Em reunião no Supremo Tribunal Federal (STF), Câmara, Senado e União apresentaram dificuldades para dar transparência ao orçamento secreto. Na ata do encontro, à qual o blog da Andréia Sadi, do g1, teve acesso, os órgãos alegaram impossibilidade de identificar os parlamentares e os beneficiários dos recursos.
Relator no STF da ação que questiona a constitucionalidade dessa modalidade de emendas, o ministro Flávio Dino criou uma comissão para disciplinar os pagamentos e entender qual é o grau de organização da execução das verbas.
Fazem parte desse grupo representantes da Câmara, Senado, governo federal e sociedade civil. Enquanto não chegam a uma solução, Dino suspendeu os repasses das emendas cujas informações não estejam claras e que não interrompam políticas públicas em andamento.
Na última reunião técnica, realizada na terça-feira (6), estabeleceram perguntas simples a serem respondidas até o próximo dia 21 para mapear a situação.
Dino encaminhou as seguintes questões à Câmara e Senado:
- Quais dados existem?
- Quais dados não existem?
- Os dados que existem estão disponíveis ao acesso público em algum local? Qual?
- Quem é o detentor dos dados que não foram publicados?
- Quais as políticas públicas estão prejudicadas com a suspensão das emendas determinadas na decisão anterior?
- Quais políticas públicas podem continuar por já cumprirem a decisão com a indicação do tipo de emenda, do patrocinador e do beneficiário final?
No encontro, embora os advogados da Câmara reconheçam haver a informação de qual parlamentar indica a emenda de comissão em atas, por ser um requisito regimental, eles afirmam não ter como colaborar com mais transparência porque “a figura do patrocinador não existe no Congresso”. Desta maneira, a proposta é apresentar uma planilha, mas somente uma vez por ano.
O Senado foi na mesma linha, restringindo-se a declarar que as atas referentes às emendas de comissão são públicas.
A União, que também participa das reuniões representada pela Advocacia Geral da União (AGU) declarou já estar cumprindo a decisão de Dino de suspender os pagamentos, mas cobrou celeridade no atendimento dos critérios de rastreabilidade e transparência solicitados “para não comprometer o interesse público”. Isso porque, em um acordo, o Congresso cedeu ao governo federal a prerrogativa de distribuir os restos a pagar das emendas de relator 2020 da forma como achar melhor entre os programas do Executivo.
Mas a própria AGU apresenta dificuldades para dar transparência aos recursos. Mesmo tendo a discricionariedade de como aplicar, alega não ter acesso à informação de qual parlamentar indicou o recurso ao Executivo, nem com relação às emendas de RP9, nem as de comissão.
A comissão do STF estabeleceu um cronograma. Será apresentado um relatório 30 dias após Câmara e Senado responderem as perguntas feitas por Dino, incluindo os dados dos estados e municípios beneficiados. A partir daí, a CGU terá 20 dias para disponibilizar os dados consolidados tanto das emendas de relator (RP9), quanto as de comissão (RP8), no Portal da Transparência. A plataforma deverá ser alimentada continuamente.
Já são quase quatro anos desde a criação do orçamento secreto sem que o cidadão consiga responder à seguinte pergunta de forma satisfatória em todos os casos: qual parlamentar indicou dinheiro e quanto dinheiro para qual ação e/ou beneficiário?
De lá para cá, outras formas de execução desse orçamento foram criadas, como as emendas pix, mas o empenho em dar transparência e rastreabilidade aos recursos não avançou da mesma forma.
Suspensão dos pagamentos
Enquanto os trabalhos da comissão avançam, o ministro Flávio Dino decidiu suspender a transferência das emendas que não atenderem aos critérios de transparência e rastreabilidade.
Em um despacho nesta quinta-feira (8), ele permitiu o pagamento apenas das que poderiam interromper políticas públicas e as relacionadas às situações de calamidade.
Na decisão, o ministro criticou a ausência de inovações tecnológicas para acompanhar as exigências constitucionais dos novos formatos de emendas. “[Sem ajustes] teremos um perigoso e inconstitucional “jogo de empurra”, em que, ao certo, ninguém se identifica como responsável pela aplicação de parcela relevante do dinheiro público”, sustentou.
“Nesse atípico ‘jogo’, o parlamentar pode argumentar que apenas indica, mas não executa; o Executivo pode informar que está apenas operacionalizando uma ‘emenda impositiva’; e o gestor estadual ou municipal pode alegar ser mero destinatário de algo que vem ‘carimbado’. Em casos de não aderência ao Plano Plurianual (PPA), da falta de economicidade ou de improbidade administrativa, quem responderá por isso?”, completou o ministro.O Congresso recorreu ainda na quinta-feira e afirmou que o controle de constitucionalidade pela Justiça deveria ser feito de forma excepcional, já que as emendas foram aprovadas por ampla maioria dos parlamentares.
“Com o devido respeito, as condicionantes impostas pela decisão monocrática desnaturam o regime jurídico das transferências especiais, em descompasso com a teleologia do instituto”, diz o recurso.
Do g1