Como descobri o passado nazista e os crimes de guerra do meu padrasto
Nick Southall
Uma reportagem investigativa da BBC revelou que um suspeito de crime de guerra nazista, que fixou residência no Reino Unido, pode ter trabalhado para os serviços de inteligência britânicos durante a Guerra Fria.
Antes de sua morte ocorrer, oficiais alemães estavam investigando Stanislaw Chrzanowski pelo assassinato de judeus durante a 2ª Guerra Mundial em Belarus.
O homem já havia sido interrogado pela polícia britânica, mas nunca fora acusado de nenhum crime.
Agora Chrzanowski, que se gabava diante de seu enteado de que tinha “um segredo inglês”, apareceu em registros de filmes feitos em Berlim na década de 1950.
E lideranças judaicas estão pedindo que uma investigação seja aberta para descobrir se Chrzanowski – e outros como ele – não foram acusados de crimes de guerra porque atuaram como espiões do governo do Reino Unido.
Por mais de 60 anos, John Kingston suspeitou que seu padrasto tinha sido mais do que apenas um segurança do prédio do governo municipal em sua cidade natal no Leste Europeu durante a 2ª Guerra Mundial.
Tanto que ele tinha certeza de que Stanislaw “Stan” Chrzanowski havia sido um criminoso de guerra nazista que conseguiu escapar da justiça.
E em várias ocasiões tentou persuadir as autoridades britânicas a investigá-lo. Mas não teve êxito.
Kingston conseguiu reunir uma grande quantidade de evidências – fotos, documentos e conversas telefônicas secretas – que por mais de 20 anos foram armazenadas em seu sótão.
Conheci Kingston em 2016 e, assim, comecei minha própria investigação de Chrzanowski e suas atividades durante a guerra.
Mas só quando Kingston morreu – e todo o material que ele havia armazenado no sótão foi entregue a mim – surgiram novas evidências para explicar por que Chrzanowski nunca fora levado à justiça.
Histórias de ninar
A mãe de Kingston, Barbara, conheceu Chrzanowski em 1954, em um clube polonês em Handswortg, Birmingham.
E ela ficou encantada com aquele estrangeiro que gostava de dançar.
Chrzanowski lhe disse que havia chegado, junto com outros soldados poloneses, ao porto de Liverpool em 1946, um ano após o fim da guerra.
Ele também disse a ela que havia crescido em Slonim, uma cidade localizada na Polônia no início da guerra, mas que agora pertence a Belarus.
Barbara ficou tão cativada por Chrzanowski que o convidou para sair de férias no mesmo verão, junto com seus dois filhos.
Kingston, que tinha 9 anos na época, chamou essas férias de “o momento em que tudo mudou”.
A princípio, o menino ficou pasmo com a nova figura paterna.
“Ele era fascinante e estranho”, explicou Kingston.
“De certa forma, eu o admirava e queria ser como ele.”
Chrzanowski disse à sua nova família que estava trabalhando em uma serraria em Slonim quando a guerra começou, até que em 1943 os nazistas o forçaram a trabalhar como segurança.
Segundo seu relato, ele conseguiu escapar de seu país em 1944, depois foi prisioneiro de guerra e finalmente se juntou às fileiras polonesas para lutar ao lado dos Aliados.
Não havia razão para duvidar de sua história.
Logo depois, Chrzanowski mudou-se com os Kingstons para sua casa em Birmingham.
Ameaça em casa
Em casa, Chrzanowski ensinou seu enteado John a pular paredes com técnicas de pára-quedista e comprou-lhe uma pistola de brinquedo alemã para que ele pudesse brincar nos escombros deixados pelas bombas alemãs durante a guerra em vários pontos da cidade.
Mas, pouco a pouco, outro Chrzanowski começou a se revelar. E isso afetou a adolescência de Kingston de maneira profunda, tanto mental quanto fisicamente.
“Foi um pesadelo crescer com ele. Ele era um cara muito perigoso”, Kingston me confessou.
Chrzanowski tinha um temperamento muito forte e trazia do trabalho pedaços de borracha flexível para espancar seus enteados e o cachorro da família.
“Ficava coberto de hematomas”, disse Kingston.
Quando iam dormir, Chrzanowski contava histórias de guerra. No início, pareciam divertidas, mas aos poucos se tornaram sinistras.
Chrzanowski descreveu eventos terríveis aos ouvidos das crianças, desde quando os nazistas chegaram a Slonim.
De acordo com as lembranças de Kingston, ele falou de pessoas sendo torturadas e interrogadas.
“Às vezes ele falava sobre bebês que eram agarrados pelos tornozelos e esmagados contra a parede”, disse.
“E ele nos mostrou como eles faziam isso”, acrescentou.
O homem disse a eles que tinha visto essas atrocidades através de binóculos, enquanto trabalhava como segurança.
Mas Kingston disse que a maneira como ele contou essas histórias foi tão vívida que parecia que Chrzanowski havia cometido esses crimes.
Todo esse ambiente teve um grande impacto emocional na saúde mental de Kingston enquanto ele vivia com seu padrasto. Por isso, assim que se tornou adulto, ele quis se mudar.
Foi também por volta dessa época que ele começou a questionar o relato de Chrzanowski antes de vir para o Reino Unido.
Kingston começou a pensar: será que seu padrastro havia trabalhado para os nazistas?
Com o tempo, Kingston conheceu Sheila, eles se casaram e se mudaram para o norte da Inglaterra, na cidade de Holmfirth. Mas seu casamento passaria por várias tragédias: quatro de seus seis filhos morreram jovens.
Particularmente a morte de um deles, aos 17 anos e devido a meningite, atingiu Kingston profundamente.
Toda essa dor acumulada o levou a um ponto em que se sentiu oprimido pelo que considerou uma grande injustiça.
Como era possível que a única figura paterna em sua vida havia feito coisas horríveis – até mesmo para crianças – e ainda assim continuado com sua vida?
Ele logo descobriu uma oportunidade de fazer algo a respeito.
“Você conhece um criminoso de guerra?”
Em março de 1988, ele viu um anúncio em um jornal de circulação nacional.
O anúncio buscava informações sobre supostos criminosos que viviam no Reino Unido e que haviam sido responsáveis pelo “genocídio e assassinato de pessoas na Alemanha ou nos territórios ocupados pelos alemães” durante a 2ª Guerra Mundial.
O governo lançou uma investigação formal depois que membros do Centro Simon Wiesenthal, responsável pela caça nazistas fugitivos, forneceram uma lista de suspeitos.
O governo de Margaret Thatcher (1979-1990) disse que não ter checado os checado os antecedentes daqueles que entraram no Reino Unido após a guerra “nos fez parecer uma república das bananas”.
Kingston estava convencido de que Chrzanowski era um desses homens e que ele não tinha sido apenas “um segurança” do prédio da administração Slonim, como ele alegava.
Neste sentido, escreveu várias cartas ao grupo de pesquisa nas quais transcreveu as histórias de terror que Chrzanowski lhe contara durante sua infância. E vários policiais foram interrogar seu padrasto.
Mas então nenhuma ação foi tomada contra ele por falta de provas.
No entanto, Chrzanowski agora sabia que seu enteado suspeitava de algo e o interrogatório policial certamente o assustou. Ele então começou a solicitar vários vistos de viagem para países como Rússia, Polônia e Canadá, onde tinha amigos de guerra e alguns parentes.
À medida que as investigações continuavam, três velhos amigos de Chrzanowski, que tinham vindo para o Reino Unido como ele, morreram.
Um deles, suspeito de ser um criminoso de guerra e que havia escolhido Chrzanowski como seu padrinho, suicidou-se.
Convencido de que seu padrasto era um criminoso, Kingston iniciou sua própria investigação.
E um dia, ao visitá-lo em sua casa, ele conseguiu fazer uma cópia de todas as fotos da época da guerra que Chrzanowski mantinha sob sua cama.
Valas da morte
“Nós o conhecíamos como açougueiro. Isso é o que ele fazia: matava pessoas”, disse Alexandra Daletski à BBC em 1996, enquanto olhava para uma foto de Chrzanowski.
Depois de compartilhar suas suspeitas com a BBC News, Kingston e o então jornalista da BBC Jon Silverman estavam andando pelas ruas cobertas de neve de Slonim, perguntando às pessoas se reconheciam o homem na foto.
Nele, Chrzanowski usa o uniforme da Polícia Auxiliar de Belarus, uma força civil armada que cumpria ordens em nome dos nazistas.
A foto foi datada, de acordo com o testemunho de Kingston, de março de 1942.
Daletski observou que seu marido, Jan, foi uma das 200 pessoas que Chrzanowski e a polícia local prenderam naquele ano.
E ele descreveu como Chrzanowski – ou Stasic, como era conhecido em Slonim – atirou em Jan depois que ele tentou fugir de uma execução iminente.
Chrzanowski nunca negou que os nazistas o haviam recrutado. Mas ele sempre afirmou que isso havia acontecido depois de 1943 – após o massacre de judeus em Slonim – e que seu papel tinha sido o de um simples guarda.
E ele sempre negou pertencer àquela polícia bielorrussa.
Outra testemunha em Slonim, Kazimir Adamovich, um diácono da igreja local, disse que viu de sua fazenda Chrzanowski atirar em 50 pessoas em três dias.
Adamovich disse que matar deixava Chrzanowski de bom humor. Ele acrescentou que o ouviu dizer que era “tão fácil quanto cuspir”.
Esses testemunhos sugerem que Chrzanowski esteve presente nos massacres de Slonim, onde dezenas de milhares de judeus e outros moradores da área foram mortos.
Esses assassinatos em massa começaram em meados de 1941, como parte do plano da Alemanha nazista de exterminar a população judaica.
Homens, mulheres e crianças foram levados para a floresta mais próxima, onde receberam ordem de tirar a roupa e depois fuzilados.
Seus corpos caíram sobre os cadáveres de outros que já estavam nas “valas da morte” que haviam sido cavadas para este fim.
Kingsman e a reportagem da BBC também descobriram mais informações que refutavam a história original de Chrzanowski.
Entre elas, a de que ele não escapou dos nazistas para se juntar diretamente às milícias polonesas.
Pelo contrário, enquanto fugia de Slonim quando os alemães começaram sua retirada em junho de 1944 – e os russos estavam chegando do outro lado – Chrzanowski foi mobilizado com outros colaboradores para o leste da França para lutar nas unidades de combate alemãs.
Enquanto a defesa alemã desmoronava, Chrzanowski foi feito prisioneiro de guerra. Foi só lá que ele mudou de lado e se juntou às forças polonesas.
De volta ao Reino Unido, Kingston e a BBC entraram em contato para entrevistar Chrzanowski.
Durante um curto confronto – após sua ida semanal à igreja – Chrzanowski começou a gritar tudo em negação e ameaçou chamar a polícia.
Essa foi a última vez que Kingston e Chrzanowski se falaram.
À luz das evidências que a BBC obteve, os detetives da polícia interrogaram Chrzanowski novamente. Mas o Crown Prosecution Service (CPS), o Ministério Público britânico, concluiu que não havia “provas suficientes” para apresentar as acusações.
“Foi muito deprimente. De repente, a Scotland Yard acabou com qualquer possibilidade que tínhamos (de investigá-lo)”, disse-me Kingston.
Ele então decidiu abandonar a investigação. Seu padrasto tinha escapado impune, acreditava.
E foi só quando nos encontramos novamente – 20 anos depois – que ele viu outra oportunidade de levar Chrzanowski à justiça.
O caso antigo
Trabalho para a BBC na cidade de Shropshire, na região central do Reino Unido. E Chrzanowski morava na minha área.
Há cerca de cinco anos, li várias histórias de alemães idosos que estavam sendo julgados por supostos crimes de guerra cometidos cerca de 70 anos antes.
Lembrei-me da história de Chrzanowski da década de 1990 e contatei Kingston. Ele concordou que eu iniciasse minha própria investigação sobre seu padrasto.
Agora Chrzanowski estava em seus 90 anos e Kingston em seus 70 anos.
Para tanto, consegui convencer Stephen Ankier, um experiente pesquisador em nazismo, a me ajudar.
Stanislaw “Stan” Chrzanowski havia sido um dos denunciados à polícia do Reino Unido quando os suspeitos de crimes de guerra foram convocados em 1988.
Mas no final, apenas um homem foi condenado.
Anthony Sawoniuk, um cobrador aposentado da British Rail, a companhia de trens britânica, havia sido condenado em 1999 pelo assassinato de judeus.
Ele morreu na prisão, enquanto cumpria uma dupla sentença de prisão perpétua.
Como Chrzanowski, Sawoniuk fora membro da Polícia Auxiliar de Belarus, a Waffen-SS alemã e, mais tarde, das forças polonesas que lutaram ao lado dos Aliados.
De acordo com o historiador Martin Dean, que trabalhou na Unidade de Crimes de Guerra da Scotland Yard, cerca de 50 mil colaboradores nazistas conseguiram se infiltrar nas forças polonesas nos estágios finais da 2ª Guerra Mundial.
E cerca de um terço deles desembarcou no Reino Unido após o fim do conflito.
Justiça
“Eles tinham diferentes graus de relacionamento com os nazistas. Mas alguns eram policiais locais de lugares como Belarus”, disse Dean.
Por meio de algumas fontes em Belarus, Ankier conseguiu obter documentos da agência de inteligência russa, a KGB, listando alguns dos ex-membros da Polícia Auxiliar de Belarus que trabalharam em Slonim durante a guerra.
E o nome e a data de nascimento de Chrzanowski: 7862824071. O que prova que ele mentiu sobre seu verdadeiro emprego durante o conflito.
A lista também nos ajudou a rastrear outros suspeitos que estiveram em Slonim e agora vivem em várias partes do Reino Unido.
E confirmou nomes que Chrzanowski mencionara a seu enteado John ao longo dos anos.
Ao todo, mais de 30 suspeitos de colaborar com os nazistas em Slonim se estabeleceram na Inglaterra e no País de Gales após a guerra. Mas, de acordo com o historiador, a maioria deles está morta.
Então, sabendo do trabalho que estávamos fazendo, fomos contatados pelos ‘caçadores de nazistas’ da unidade especial de crimes de guerra alemã.
Com base no poderoso testemunho coletado por Kingston e a BBC, em 1996, o promotor Thomas Will nos disse que consideraria formalizar uma denúncia contra Chrzanowski, usando evidências que haviam sido rejeitadas anteriormente pelo MP britânico.
E o Tribunal Federal de Justiça da Alemanha decidiu que o processo contra Chrzanowski poderia continuar, apesar do fato de que nem ele nem suas vítimas eram alemães e seus alegados crimes ocorreram em Belarus.
“Porque ele estava trabalhando para uma unidade alemã, isso poderia ser visto como um crime alemão”, disse Will.
Os investigadores estavam levando a lei alemã ao limite. E tinham poderes legais mais amplos do que inicialmente, nos julgamentos de Nuremberg (durante os quais os líderes nazistas foram julgados após o fim da guerra).
E em um caso que se tornaria um marco, Chrzanowski seria o primeiro cidadão britânico a ser investigado pela Alemanha por supostos crimes de guerra.
Os promotores concentraram o caso na suspeita de que ele havia executado mais de 30 civis em Slonim em 1942.
Mas em outubro de 2017 – enquanto a polícia alemã aguardava autorização para realizar uma operação em sua casa – Chrzanowski morreu aos 96 anos.
Quem o conheceu na cidade de Telford lembra que ele distribuía as frutas que plantava em seu jardim na porta da casa de seus vizinhos. Outros lembravam de seu temperamento forte e imprevisível.
Nessa época, Barbara se divorciou de Chrzanowski. Sua ex-mulher o descreveu como um homem “brutal” que ameaçou matá-la.
Mas ela também disse que nunca registrou o abuso que seu filho sofreu.
A investigação dos alemães trouxe grande alívio para Kingston. Mas menos de seis meses depois, ele morreu. Ele nunca me disse que havia sido diagnosticado com leucemia.
Sua morte, entretanto, foi seguida por uma carta, que chegou a mim do nada alguns meses depois, na qual ele me deu permissão para usar todas as evidências que ele havia coletado.
Eu me perguntei se encontraria algo nessas pastas que pudesse oferecer uma nova perspectiva sobre Chrzanowski e outros colaboradores nazistas.
E então, ao subir em seu sótão, encontrei as gravações de áudio de Chrzanowski, em uma fita cassete chamada “Crimes de Guerra”.
Os áudios
Kingston gravou suas conversas com Chrzanowski por vários meses em 1994, com a ideia de colaborar com um jornalista de um tablóide que pretendia expô-lo.
O artigo foi publicado, a polícia voltou a falar com Chrzanowski. Mas nada aconteceu.
De acordo com Kingston, Chrzanowski não se incriminou nas gravações.
Quando as ouvi, no entanto, um pedaço da conversa chamou minha atenção.
Escutei Chrzanowski falar de um “segredo inglês” que ele não deveria revelar.
Suas palavras – em inglês rústico e em frases repletas de erros gramaticais – eram difíceis de entender.
Mas Chrzanowski pareceu explicar a Kingston que as autoridades do Reino Unido pediram que ele ficasse quieto.
“Eles não querem essa publicidade. Estão esperando que todos nós morramos.”
“Leve o segredo, mantenha-o com você o tempo todo, talvez até a morte”, disse Chrzanowski.
Qual foi esse segredo? Um pequeno fragmento de filme feito uma década depois da guerra nos daria a resposta.
Rosto na multidão
Olhei centenas de arquivos de filmes para ver se conseguia detectar o rosto de Chrzanowski, mesmo que por um segundo, em lugares que sabíamos que ele havia visitado.
Foi um trabalho árduo, mas consegui.
Sua imagem não apareceu em gravações da Segunda Guerra Mundial, mas em um lote de material noticioso dos Estados Unidos de março de 1954, oito anos após sua chegada ao Reino Unido.
O filme mostra o campo de trânsito de Marienfelde em Berlim Ocidental, onde milhões de pessoas passaram da Berlim Oriental comunista para a Berlim Ocidental capitalista durante a Guerra Fria.
O narrador americano se refere à cena dizendo que milhares de refugiados estão fugindo da “tirania vermelha” no Leste Europeu.
E de repente, Chrzanowski aparece, vestindo um sobretudo, caminhando pelo saguão de entrada do local.
Por um segundo, ele olha diretamente para a câmera.
Para ter certeza de que era ele, consultei um especialista em mapeamento facial, Hassam Ugail, da Universidade de Bradford, na Inglaterra.
Ugail usou um software que comparava fotos antigas de Chrzanowski com o homem do filme.
“É definitivamente ele”, garantiu.
Chrzanowski disse várias vezes a Kingston que nunca havia saído do país desde sua chegada em 1946. E Ankier descobriu que ele havia dito a mesma coisa à polícia em 1961, quando solicitou a cidadania britânica.
E não foi só isso: numa sequência inédita deste filme de Marienfelde, conseguimos reconhecer outros quatro homens que estavam na coleção de fotos de Chrzanowski.
Dois deles foram fotografados com Chrzanowski em Slonim durante a ocupação alemã. Nas outras fotos, os homens usavam uniformes militares, talvez de quando lutaram ao lado dos Aliados no final da guerra.
O software busca semelhanças faciais. Qualquer taxa superior a 70% é considerada uma correspondência precisa. Os testes de Chrzanowski e os outros quatro ficaram acima desse valor.
Por motivos legais, não podemos exibir as fotos dos outros quatro homens ou identificá-los. Mas as investigações continuam com a ideia de confirmar seus nomes.
Mas a pergunta que podemos nos fazer é: o que esses cinco homens, que claramente se conheciam há muito tempo, estavam fazendo em Berlim durante a Guerra Fria?
O próprio campo de refugiados de Marienfelde pode ter a chave.
Este complexo era um paraíso para pessoas que buscavam uma vida melhor no Ocidente.
Mas também era um antro de espiões: os refugiados vindos do Oriente eram uma fonte de dados muito útil.
Cassete e áudios
Os áudios revelaram outra possível causa para Chrzanowski não ser condenado pelo governo britânico.
“As inteligências britânica, americana e francesa queriam aprender tudo o que pudessem sobre as forças soviéticas e sobre a Alemanha Oriental”, disse Keith Allen, do Instituto Alemão de História Contemporânea.
Quando apresentamos nossas evidências sobre Chrzanowski e seus colegas a três especialistas em segurança e inteligência, eles nos disseram que as provas poderiam apontar para ele operando como espião para o Reino Unido.
As habilidades linguísticas de Chrzanowski – ele falava russo, alemão e polonês – poderiam ter sido úteis na coleta de informações sobre as ambições nucleares soviéticas, disse o pesquisador Steve Vogel.
“Oficiais de inteligência americanos e britânicos entrevistaram cientistas alemães que foram trazidos para trabalhar na União Soviética”, explicou.
Chrzanowski aprendera a operar o rádio no exército polonês no fim da guerra.
E o historiador Stephen Dorril aponta que outras pessoas como ele foram enviadas para a Europa Oriental para estabelecer redes de inteligência.
“Isso é exatamente o que o MI6 (serviço secreto britânico) estava fazendo: sabemos que eles treinaram pessoas”, disse Dorril, enfatizando que os serviços de segurança britânicos provavelmente sabiam do passado de Chrzanowski com a Polícia Auxiliar de Belarus e a Waffen-SS nazista.
“Houve um acobertamento de longo prazo. Algumas dessas pessoas tinham origens realmente horríveis”, esclareceu ele.
O professor Anthony Glees, da Universidade de Buckingham (Inglaterra), disse à BBC que o Reino Unido destriu cerca de 110 mil arquivos no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, que “quase certamente” incluíam detalhes de colaboradores estrangeiros do regime nazista que mais tarde trabalharam para a inteligência britânica.
Queríamos saber a versão do governo sobre esse fato, mas não recebemos resposta ao nosso pedido.
A destruição dos documentos foi um “acobertamento duplo”, diz Gless.
Não era apenas uma forma de manter em segredo a ajuda que os colaboradores nazistas deram ao governo britânico, mas seus crimes de guerra também foram encobertos.
De acordo com Glees, se eles trabalharam secretamente para o governo do Reino Unido, Chrzanowski e os outros deveriam ter sido protegidos de acusações por suas ações durante a 2ª Guerra Mundial.
“A contrapartida era que não haveria processo – era seu passaporte para a liberdade”, explicou Glees.
“Se você fosse uma pessoa má [na guerra] e tivesse medo do que poderia acontecer com você, quanto mais você oferecesse [aos serviços de inteligência], mais seguro estaria”, acrescentou.
Isso poderia explicar por que houve apenas um julgamento por crimes de guerra?
O professor Glees, o historiador Dorril e outros exortam o governo do Reino Unido a seguir os passos CIA (agência de inteligência dos EUA) e liberar os arquivos restantes relacionados a indivíduos como Chrzanowski.
Mas nem todos com quem falamos concordaram que Chrzanowski poderia ter sido um espião.
Paul Maddrell, historiador da Guerra Fria, nos disse que não viu “nenhuma evidência de qualquer conexão entre [Chrzanowski] e qualquer agência de inteligência”.
Em um comunicado, o Home Office, o Ministério do Interior britânico, repetiu o que Kingston tinha ouvido na década de 1990: que o CPS havia revisado o caso de Chrzanowski na época, mas havia descoberto que não havia provas suficientes para prosseguir.
A Polícia Metropolitana também nos disse que não havia “evidências sólidas” sobre isso.
Líderes da comunidade judaica descreveram as novas evidências contra Chrzanowski como “horríveis e aterrorizantes”.
Se ele e outros trabalharam para a inteligência britânica, isso é “uma vergonha para a Grã-Bretanha” e uma “dupla traição” para as vítimas da guerra, diz Efraim Zuroff, do Centro Simon Wiesenthal, que enviou a lista de suspeitos nazistas para o governo Thatcher em 1986.
“Muitas dessas pessoas deveriam, e poderiam, ter sido levadas à justiça”, afirma Zuroff.
“É triste que uma das maiores democracias do mundo não tenha conseguido processá-los.”
Criminoso de guerra
A presidente do Conselho de Representantes Judaico Britânico, Marie van der Zyl, observa que isso parece ser um “grande acobertamento” e agora pede uma investigação pública.
O parlamentar conservador Robert Halfon, que é judeu, planeja convocar o comitê de segurança parlamentar para investigar se havia criminosos de guerra nazistas na Grã-Bretanha “que acabaram trabalhando para a inteligência britânica ou qualquer outro órgão de Estado”.
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Antes de sua morte, John Kingston me disse que lamentava ter passado tanto de sua vida expondo seu padrasto, mas estava aliviado por suas suspeitas serem verdadeiras.
Ele se lembrou da arrogância de Chrzanowski – depois de ser questionado pela polícia na década de 1990 – dizendo que tinha a capacidade de convencer qualquer pessoa de que era inocente.
“Me lembro dele dizendo ‘Essas pessoas estão enterradas [em Slonim], elas estão enterradas e esmagadas. E aqui estou eu vivendo minha vida, de que lado está Deus?’, disse Kingston citando seu padrasto.
“E para mim foi a coisa mais assustadora que já ouvi.”