesse em que isto seja definido e resolvido o quanto antes.

O Exército não está politizado. A instituição não. Eu defendo isso. Agora, o fato de você ter pessoas da reserva que se manifestam politicamente, o regulamento faculta. Ele pode se manifestar politicamente. Não tem problema. Ele não pode ferir a disciplina. Agora, na ativa, não ocorre. Se ocorrer, o cara errou. E se errou, vai ser sancionado.

Você falou que os inquéritos vão terminar, mas está demorando, não está?

Mas aí é com a Justiça, Polícia Federal, (o Exército) não pode interferir. Isso aí é no ritmo deles.

Mas na vida de vocês, isso não interfere?

Interfere na medida que você tem que tomar providências. A tropa está comprometida com a missão. E são muitas. O pessoal está vendo. Acabamos de tratar de três missões aqui. Grandes missões. Não só a tropa do Sul, o Exército inteiro está comprometido com o Sul. O Exército inteiro está comprometido com o Norte. O Exército inteiro estava comprometido com a Ágata, fronteira oeste. No centro-oeste. O que não está dando é para o camarada ter tempo para ficar pensando em outras coisas que não sejam missão constitucional. Mas existem ainda outras 52 missões no Brasil inteiro.

Você foi ontem (quinta-feira, 6) para o Rio Grande do Sul. O que você sentiu na primeira vez que você foi?

A primeira vez que eu fui foi quando começou a emergência. Como eu morei lá, fiquei muito preocupado, porque eu nunca vi tanta chuva junto. Foi quando imediatamente foi definida a criação do Comando Conjunto. Foi solicitada a ajuda pelo governador e ali começou esse desastre, que foi um desastre de grandes proporções. Pode não ter sido o maior desastre em termos de vítima, mas foi o maior em termos de afetar a vida das pessoas. A resposta que está se dando é uma resposta à altura do tamanho do desastre. Para tentar mitigar o problema. E aí, dentro desse sistema, que a gente está colocando o máximo de pessoas empregadas lá, o tempo todo.

Você deve ter ficado chocado com toda aquela água…

Muito. Porque afetou a vida das pessoas. Nós tivemos no momento de pico quase 80 mil pessoas em abrigo. Agora está diminuindo. As pessoas estão tentando voltar para casa. Mas ainda ontem a gente percorreu áreas onde as casas foram totalmente destruídas. Casas de alvenaria, casas de parede dupla. Você tem pessoas que perderam tudo. Perderam a história da vida. Perderam documentos. Tem gente que perdeu a vida. Família inteira. Você se solidariza e o mínimo que você pode tentar é fazer o máximo para ajudar essas pessoas a retomar alguma coisa. Eu tenho tropa nossa ajudando a limpar, ajudando a restaurar passagem porque as pessoas foram afetadas pela interrupção de passagem. Eu tenho tropa ajudando a entregar donativo. E eu tenho tropa que permanece. Essa é a grande diferença. A nossa tropa tem permanência. Eu tenho hospital de campanha que está complementando a saúde pública porque teve hospital que foi inundado. Teve UPA que foi inundada. Estamos trabalhando bem lá no sentido de melhorar a situação.

 

Monica Gugliano/Estadão

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