Saúl “Cassandro” Armendáriz é uma das grandes estrelas da luta livre mexicana, uma das mais tradicionais do mundo.
Ao subir no ringue, Saúl se transforma em Cassandro e compete como um lutador “exótico” – como são chamados, no mundo da luta, os homens que se apropriam de elementos femininos, como figurino, para compor seus personagens.
De família de classe média baixa, Cassandro nasceu em El Paso, cidade dos Estados Unidos na fronteira com o México e, desde pequeno, sofreu discriminação. Foi vítima de abuso sexual na infância e na adolescência.
“Fui uma criança abusada, assediada, molestada. Dos 7 aos 15 anos, fui abusado três vezes. Aos 17, fui estuprado por dois homens mais velhos”, revelou ao programa de rádio Outlook, da BBC.
“Eu ouvia sempre: ‘Você nunca vai ser ninguém, você vai para o inferno’. Mas, em determinado momento, eu pensei: já estou no inferno. Eu me ressentia com o mundo e com tudo o que tinha acontecido comigo.”
Ele diz que transformar-se em lutador o ajudou a cicatrizar as feridas do passado.
“Na luta livre, eu encontrei a coragem que precisava. A coragem, a força e o entendimento de que algo estava errado e que eu poderia superar”, afirma Cassandro, que costumava assistir a disputas na infância e considerava os lutadores “heróis”.
Tentativa de suicídio
Mas o caminho de Saúl para tornar-se respeitado no mundo da luta livre como o “exótico” Cassandro não foi fácil.
“Éramos considerados palhaços de circo. Tentei mudar isso e mostrei que quando estou no ringue sou um verdadeiro lutador. Perceberam que eu não estava lá para fazer rir, mas para lutar”, diz.
Em um esporte marcado pelo machismo, Cassandro teve que enfrentar obstáculos para provar que um homem gay tinha vocação para o ringue.
Em 1991, ele chegou a tentar o suicídio, uma semana antes de uma disputa na Cidade do México, considerada a meca da luta livre. Mas teve a sorte de ser salvo pelo melhor amigo.
“Eu tinha uma luta com El Hijo del Santo, filho de um das lendas da luta livre. As pessoas se perguntavam por que um ‘exótico’ iria disputar um título com ele. A imprensa estava contra mim, a comissão de boxe e luta livre também, assim como alguns colegas. Havia inveja profissional. Chegou a um ponto que eu não suportava mais a pressão”, relembra.
Na mãe, ele encontrou o apoio necessário para se reerguer e competir na semana seguinte.
“Minha mãe me ama incondicionalmente. Ela me disse: ‘Você passou por tanta coisa, veja onde você está agora, você está na Cidade do México, às vésperas de uma disputa. Aproveite esse momento da melhor forma’.”
O lutador não venceu a disputa, mas diz ter conquistado o respeito dos que duvidavam dele.
“Os caras que estavam pessimistas em relação a mim antes da luta foram os primeiros a me parabenizar. Eu pensava: Jura? Vocês me fizeram comer o pão que o diabo amassou! Eu precisava daquela luta para provar a eles que eu merecia o título e merecia estar no ringue”, afirma.
Em 1992, Cassandro se tornou o primeiro “exótico” a ganhar um campeonato de luta livre, na categoria peso ligeiro da Associação Universal de Lutas (UWA, na sigla em inglês).
Vício em drogas
Mas a fama e os traumas emocionais com os quais ainda lidava fizeram com que Saúl abusasse das drogas e do álcool.
“As drogas funcionaram como uma fuga, me fizeram escapar da minha infância, de tudo que tinha acontecido.”
Em 2003, ele diz ter percebido por conta própria que precisava se internar em uma clínica de reabilitação. “Foram oito dias de desintoxicação. Foi a primeira vez que eu fiquei limpo oito dias seguidos desde meus 20 e poucos anos. E eu tinha 33 anos”, diz.
Atualmente, ele afirma que a “adrenalina da luta livre” é seu único vício.
Saúl só demonstra preocupação diante da ideia de ter que se aposentar. “É muito difícil lidar com isso, pois a luta livre me deu uma identidade”, admite.
“O que sei é que nunca vou abandonar a luta livre. Vou estar sempre ligado a ela de alguma forma. Eu já dou aulas e penso em montar uma escola de luta.”