Como 1ª Guerra Mundial impulsionou direitos das mulheres
Julia Braun
A 1ª Guerra Mundial foi responsável por impulsionar muitas mudanças. A transformação do papel da mulher na sociedade foi uma das mais profundas.
Isso aconteceu principalmente porque, na Europa e nos Estados Unidos, mulheres deixaram de exercer exclusivamente a função de mãe e esposa que lhes era designada até então e, nos países mais afetados pelo conflito, foram chamadas a assumir os postos de trabalho dos homens convocados para a guerra.
Ao passarem a ocupar espaços que antes lhe eram restritos, as mulheres ganharam mais força e, nos anos que seguiram o fim do confronto, conquistaram o direito ao voto em países como Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos.
“Muitos acreditavam que os quatro anos de guerra liberaram as mulheres dos velhos moldes e estereótipos e lançaram as bases para salários mais altos, melhores empregos e melhores condições de trabalho”, escreveu a jornalista e autora Lettie Gavin em seu livro ‘American Women in World War I: They Also Served’ (Mulheres Americanas na Primeira Guerra Mundial: Elas Também Serviram, em tradução livre).
Trabalho de guerra
Estima-se que 60 milhões de soldados tenham lutado na 1ª Guerra Mundial na Europa e, com os homens indo para o front de batalha, muitas posições foram abertas nas indústrias essenciais para o continente. Novas vagas também precisaram ser preenchidas em fábricas de armamentos e munições, que multiplicaram sua produção.
Com isso, centenas de milhares de mulheres foram empregadas na indústria bélica. Mais ainda passaram a trabalhar como motoristas, enfermeiras, operárias em fazendas e fábricas, secretárias em escritórios e até no serviço público.
O número de funcionárias do sexo feminino em fábricas de munição no Reino Unido, por exemplo, chegou a quase 1 milhão em 1918, segundo o Museu Imperial da Guerra. O total de mulheres empregadas no serviço ferroviário britânico também saltou, de 9.000 para 50.000, durante o conflito.
Nas fábricas de armamentos da França, a mão de obra feminina chegou a representar um quarto do total no início de 1918.
As indústrias reconvertidas para a defesa também solicitaram o trabalho feminino nos Estados Unidos, onde mulheres de todas as classes sociais passaram a integrar a mão de obra nacional.
Algumas mulheres, europeias e americanas, estiveram também no front de batalha. Elas atuaram como enfermeiras, motoristas de caminhões e ambulâncias, além de mecânicas e cozinheiras.
No Reino Unido, o primeiro serviço uniformizado feminino surgiu em 1916, depois de uma investigação do Ministério da Guerra mostrar que muitos dos trabalhos desempenhados pelos homens lutando na França poderiam ser feitos também por mulheres.
Conhecido como Queen Mary’s Army Auxiliary Corps, o corpo feminino que prestava todo tipo de serviço auxiliar foi seguido por outros grupos femininos nas Forças Armadas, entre eles o Serviço Naval Real Feminino e a Força Aérea Real Feminina.
No total, mais de 100 mil mulheres se juntaram às forças armadas britânicas durante a guerra. Mas foi somente durante a 2ª Guerra Mundial que as mulheres puderam se alistar, de fato, no Exército.
Ainda assim, o papel que essas mulheres desempenhavam era crucial não apenas para o esforço de guerra, mas também para a manutenção da economia e funcionamento do governo de seus países.
Mesmo durante os piores dias do conflito, a maioria dos serviços permaneceu operacional na Europa e nos Estados Unidos graças ao esforço feminino.
As europeias empregadas nas fábricas e fazendas eram, em sua maioria, brancas e advindas das classes mais baixas da sociedade. Nos fronts, no entanto, muitas mulheres de classe média e alta se ofereceram para trabalhar servindo como enfermeiras e voluntárias.
No Reino Unido, um grande fluxo de mulheres ricas se juntou ao Exército depois que navios de guerra alemães atacaram a costa nordeste do país, mais especificamente a cidade de Hartlepool e o elegante resort de Scarborough. Mais de 100 civis foram mortos, incluindo mulheres e crianças, e 500 ficaram feridos.
Nesse momento, dezenas de inglesas de classe média e alta correram para vestir o uniforme das organizações voluntárias. Para elas, essa era uma oportunidade de sair de casa, fazer algo útil e conquistar a independência.
A luta continua
Com o fim da guerra, várias mulheres foram demitidas para dar lugar aos soldados que estavam retornando às suas casas.
Em toda a Europa, houve um apelo para que elas voltassem a se dedicar exclusivamente aos afazeres domésticos e a engravidar, em uma espécie de esforço para repovoar o continente abalado pelas milhares de mortes.
A experiência das mulheres durante a guerra, porém, foi essencial para elevar sua autoestima e senso de identidade. O bom trabalho das milhares de mulheres que passaram a desempenhar funções antes consideradas apenas masculinas também lhes rendeu considerável respeito e admiração na sociedade, de forma que elas continuaram a tomar espaços e afirmar sua presença no mercado de trabalho.
Muitas atuaram com tamanha distinção, principalmente nos serviços médicos, que a causa política feminina ganhou credibilidade. Após o término do confronto, o movimento sufragista que pedia o direito ao voto universal voltou a ganhar força.
As sufragistas
As campanhas pelo direito à participação política das mulheres começaram a ser organizadas de forma consistente ainda no século 19, no Reino Unido. Mas após longos anos de luta, foram deixadas de lado por conta da guerra.
No entanto, com as mudanças proporcionadas pelo conflito, não era mais viável dar passos para trás ao fim da guerra. Dessa forma, o movimento foi retomado com ainda mais potência.
Historiadores têm opiniões distintas sobre como a participação das mulheres no mercado de trabalho impactou a conquista do direito ao voto. Alguns acreditam que a concessão às mulheres foi um sinal de gratidão por seu esforço durante a guerra.
Para o historiador irlandês Gifford Lewis, “o trabalho altamente qualificado e perigoso feito pelas mulheres durante a guerra foi provavelmente o maior fator na concessão do voto às mulheres”.
No entanto, algumas mulheres já trabalhavam há anos na indústria e nos negócios antes da 1ª Guerra, mas com pouco reconhecimento político por sua contribuição. Por isso mesmo, outros especialistas, entre eles o historiador Arthur Marwick, argumentam que o confronto militar apenas acelerou um processo que havia começado bem antes de 1914.
E embora seja possível que o papel feminino no local de trabalho rendesse um avanço político mesmo antes da guerra, foi o conflito que destacou o valor econômico e estratégico das mulheres em seus países.
Em 1918, Alemanha, Áustria e Polônia aprovaram leis para legalizar o voto feminino. No mesmo ano, o Reino Unido passou uma legislação que deu a algumas mulheres o direito de participar de eleições parlamentares. Em 1928, todas as mulheres britânicas finalmente ganharam direito ao sufrágio nos mesmos termos que os homens.
Nos Estados Unidos, o Congresso promulgou a 19a Emenda à Constituição, concedendo às mulheres o direito ao voto, sete meses após o Dia do Armistício, e os estados ratificaram a emenda em 1920.
Já na França, a lei que permitiu o voto feminino foi aprovada mais de 20 anos depois, em 1944. Alguns historiadores acreditam que a demora se deveu ao fato de não haver um movimento pelo sufrágio feminino no país antes da guerra, ao contrário de outras nações europeias.