Conheça a emocionante história do coronel dos Bombeiros que há 12 anos transporta órgãos para doação

Por Giulia Ventura — Rio de Janeiro

Coronel Neiva,comandante responsável pelo transporte de órgãos  no Rio

Coronel Neiva,comandante responsável pelo transporte de órgãos no Rio Roberto Moreyra

Em meio à corrida contra os segundos, em mais uma viagem, o coronel Adalberto Sobral Neiva confidencia: “Sempre carrego junto os abraços que recebo”. Eram 12h52 de uma quarta-feira, quando ele decolou do Hospital Estadual Aberto Torres, em São Gonçalo, no comando do helicóptero que transportaria parte dos órgãos doados de Guilherme Lima Corrêa, de apenas 13 anos, uma das vítimas do acidente que matou sete pessoas de uma mesma família na BR-493, no mês passado. Enquanto a equipe se acomodava na aeronave, o comandante abraçou e consolou a família, que chorava e aplaudia o momento, todos tomados pela emoção.

 

São 32 anos no Corpo de Bombeiros, 12 deles transportando vidas. Apesar de, aos olhos de muitos, o coronel ser apenas mais um piloto, carrega uma história única. O amor e o carinho com cada família de doador são justificados facilmente por ele, que, há 15 anos, viu o pai e um primo lutarem pela vida em meio a sessões de hemodiálise. Sem entender o porquê da demora na fila por um órgão, ele passou a buscar informações sobre transplantes, até que, em 2011, apresentou um projeto para o governo do Estado do Rio: “E se eu juntasse a credibilidade dos Bombeiros à captação de órgãos? Será que as pessoas acreditariam mais? Doariam mais?”.

A ideia surgiu quando o coronel soube que, de todos os potenciais doadores, apenas os parentes de cerca de 10% concordavam com a captação. Ao longo do ano, então, fez uma espécie de pesquisa, para comprovar que seu projeto teria chance de sucesso: passou a usar os helicópteros para transportar os órgãos doados. O serviço deu tão certo que acabou incorporado de vez às atribuições do governo do Estado. No entanto, entre as mais de 200 viagens que já fez, uma é lembrada e traz junto uma voz embargada quando conta a história. O dia não é tão claro, mas o horário e a sequência de fatos são, num relato surpreendente.

Destinos entrelaçados

 

Era ainda 2011. Ele estava no período de “laboratório” do novo projeto, quando, às 2h, seu telefone tocou. A próxima captação solicitada pelo Programa Estadual de Transplantes (PET) seria em Volta Redonda, ao amanhecer. Como de costume, preparou a equipe e o helicóptero e partiu da base de operações aéreas, na Lagoa Rodrigo de Freitas, às 6h. Ao chegarem ao município de destino, precisaram aguardar o término da cirurgia para que retornassem com dois rins para a capital. Assim foi feito.

Ao pousarem na volta, foram avisados de que o carro do PET, que levaria os órgãos ao Hospital de Bonsucesso, na Zona Norte, estava quebrado. Mesmo não sendo sua função, Neiva solicitou uma viatura dos Bombeiros para fazer o transporte. O órgão chegou ao hospital a tempo de salvar uma vida. Naquele momento, a sensação foi de dever cumprido:

— Só pensei: mais um transporte bem-sucedido — contou o oficial.

Mas ainda haveria outra vitória. Sem se recordar do horário exato, o telefone do coronel voltou a tocar, daquela vez, porém, não era o PET, mas sim, sua mãe. O primo, que esperava por um rim, havia acabado de ser chamado para o hospital para fazer a cirurgia: um órgão que veio de Volta Redonda era compatível. Neiva contou que não conseguiu mais responder, só chorava:

— A partir dali, passei a ter certeza de que quando você faz o bem, ele volta para você. Naquele dia, eu vi que todo o serviço, todo aquele sacrifício de toda noite acordar e receber pedidos para transporte de órgãos, valia a pena. Tudo aquilo valia a pena. Isso fez a gente ter mais forças.

Recorde a comemorar

 

Apesar de as doações ocorrerem com os nomes em sigilo, uma coincidência revelou o destino daquele órgão. Foi o que lhe deu mais força para seguir no caminho de transportar vidas e fazer o serviço crescer, apesar de seu pai ter morrido antes do transplante. Hoje, com sua ajuda — e de toda uma equipe, que conta com outros três pilotos, na nova Superintendência de Operações Aéreas, vinculada à Secretaria estadual de Saúde —, o Estado do Rio comemora um recorde de transplantes desde 2015: foram 2.650, com 349 doações, que podem ser de um ou mais órgãos, em 2022. De janeiro a março deste ano, 388 transplantes já foram realizados, dentre eles os dos órgãos de Guilherme.

Apesar de muito experiente, Neiva aponta o caso de Guilherme — que morreu num acidente em Guapimirim com os pais e quatro irmãos — como um dos momentos mais impactantes de sua carreira. Quando acionado, na noite do dia 21 de março, para a captação, que ocorreria na manhã seguinte, entendeu que seria mais um transporte movido a muita emoção:

— Como uma família pode transformar tanta dor em um ato tão nobre?

O piloto levou até o Hospital Alberto Torres uma equipe médica de Minas Gerais, que captou o fígado de Guilherme. De lá, decolou rumo ao Aeroporto do Galeão, onde um avião das Forças Aérea Brasileira levou o material para o estado vizinho. Antes, no entanto, o coronel pediu aos mineiros que os órgãos fossem carregados com todo o carinho que recebeu daquela família.

— É muito emocionante, porque a gente parte de um local que tem a dor imensa de uma perda, e a gente leva todo aquele carinho, aquele abraço, para uma família que está tendo uma alegria. Então, na decolagem, uma tristeza, e no pouso, uma alegria. A gente vive esses dois momentos — disse o piloto.

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