Cresce parcela de candidaturas coletivas de direita e centro; modelo se consolida
Esqueça a imagem de um grupo dominado por mulheres, negros e jovens com os punhos erguidos no ar. A cena agora é uma roda majoritariamente de homens brancos, de cabelos grisalhos, de mãos dadas e rezando.
São os dez integrantes do “Sou Léo Mandato Coletivo”, grupo do PSDB que disputa uma vaga de vereador em Mauá, na Grande São Paulo. Candidaturas coletivas como a deles, de direita e de centro, dobraram nas eleições municipais deste ano, seguindo tendência vista no pleito geral de 2022.
Partidos desses espectros políticos, que concentravam 13% desses candidatos há quatro anos, agora reúnem 26% deles, mostra levantamento feito pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) a pedido da Folha, com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) extraídos em 16 de agosto.
Em números absolutos, os grupos de direita subiram de 25 para 48, e os de centro, de 17 para 25. Entre eles, estão as siglas União Brasil, Republicanos, PSDB e PRD, com sete apostas cada um. O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro tem seis, assim como o MDB, PP e outros.
As legendas de esquerda continuam dominando o modelo, mas caíram de 83% para 74% das candidaturas coletivas. Siglas desse campo político popularizaram o formato em 2020, como estratégia para aumentar a força eleitoral de grupos como mulheres, negros e a comunidade LGBTQIA+.
Naquele ano, foram eleitos 24 mandatos pelo país, segundo o Inesc. Se, por um lado, eles conseguiram dar mais visibilidade a grupos marginalizados na política, por outro também sofreram rompimentos e dificuldades de regulamentação. Mesmo assim, parecem ter se consolidado como opção nas urnas.
Foram 280 candidaturas coletivas registradas neste ano, número menor do que as contabilizadas na última eleição municipal (327), mas igual proporcionalmente (0,05% do total de candidatos). No pleito de 2016, haviam sido apenas 71, e em 2012, menos de 7.
“Se deu certo para alguns, é normal que outros grupos tentem se aproveitar da estratégia [para somar votos]”, diz Débora Thomé, pesquisadora do FGV Cepesp (centro de estudos em política e economia públicas), ponderando que ainda há muita dificuldade na execução do mandato coletivo. “É muito comum que acabem se desfazendo.”
Funciona assim: apenas uma pessoa concorre oficialmente e, se eleita, nomeia as outras como assessoras, que na prática exercem o mandato como “covereadores”. Em 2021, a Justiça Eleitoral autorizou a menção a grupos no nome de urna, porém reforçou que o registro continua sendo individual.
Em Mauá, esta será a primeira experiência coletiva de Regi da Sucata, Cesar da Padaria, Carminha da Saúde, Cristovão Vidraceiro, Dr Luiz, Luizinho, Leonardo Martins, Acácio Flores, Wellington Binelli e Sou Léo. Esse último conta que disputa eleições sozinho na cidade há 20 anos.
“Cheguei perto da vitória em pleitos passados, mas nunca me elegi”, diz o aposentado Elenisio de Almeida Silva, conhecido na cidade como “Sou Léo”, seu nome de urna. A maioria dos integrantes é de pequenos empresários, e eles moram em diferentes bairros: “Quisemos montar um grupo que tivesse representatividade dentro da cidade”.
Leonardo Martins, outro membro, vê o mandato coletivo como forma de combater a corrupção. “Fez besteira, fez conluio, envolvimento com coisa ilícita, vai ser expulso”, diz.
Sobre o grupo ter nove homens e apenas uma mulher, ele afirma que essa não era a ideia: “Fizemos muita busca e conversas, mas não conseguimos”.
O levantamento do Inesc mostra um aumento dos homens brancos nas candidaturas conjuntas, que passaram de 12% para 17% dos cabeças de chapa, em comparação a 2020. Ao mesmo tempo, houve um crescimento de pardos ou pretos, tanto homens (de 17% para 28%) como mulheres (de 21% para 31%).
As mulheres brancas, por sua vez, tiveram uma redução significativa, de 46% para 21%. Ainda assim, a diversidade continua sendo uma marca desse modelo, com uma proporção muito maior de postulantes femininas e indígenas, por exemplo.
A maior parte dos grupos é formada por três integrantes, mas há candidaturas de até 50 pessoas. Apenas uma delas disputa o cargo de prefeito, o Vinicius Mandato Coletivo (PCB), em São Sebastião, no litoral paulista. E o PT e o PSOL ainda concentram quase metade das apostas coletivas.
Uma delas é a Bancada Feminista, que vai tentar a reeleição à Câmara Municipal paulistana. Formada por cinco mulheres, a chapa psolista foi a sétima mais votada em 2020 e agora pretende se expandir pelo estado, levando outras sete candidaturas homônimas a cidades como Osasco, Santo André e Guarulhos.
Mas, como muitos, o grupo não manteve sua composição original. Duas se elegeram coletivamente à Assembleia Legislativa em 2022, Paula Nunes e Carolina Iara —que agora saiu para concorrer a vereadora sozinha—, e Natalia Chaves decidiu voltar à sua profissão de tradutora.
“Quando chegamos, um vereador disse que éramos uma aberração jurídica e estávamos enganando as pessoas”, diz Silvia Ferraro, titular da chapa. Após reclamações de colegas, ela teve que trocar a placa do gabinete de “Bancada Feminista” para “Silvia da Bancada Feminista” e tirar a foto oficial coletiva pendurada no prédio.
Sempre revezando a fala, elas contam que se dividem por temas de acordo com a formação de cada uma. Como vêm da mesma origem no PSOL, costumam achar consensos na hora de votar. Mas nem sempre é assim.
Em 2021, uma crise na Mandata Ativista, primeiro coletivo na Assembleia de São Paulo que inspirou outras chapas em 2020, escancarou os desafios desse modelo. Reunindo nove “codeputados” com perfis muito distintos, o grupo rachou, inclusive com troca de fechadura do gabinete, expulsão de membros e até licença por saúde mental da titular.
Luciana Lindenmeyer, representante da Frente Nacional de Mandatas e Mandatos Coletivos, defende que deva haver uma regulamentação: “Avançamos muito pouco em estatutos de partidos e legislação eleitoral. Ainda ficamos sujeitos a um único CPF e temos dificuldade de disputar orçamento nas legendas”.
Uma emenda para proibir as candidaturas coletivas chegou a ser aprovada há um ano pelo plenário da Câmara dos Deputados, mas a proposta travou no Senado. Entre os argumentos contra o modelo está, por exemplo, a dificuldade de estender prerrogativas como a imunidade parlamentar a todo o grupo.
Catarina Scortecci e Júlia Barbon, Folhapress