Corpo de morador de rua morto por bala perdida é enterrado no Cemitério do Caju

Adalberto foi enterrado no Cemitério do Caju
Adalberto foi enterrado no Cemitério do Caju Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Diego Amorim

Adalberto Alves de Araújo morreu como viveu: separado da família e dependendo da compaixão de estranhos. Boa parte dos seus 51 anos foram vividos nas ruas do Rio, onde a sua história se limitou a um apelido: Visconde de Sabugosa – o personagem do “Síto do Pica-Pau Amarelo”, de Monteiro Lobato. Após a sua morte, por uma bala perdida, as memórias de uma vida viraram um número em uma cruz fincada sobre uma cova rasa do Cemitério do Caju, na Zona Portuária do Rio.

Na vida ou na morte, Adalberto tornou-se um anônimo entre tantos outros. Sem identidade, sem casa, sem uma lápide com o seu nome. Acompanhando a cerimônia na tarde desta quarta-feira, apenas uma irmã e outro parente. Sepultado numa cova rasa, a despedida ao homem foi sem emoção, sem flores.

Apenas duas pessoas acompanharam o sepultamento
Apenas duas pessoas acompanharam o sepultamento Foto: Ana Branco / Agência O Globo

O morador em situação de rua atingido por uma bala perdida no peito enquanto jantava na orla do Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio, veio do Pará aos 9 anos, junto com a mãe, o avô materno e mais sete irmãos. A saída da terra natal veio após o alcoolismo do pai e as agressões sofridas pela mãe. A vida lhe sorriu poucas vezes, mas tudo ficou mais triste desde que o alcoolismo lhe tirou a mulher, o filho, o trabalho de pedreiro e a dignidade. Depois de morto, nem a mãe e nem a família quiseram se despedir de Adalberto, que passou quatro dias no Instituto Médico Legal (IML) e quase foi enterrado como indigente.

Nascido no Pará, Adalberto vivia nas ruas do Recreio
Nascido no Pará, Adalberto vivia nas ruas do Recreio Foto: Reprodução

Segundo o pedreiro Roberto Ribeiro Alves, de 44 anos, irmão caçula de Adalberto, a mãe lutou para mantê-lo ao lado dela, mas não conseguiu que ele deixasse a liberdade que tinha nas ruas do Recreio para acompanhá-la na mudança para Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

— Ele sempre foi muito calado, mas era uma pessoa boa, de coração bom. Eu tenho lembranças dele cuidando dos irmãos menores assim que nós chegamos no Rio de Janeiro. Minha mãe tentou que ele aceitasse a internação, mas ele não quis. Minha mãe está conformada com a morte do meu irmão, ela fez o que podia — argumenta Roberto.

Na convivência diária, a mesma percepção dos colegas de rua:

— Ele era muito tranquilo, não arrumava confusão, era querido por todos. O Visconde sempre gostou de ficar no canto dele, muitas vezes não se aproximava da turma, ficava afastado de todo mundo — contou outro morador em situação de rua que conviveu com a vítima.

De acordo com testemunhas, Adalberto foi baleado por volta das 22h da última quarta-feira, na altura do Posto 12, onde vivia com outros moradores em situação de rua. Ele estava jantando no momento do crime. O tiro foi disparado durante uma briga entre adolescentes. Um suspeito foi capturado pela polícia e identificado como autor dos disparos. A Delegacia de Homicídios (DH) da Capital investiga o caso.

Adalberto dormia embaixo de marquise no Recreio
Adalberto dormia embaixo de marquise no Recreio Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

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